Com "Marighella", ator Wagner Moura se torna o anti-Capitão Nascimento

16/02/2019 10h17


Fonte Folha Press

Imagem: DivulgaçãoClique para ampliarCom

Gritos de "Lula Livre", "Ele Não" e "Marielle Presente" abriram a sessão oficial do filme "Marighella", no Festival de Berlim, na última sexta-feira (15).

Os berros vieram principalmente de um grupo de cerca de 30 brasileiros que compraram ingresso e se enfileiraram à beira do tapete vermelho do Berlinale Palast, o cinema onde ocorrem as principais projeções da mostra alemã.

Parte da equipe que trabalhou no filme também respondeu aos gritos. O diretor, Wagner Moura, empunhou uma placa com o nome da vereadora assassinada Marielle Franco e foi ovacionado.

Na primeira vez que Moura deu as caras no Festival de Berlim, em 2007, foi vestido com a farda preta do Capitão Nascimento de "Tropa de Elite", o policial que enfrentava o crime passando por cima da lei. Ao voltar, 12 anos depois, como diretor de "Marighella", o ator quer se firmar com um anti-Capitão Nascimento.

O retrato que faz do guerrilheiro de esquerda é o de um herói amoroso, que pega em armas, mas também prega o respeito às mulheres, que assalta um trem e é elogiado por Sartre, que assalta banco e é comparado a Lampião, Antônio Conselheiro e Zumbi, outros ícones da rebeldia.

É claro que há espaço para alguma nuance, sobretudo quando o personagem é confrontado por recrutar jovens incautos, filhos da burguesia, para a luta armada. Mas, como um todo, o discurso do filme toma, sim, partido e oferece sinais a rodo para quem quiser ver nele uma resposta da esquerda ao conservadorismo que ascendeu no Brasil. Moura diz crer que vá "enfrentar muita merda" quando voltar ao país, afirmou, citando a polarização política.
A crítica internacional teceu alguns elogios, mas tendeu a sentir falta de mais profundidade e menos maniqueísmo.

Para a Hollywood Reporter, a obra é branda ao abordar a complexidade moral e política do assunto. "Moura apresenta as ações [dos guerrilheiros] em termos heroicos e acríticos", aponta. A Screen destaca que o filme "é mais uma cinebiografia de ação do que um debate político".

O diretor diz que seu longa surge numa era de "disputas de narrativas" e de revisionismo histórico partindo do próprio governo sobre o que foi o período militar. "No filme, Marighella bota bomba, mata americano, faz um monte de coisa. Mas, se me perguntar, eu digo que me identifico com os revolucionários."

Um dos exemplos de como Moura quer que seu filme funcione como cabo de guerra dessas narrativas é a forma como frisa um discurso patriótico na boca dos guerrilheiros. Indagado se é leninista, trotskista ou maoísta, o protagonista diz que é brasileiro.

Seus seguidores bradam que lutam pelo país e até cantam o hino nacional, emocionados. O diretor parece querer tirar de quem marchou com camisetas da seleção e bateram panela o monopólio de um sentimento ufanista.

A produção de R$ 10 milhões acompanha os últimos cinco anos de vida do biografado, começando com o tradicional texto de abertura que situa os reflexos do golpe de 1964.

Não há construção de amadurecimento político do personagem aqui. Quando o encontramos, na pele de Seu Jorge, ele já tomou a decisão de partir para a clandestinidade. Afinal, diz o personagem, "as coisas não vão acalmar".

Só precisa antes dizer um "até logo" ao filho, o garoto Carlinhos, mostrado em momentos idílicos boiando no mar junto ao pai. A relação entre os dois, aliás, é uma das duas janelas que o diretor permite mostrar de vida íntima do protagonista, interpretado por Seu Jorge. A outra é seu envolvimento amoroso com Clara Charf, vivida por Adriana Esteves.

Em termos estéticos, sobretudo nas várias cenas de ação, Moura parece tributário do estilo frenético de José Padilha, seu diretor em "Tropa de Elite". O melhor exemplo é o primeiro trecho, um plano-sequência que refaz o assalto ao trem pagador que fazia a rota Santos-Jundiaí, em 1968.

Com poucas licenças poéticas, a trama consegue ser fiel à biografia escrita pelo jornalista Mário Magalhães. Moura segue os passos do biógrafo até ao reproduzir a execução do guerrilheiro, em 1969.

Foi o jornalista quem descobriu que o revolucionário estava desarmado quando assassinado pela polícia. Na época, o inquérito forjou que havia uma arma em suas mãos, e isso é seguido à risca no filme, com os policiais saindo em busca de um revólver para plantar na cena.

Mas o longa também adota algumas liberdades dramáticas. Os demais guerrilheiros e os policiais são amálgamas de vários sujeitos. Bruno Gagliasso interpreta Lúcio, um delegado sanguinolento que é clara referência a Sérgio Paranhos Fleury. E a trupe de revolucionários é batizada com os nomes dos próprios atores que os interpretam.

Numa das cenas, o protagonista arrisca a própria vida para rever o filho, em Salvador. Ele de fato tentou reencontrar o garoto, mas a forma como a emboscada se segue na trama é um recurso dramático.

Entre os outros eventos históricos há a reconstituição da morte do oficial americano Charles Chandler sob ação dos guerrilheiros, que o acusavam de ter ensinado táticas de tortura aos brasileiros. São vários, aliás, os momentos em que o filme frisa o apoio que o governo dos Estados Unidos teria dado à implantação do governo militar, inclusive em seus atos mais subterrâneos.

"Marighella" ainda não tem previsão de estreia no Brasil. A produtora Andrea Barata Ribeiro afirmou ter ouvido de responsáveis pela distribuição do título que "o momento não é adequado". "Se necessário, faremos um lançamento independente", disse.

Procurado, o dono da distribuidora Paris Filmes, Márcio Fraccaroli, informou que o calendário de lançamentos "por ora está muito competitivo".

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