Peritos investigam se havia poliuretano na estrutura do contêiner que pegou fogo no CT do Flamengo

10/02/2019 08h03


Fonte G1

Os peritos que investigam o incêndio que matou 10 atletas no Centro de Treinamento do Flamengo, o Ninho do Urubu, querem saber se havia poliuretano na estrutura dos contêineres. O poliuretano é o mesmo material – altamente inflamável – usado na Boate Kiss, que pegou fogo em 2013, com 242 pessoas mortas e quase 700 feridos.

Os peritos que trabalharam neste sábado (9) no centro de treinamento se concentraram no material utilizado no acabamento dos contêineres por dentro. Uma fonte ouvida pelo Jornal Nacional contou que os peritos encontraram espuma em parte dos painéis – instalados como se fossem paredes.

Em sua página na internet, a NHJ, empresa que instalou o contêineres no alojamento do Ninho do Urubu, informa que usa poliuretano injetado no meio dos painéis que, segundo a empresa, são de chapas de aço, dos dois lados. Até a noite deste sábado (9), no entanto, a empresa não respondeu se o módulo que pegou fogo era assim.

O poliuretano é uma mistura de produtos químicos que se transformam em espuma rígida após a aplicação, impedindo a passagem de ruídos e do calor.
Imagem: Leslie Leitão/TV GloboO que restou do alojamento do Ninho do Urubu após incêndio.(Imagem:Leslie Leitão/TV Globo)O que restou do alojamento do Ninho do Urubu após incêndio.

Material inflamável

A Boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, usava placas com espuma de poliuretano. No incêndio em 2013, o fogo se alastrou em minutos e causou a tragédia. Especialistas explicam que o poliuretano é altamente inflamável e que a fumaça carrega gases tóxicos.

No caso do CT Ninho do Urubu, os peritos querem saber se houve uso de poliuretano e, principalmente, de que material eram as placas que revestiam a espuma – se eram mesmo placas de aço, como diz o site da empresa, ou de algum outro material como plástico ou compensado de madeira.

O engenheiro Gerardo Portela diz que o poliuretano não é adequado para o uso em alojamentos.

“Esse tipo de estrutura em sanduíche tem um limite de suportar calor, então enquanto é um princípio de incêndio e as pessoas estão acordadas para reagirem com rapidez, OK, ele ainda pode ser utilizado, no caso de um escritório, por exemplo. Com pessoas dormindo, como projetista eu não especificaria esse material."

A tragédia pode ter sido agravada pelo fato de a estrutura ter apenas uma porta de saída, segundo os peritos.

“Faltou fazer uma análise do arranjo daquela instalação para ver se tinha rotas de fuga suficiente pras pessoas saírem, mais de uma opção, faltou um sistema de alarme, de detecção de fumaça, de detecção de fogo (...) pra pessoas terem uma opção de saída antes de chegar no ponto que chegou."
Imagem: Reprodução/TV GloboIncêndio no alojamento de adolescentes no CT do Flamengo teria começado no ar-condicionado de um dos quartos. No cômodo mais distante, todos morreram.(Imagem:Reprodução/TV Globo)Incêndio no alojamento de adolescentes no CT do Flamengo teria começado no ar-condicionado de um dos quartos. No cômodo mais distante, todos morreram.

Ausência de licenças

O Ninho do Urubu pertence ao Flamengo desde a década de 1980, mas só em 2010 o time profissional passou a treinar lá definitivamente, ainda em estruturas provisórias. No ano passado, o clube investiu R$ 26 milhões para modernizar o CT. Mas essa megaestrutura, de cinco mil metros quadrados, não tinha certificado de aprovação do Corpo de Bombeiros.

Segundo a corporação, o Flamengo deu entrada no projeto de segurança contra incêndios em 2010. Desde então, os bombeiros dizem que têm feito vistorias para checar o cumprimento das exigências - nunca completamente atendidas.

Veja a cronologia de desdobramentos:

Setembro de 2017:
Flamengo pediu, segundo a prefeitura, o alvará de funcionamento para o centro de treinamento, mas sem o certificado de aprovação dos bombeiros.
16 de outubro de 2017: prefeitura multou o clube por manter o Ninho do Urubu funcionando sem o alvará.
20 de outubro de 2017: prefeitura emitiu um edital de interdição do CT. De lá pra cá, foram 31 multas.
abril de 2018: Flamengo apresentou um projeto para fazer uma nova construção no terreno. Segundo a prefeitura, o local que pegou fogo constava nesse projeto como um estacionamento - não como alojamento. E nunca nenhum pedido foi feito pra construção de dormitórios ali.
Novembro de 2018: os bombeiros fizeram a mais recente vistoria no CT. Mais uma vez, não emitiram o certificado de aprovação porque ainda havia pendências em relação ao projeto de segurança. Em nota, a corporação disse que não interditou o centro porque não constatou riscos que justificassem legalmente a interdição imediata.
12 de dezembro de 2018: a prefeitura aplicou a mais recente multa ao Flamengo, por descumprir a ordem de interdição.

A prefeitura informou, em nota, que não tem poder de fechar as portas do CT de forma ostensiva e que qualquer outra atuação, além das medidas tomadas, não cabe à prefeitura.

“O que ficou faltando foi adotar as providências no sentido do cumprimento prático da sua decisão. Ainda que com o auxílio de força policial. Na pior das hipóteses, a prefeitura poderia ainda ter buscado uma ordem judicial mediante uma ação perante o poder judiciário e não o fez. E isso caracteriza uma grave omissão”, afirmou o professor de direito da Uerj Gustavo Binenbjom.

CEO do Flamengo se pronuncia

No fim da tarde, o diretor-executivo do Flamengo, Reinaldo Belotti, fez um pronunciamento. Ele falou que as multas e a falta de licença não têm relação com a tragédia.

“Na realidade, isso não tem nada a ver com o acidente que ocorreu. Nós temos algumas providências a serem tomadas pra tornar o CT plenamente legalizado, estamos trabalhando arduamente nisso, com o Corpo de Bombeiros (...) Sem contar que esse modulo de alojamento que nós estamos falando era conhecido por todos (...) Aquilo não era um puxadinho que a gente escondia, muito pelo contrário, era um alojamento confortável, adequado ao que se propunha e que nós mostrávamos pra todos com orgulho”, disse Belotti.

O CEO do clube não respondeu a perguntas dos jornalistas. Disse que os aparelhos de ar condicionado do alojamento passaram por manutenção.

“Entre a noite de quinta-feira e o meio dia de sexta-feira aconteceram vários picos de energia (...) Então, pode ser, a suposição existente agora é que esses picos de energia tenham influenciado no funcionamento regular do ar-condicionado e ocasionado o princípio de incêndio”, disse o dirigente.

A companhia de luz do Rio, a Light, informou que, da manhã de quinta-feira até o momento do incêndio, não registrou interrupção ou oscilação de energia.

Belotti também apresentou um certificado da CBF reconhecendo o Flamengo como uma entidade para formação de atletas, com parecer positivo da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro. Ele mostrou ainda um documento, de maio de 2018, do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, confirmando que o clube apresentou a documentação necessária para funcionamento (veja os documentos apresentados no fim da reportagem).

O que dizem os citados

A Prefeitura do Rio declarou que os contêineres são considerados edificações e que precisam de autorização para serem instalados, mas, segundo a prefeitura, o Flamengo instalou essas estruturas sem aviso, nem autorização. Nós perguntamos à prefeitura por que nenhuma medida judicial pra interditar de fato o CT foi tomada, mas não tivemos resposta.

Sobre o fato de haver uma única porta no alojamento, o Corpo de Bombeiros informou que não cabe à corporação determinar o número de portas e o tamanho de janelas, por exemplo, e que essas especificações são estabelecidas pelo código de obras do município e pelas normas técnicas.

A CBF afirmou que cumpre rigorosamente suas atribuições e que o documento emitido pela confederação não substitui a fiscalização do poder público.

A empresa NHJ do Brasil não respondeu aos pedidos do Jornal Nacional.

Identificação de corpos

Uma força-tarefa de peritos foi convocada para tentar identificar os corpos carbonizados do incêndio que ainda estão no Instituto Médico-Legal (IML) do Rio. Até as 20h de sábado, oito das dez vítimas foram identificadas e tiveram os corpos liberados

O INCÊNDIO

A tragédia aconteceu no fim da madrugada de sexta (8) no Ninho do Urubu, como é conhecido o Centro de Treinamento Jorge Helal, em Vargem Grande, Zona Oeste do Rio;
Foram dez mortos e três feridos. Treze escaparam ilesos;
No alojamento dormiam garotos de 14 a 17 anos dos times juniores do Flamengo;
Por causa do temporal da última quinta (7), que deixara o Ninho do Urubu sem luz, treinos foram cancelados. Com isso, jovens que tinham residência no Rio puderam dormir em suas casas;
O incêndio começou às 5h07 em um dos seis módulos de contêineres adaptados para dormitórios. A hipótese mais provável é um curto-circuito em um ar-condicionado;
Imagens obtidas pela TV Globo mostram jovens saindo do alojamento quando o fogo já ardia em um dos quartos. Câmeras de segurança registraram ainda explosões e muita fumaça. Tentativas de debelá-lo com água de bebedouros e extintores foram em vão;
Bombeiros chegaram rapidamente, mas já encontraram os contêineres envoltos em chamas. O fogo foi apagado às 6h30;
Três atletas foram levados para o Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra. Em estado mais grave está Jhonatan Ventura, com queimaduras em um terço do corpo;
Dez jovens foram encontrados sem vida. Todos vieram de fora da cidade do Rio.

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Tópicos: alojamento, fogo, corpos