Gilberto Gil: "O tempo é rei. Nunca me arrependo de nada que tenha feito na vida"
11/04/2025 08h57Fonte Vogue
Imagem: Leo Aversa/Rolex
Gilberto Gil

Gilberto Gil quer usar melhor o seu tempo. Por isso, decidiu fazer uma grande turnê de despedida dos palcos neste ano de 2025. Não se trata de parar de trabalhar, como ele descreve na entrevista abaixo, mas de poder se dedicar mais e melhor às seus amores.
Denominada "Tempo Rei˜, a turnê estreou em Salvador no mês passado, este fim de semana chega a São Paulo e depois percorre outras capitais. Em entrevista exclusiva à Vogue, o cantor e compositor fala sobre sua relação com a arte, a música, a família e, claro, como o tempo.
A turnê tem patrocínio da Rolex, com quem o cantor tem uma parceria de longa data. Gil foi mentor do programa de parceria artística da casa em 2012, cargo ocupado por nomes como Mario Vargas Llosa, Mia Couto, Spike Lee, entre outros. A seguir, melhores trechos da conversa:
Vogue Brasil: Por que decidiram intitular a sua última turnê de Tempo Rei?
Gilberto Gil: Foi um consenso obtido entre todos, as pessoas próximas, as pessoas que estariam envolvidas na realização deste trabalho. Todos eles imbuídos dessa presença forte do tempo como dimensão, como instância existencial, como temática artística, não só para mim, mas para tantos poetas, tantos realizadores de cultura. E é o título de uma canção, uma das minhas canções mais envolventes, mais queridas do público, mais importantes do meu trabalho.
Vogue Brasil: O que pretende fazer quando ela acabar?
Gilberto Gil: Pretendo continuar vivendo, sem tanto compromisso de agenda, sem essa preocupação intensa e extensa das grandes turnês, das tantas viagens, dos vários modos de produção. Enfim, mais quieto, mais tempo para observar a vida, para pensar em mim mesmo, pensar na minha saúde, pensar na minha velhice, pensar na minha música no sentido particular, pessoal, essa intimidade que eu tenho querida, intimidade que eu tenho com o violão, e de uma certa maneira também com as palavras, o poetar, com escrever coisas, com traduzir em palavras pensamentos e sentimentos que me ocorrem o tempo todo, eu acho que é isso, é uma desocupação de muitas coisas que eu tenho feito, e faço até hoje, para me ocupar de outras tantas coisas com as quais eu também me ocupo, mas que o tempo, a idade, o passar do tempo exigem com mais rigor.
Vogue Brasil: Como vê os novos nomes da música popular brasileira e quais deles têm chamado a sua atenção?
Gilberto Gil: Eu vejo como sempre vi, com muita curiosidade e, em alguns casos, com mais atenção para uns do que para outros. Surgiu muita gente interessante, o Baianasystem, por exemplo, o Russo Passapusso e o Beto, o pessoal todo que forma o conjunto. Um pouco anteriormente, todo o fenômeno da Ivete Sangalo e tudo que ela arrastou com ela para o campo da sofisticação da música popular baiana a, consolidação da música popular baiana. Recentemente eu encontrei o Hariel, um menino muito jovem ainda, fazendo um tipo de música associada a essa corrente mais atual dos repentistas pop, do pessoal do rap. Conheci também o João Gomes, um artista pernambucano ligado a essa corrente da música nordestina, com muitos elementos de inovação, de renovação, interessado também na atualização desse campo musical. Há algum tempo atrás conheci a Liniker. O Jão, com seu trabalho também inovador, sua grande referência em quadros importantes, um pouco anteriores da música brasileira, como o Cazuza. Vejo esses programas mais especiais, sobre novidades, sobre lançamentos, gente começando me interessa. Sempre tem alguma coisa ali relativa a elementos que eu já abordei, que eu já utilizei no meu trabalho, e coisas novas. Eu já me interessava e continuo me interessando com essas novas gerações.
Vogue Brasil: A sua família, seus filhos e netos, se tornaram pessoas públicas com trabalhos relevantes. Quais valores se preocupou em transmitir para eles?
Gilberto Gil: Nunca foi uma preocupação. Sempre foi uma ocupação natural, diária, constante, associada muito definitivamente ao conceito de educação, ao interesse em educá-los, ao interesse em aproximá-los de tudo que é interessante e importante do ponto de vista existencial, do ponto de vista moral, do ponto de vista ético, do ponto de vista técnico. A ocupação com os filhos sempre foi educá-los, transmitir valores sempre foi uma consequência natural. A Flor, os Gilson, a Preta, o Bem, a Nara, todos os meninos, foram vários deles, dos oito filhos, muitos se envolveram com música, inclusive o filho que nós perdemos muito cedo, o Pedro, chegou a ser um músico interessante, um baterista. E a transmissão de valores é uma consequência natural do meu próprio apreço pelos valores. Tudo aquilo que eu aprecio como condição de vida, como elemento existencial, como prática social, tudo isso faz parte da transmissão daquilo que vai para os filhos e para os netos.
Vogue Brasil: Falando em tempo, pra você qual é a melhor maneira de gastar/usar o tempo?
Gilberto Gil: Uma delas, talvez a principal, seja com a música. Tanto por razões diletantes, pelo gosto, pela dimensão solidária e solitária que tenho com a música, tanto quanto pela dimensão profissional. Afinal de contas, eu fiz da música um elemento fundamental para a minha própria sobrevivência, para o meu próprio sustento. Gosto muito também de ler, gosto muito de cochilar, de dormir. Com a idade, esse hábito foi ficando mais salutar, foi ficando mais importante, foi ficando mais regenerativo. Passear por aí, eu já não tenho muito ímpeto, porque as minhas viagens, o meu trabalho profissional já me leva para muitos lugares, já me fez conhecer a Europa quase toda, uma boa parte da África, uma boa parte das Américas, da Ásia, viajar para o Japão, para a China, para a Oceania. Viajar para esses lugares é sempre uma coisa interessante, ilustrativa, educativa.
Vogue Brasil: Quais foram e são as suas grandes inspirações na vida? Elas mudaram muito ao longo do tempo?
Gilberto Gil: Olha, as principais foram no campo dos artistas populares brasileiros, muitos deles, cito como alguns exemplos o Luiz Gonzaga, o Dorival Caymmi, o João Gilberto, o Ary Barroso, o Antônio Carlos Jobim, a Elis Regina, as colegas Maria Bethânia, Gal Costa, sempre foram pessoas muito inspiradoras. Meu colega Chico Buarque. Desenvolvendo uma carreira ao lado da minha, Caetano Veloso. Tem Bituca, Milton Nascimento, tantos outros. Mais recentemente, a Rita Lee, o Lulu Santos, o Jorge Ben, Zeca Pagodinho. Enfim, tanta gente, muita gente. As referências vão se ampliando. Eu citei alguns exemplos aqui de referências lá de 50, 60 anos atrás, quando eu era criança. Depois, já na fase da profissionalização. Eu citei a Rita Lee, por exemplo, que foi fundamental. Recentemente citei o Lulu Santos, citei o Zeca Pagodinho, citei tantos outros. Agora, esses meninos, aqui do Baianasystem também, os meninos mais recentes, como o Léo Santana. São referências que vão se renovando, vão se acrescentando.
Vogue Brasil: Você se arrepende de ter perdido tempo com alguma coisa na sua vida?
Gilberto Gil: É possível que sim, é possível que de vez em quando, nas minhas reflexões gerais, eu observe algum lapso importante, alguma coisa a qual eu poderia ter me dedicado com mais profundidade e não me dediquei, ou alguma coisa que eu deveria ter deixado passar mais ao largo e trouxe mais para próximo de mim. Sempre tem, essas coisas sempre têm na vida de todo mundo.
Vogue Brasil: Para você, o que só o tempo cura?
Gilberto Gil: Olha, eu não acho que o tempo cure nada não, porque ele cura e descura ao mesmo tempo. Ele vai formando cicatrizes de velhas feridas, mas vai abrindo novas fissuras, novas feridas. Você vai cometendo equívocos novos na vida. Acho que o tempo é rei. Ele reina no campo geral da condição humana, em todos os sentidos, no sentido das grandes positividades, no sentido das grandes negatividades também. Então, eu nunca me arrependo de nada que tenha feito na vida, ainda que possa ter reparado que poderia, em muitos casos, ter feito diferente do que eu fiz.
Vogue Brasil: Você possui uma relação de longa data com a Rolex. Como foi ser mentor em um programa artístico da marca em 2012 e com o que você mais se identifica com a empresa?
Gilberto Gil: Esse convite para participar do programa de mentoria artística, um programa importante da Rolex, com a participação de muitos intelectuais, muitos artistas, muitos literatos, muitos teatrólogos, muitos atores, muitos músicos, num convívio que foi bastante prolongado e que ainda continua até hoje. Durante dez anos foram trabalhos intensivos, com duas, três reuniões anuais. E com a avaliação de novos postulantes, novos pretendentes na vida artística, junto com essa mentoria feita por vários outros, como eu disse, artistas intelectuais importantes. E isso foi uma aproximação natural muito grande com a Rolex. Eu tive, com esse trabalho, a oportunidade de conhecer melhor as, digamos assim, as entranhas da instituição, da companhia, o seu trabalho, a sua condição centenária de produção, associado à ideia da contagem do tempo, que é o relógio. Então, esses anos de aproximação me deram um pouco a visão por dentro de uma companhia tão importante como a Rolex. Foram muitos os que participaram desse trabalho, já anteriores à minha chegada, por exemplo, o Vargas Llosa, depois que eu cheguei, o Soyinka, o grande escritor nigeriano, o Mia Couto, a Julie Taymor, o brasileiro Julián Fuks, enfim, muita gente, muitos artistas, Spike Lee e Martin Scorsese, na área do cinema. É uma curadoria importante para vários artistas novos da Argentina, da Europa, da Ásia, que estavam iniciando suas carreiras.
Para ler mais notícias do FlorianoNews, clique em florianonews.com/noticias. Siga também o FlorianoNews no Twitter e no Facebook