Igor Rickli relata que sofreu abuso sexual na infância: "Me senti culpado, doÃa e me reprimi"
14/06/2024 13h33Fonte Revista Quem
Imagem: Rafael Cusato/QuemAline Wirley e Igor Rickli
Juntos há 14 anos, Igor Rickli, de 40 anos, e Aline Wirley, de 42, estão celebrando o amor de forma mais madura. Em uma conversa franca com a Quem, os artistas falaram como chegaram ao atual momento do casamento, que inspirou o novo projeto profissional deles. O casal também explicou por que decidiu expor a bissexualidade e o relacionamento aberto que possuem. Tocando em feridas do passado, o ator revelou ainda que foi vítima de abuso sexual na infância.
O casal se conheceu nos bastidores do musical Hair, em 2010. Eles se tornaram amigos e essa proximidade evoluiu para um relacionamento amoroso. Depois de mais de uma década, os dois decidiram voltar aos palcos juntos para estrelar o musical É o Amor, que está em cartaz no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo.
“O que eu mais vejo neste momento entre nós é a maturidade como pessoas, como casal e, agora, se arriscando a produzir um espetáculo. É um momento de alegria, porque a gente está celebrando o nosso amor e a nossa história de todas as formas possíveis, em várias camadas, como artistas, como pai e mãe e como pessoas que acreditam nesse amor que transforma”, comentou a cantora. O ator acrescentou: “Estamos ousando caminhar sem tanto pudor como a gente tinha antigamente. A gente era um pouco mais criterioso, tentava fazer as coisas de acordo com o que os outros iam gostar”.
A história do casal é, sim, o fio condutor do espetáculo, mas a trama não é autorreferente. Igor e Aline são bissexuais e decidiram expor no ano passado que vivem um relacionamento aberto. Falar publicamente sobre isso fez eles se sentirem mais leves. “Como formadores de opinião, vimos a necessidade de trazer luz sobre o assunto. Não quisemos militar ou lacrar. Não é sobre isso, é sobre o direito de existir, a liberdade, o espaço e o respeito”, explicou o ator.
Imagem: Rafael Cusato/QuemAline Wirley e Igor Rickli
A ex-integrante do Rouge comentou que muitas pessoas pensam que foi simples expor os detalhes do seu casamento e da sexualidade nas redes sociais, mas a realidade foi outra. “[O buraco] é bem mais embaixo. Eu estava dentro do BBB [23], olha que loucura, e quando eu saí, eu vi tudo acontecendo. Mas foi um processo da nossa alma falando: Não quero mais ter que mentir, nós somos isso. Funciona para a gente. Não queremos impor a nossa relação para ninguém, só mostramos que dá certo e que a gente é muito feliz.”
"A gente não compactua com traições"
Para Igor, explicar como funciona um casamento aberto não é algo simples. “Acho que, na verdade, ninguém vai conseguir entender exatamente o que é”, pontuou o ator. Em seu entendimento, essa é uma equação que depende de vários fatores e acordos. “A nossa sexualidade sempre foi algo que a gente olhou com muito mais delicadeza do que as pessoas pensam, não é uma permissividade, é um lugar de cura. Somos duas pessoas que vêm de lugares muito profundos, de lugares doídos, que nos fizeram ter um olhar de muito cuidado sobre a sexualidade.”
Dentro do acordo do casal, duas coisas não são permitidas: mentiras e traição. “Eu nunca vou trair a Aline e ela nunca vai me trair, mas no sentido amplo da palavra. Mentir, magoar, fazer algo para ferir. A gente está junto nessa caminhada, porque a gente conhece o rolê de cada um e existe confiança”, afirmou Igor. A cantora concordou e falou que a conexão deles se fortaleceu porque um soube acolher a dor do outro.
Aceitação da bissexualidade
Crescer com dúvidas sobre sua sexualidade foi difícil para Igor, mas quando seu caminho cruzou com o da esposa, ele finalmente se sentiu acolhido. “A Aline sempre foi uma mulher muito sensível e muito inteligente emocionalmente. Quando a gente se conheceu, ela viu o quanto era doído para mim o lance da bissexualidade, de ter que me comportar como um galã. Era uma cobrança. Ela percebeu isso e foi muito cuidadosa comigo. Fui um menino que veio do interior do Paraná, que foi chamado de viadinho em alguns momentos da infância, então eu criei vários mecanismos de defesa. Ela teve muita sensibilidade comigo e eu também tive em olhar o histórico dela”, contou.
Aline também é bissexual, mas, para ela, as marcas do passado são outras: “Trago outros [traumas], sou uma mulher preta. Eu vejo e vi acontecer na minha família a solidão da mulher preta. A gente está junto há 14 anos, sou uma mulher preta que sou muito amada dentro dessa relação. A gente tem trocas, a gente é parceiro, a gente dá risada junto, é nesse lugar que a gente acredita no amor. É mais do que um relacionamento de posse. Ele realmente quer me fazer feliz. E a gente, na nossa individualidade, se fortalece como parceiro”.
Imagem: Rafael Cusato/QuemAline Wirley e Igor Rickli
Alerta com os filhos
O casal, que esta semana concluiu um processo de adoção, agora tem três filhos: Antonio Caramelo, Fátima e Will. Os artistas disseram que dentro de casa tratam com naturalidade questões relacionadas à sexualidade. “A gente vive numa sociedade machista, patriarcal e somos pais de dois meninos. O Antonio está com com 10 anos e o Will com sete. A gente quer que eles não precisem desconstruir nada, que só cresçam em fluidez. A gente já vê isso acontecendo com o Antonio e como ele lida com nossos amigos, por exemplo, que são plurais e diversos. Para ele, tudo é muito fluido, isso é muito especial”, disse Aline.
Igor acrescentou que além tratar com naturalidade e respeito, eles também respeitam o tempo dos filhos. “Para nós, esse momento da infância é muito sagrado. O nosso histórico com relação à sexualidade sempre foi muito conturbado. A gente traz muitos traumas, muitos abusos e isso nos faz olhar com muito cuidado sobre a sexualidade dos nossos filhos”, falou o ator, que relatou ter sofrido abuso sexual quando criança.
“Trago uma bagagem pesadíssima até aqui. Os abusos realmente causam uma virada na sua vida. Aconteceu na minha infância. São questões que realmente marcaram a minha existência aqui neste planeta e me fizeram olhar as coisas por outro prisma. Eu tinha a idade do meu filho mais novo”, relatou. “Foram várias vezes e tudo isso me fez viver situações que foram difíceis e eu estava sozinho, não conseguia falar.”
O artista contou que por anos se sentiu culpado, sendo que ele foi a vítima da situação. “Eu achava que tinha alguma coisa errada ou que tinha feito algo errado e é muito louco como a gente vai disparando gatilhos. Depois você vai crescendo e vai se sentindo culpado por isso. Durante muito tempo, eu me senti muito culpado, doía, me reprimi muito e tinha uma dificuldade muito grande de confiar nas pessoas e me permitir, mas tinha atração, era um grande caos”, concluiu.
Imagem: Rafael Cusato/QuemAline Wirley e Igor Rickli