Luisa Arraes sobre casamento: "Nunca conheci um casal monogâmico feliz a vida inteira"
16/10/2022 11h16Fonte O Globo
Imagem: Catarina RibeiroLuisa Arraes
Um ar questionador e até meio rebelde aparece o tempo todo nas falas da atriz Luisa Arraes, de 29 anos: sobre o que é ser mulher e qual o nosso lugar no mundo, os rumos políticos do país durante o governo Bolsonaro, a quem faz incessante oposição, e o casamento tradicional enquanto instituição. Semelhanças com a personagem Francisca, da série “Cine Holliúdy”, da TV Globo, não são meras coincidências. “A história se passa nos anos 1970 e a Francisca é uma anti-mocinha, uma feminista avessa ao casamento. Para ela, casar é um sinal claro de prisão, o que, pra mim, também já foi um dia”, aponta.
Na trama, Francisca ainda busca pelo pai, cuja identidade é desconhecida até certo momento da história. “Assim como a maioria das crianças brasileiras, ela não teve pai e sente muita tristeza por isso. Mas ao chegar a Pitombas (cidade fictícia), descobre que ele é Olegário e isso dá uma mexida nela, porque os dois são golpistas”, conta, ao risos.
O personagem é vivido pelo ator Matheus Nachtergaele, que já contracenou com a atriz há 22 anos, em “O Auto da Compadecida”, filme dirigido pelo pai dela, Guel Arraes. “Costumava dizer que a Luisa era uma menina dourada, com um sorriso inacreditável. O Guel falava: Acho que o filme vai ser querido pelas pessoas, porque ela, tão pequenininha, não tira os olhos do vídeo. Quando algo agrada tão sinceramente a uma criança, tem alguma coisa bonita acontecendo”, diz Nachtergaele. “Foi muito gostoso vê-la mulher e uma atriz pronta, com assinatura.”
Após esse primeiro trabalho, aos 7 anos, Luisa não parou mais: ainda criança, fez a daminha de honra do longa “Lisbela e o Prisioneiro”, sucesso de 2003, também sob a batuta de Guel e com sua mãe, a atriz Virginia Cavendish, no elenco. Na TV, esteve em novelas no horário nobre da Globo, como a romântica Laís, de “Babilônia”, em 2015, e a problemática Manu, de “Segundo sol”, de 2018. E no ano que vem, se prepara para estrear o filme “Grande Sertão: Veredas”.
"A Luisa sempre participava das nossas produções e levava tudo muito a sério, até o dia em que reivindicou uma fala em Lisbela e o Prisioneiro e ganhou. E por aumentar sua participação, pediu um aumento do cachê! Desde cedo, entendeu a mecânica dos ensaios e sua importância. Muito lindo acompanhar sua trajetória e trocar ideias sobre nossa profissão”, revela Virginia, orgulhosa da cria. “Ela era a peça que faltava em nosso Cine Holliúdy. Cresceu com a linguagem e o ritmo da comédia no sangue. A Francisca construída por ela vai além do que imaginávamos”, complementa a diretora artística da série, Patrícia Pedrosa.
Nascida em uma família de artistas e políticos — é neta do falecido ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, e prima da candidata ao governo do mesmo estado, Marília Arraes —, entender e se posicionar sobre o assunto sempre foi muito natural. O voto em Luís Inácio Lula da Silva, por exemplo, é algo certo, público e inquestionável.
“Finjo que existem outros assuntos, mas só falo disso. Quando você escolhe o quanto dá de gorjeta para quem entrega sua comida, se você faz um trabalho social, tudo é política, e eu quero fazer política a vida toda. Em 2018, teve uma mudança muito radical no Brasil (com a eleição de Bolsonaro) e a noção que vivemos em uma bolha e ninguém sabia que isso poderia acontecer, é uma alienação muito grande, inclusive dos artistas, de entender seu papel”, reflete, com ar contestador.
Ela acaba de estrear, no Festival do Rio, o filme “Transe”, uma história que remonta às eleições de 2018 e a ascensão do atual presidente ao poder, tendo como pano de fundo o amor livre entre três jovens. Além dela, estão no elenco Ravel Andrade e Johnny Massaro.
“É sem dúvida um dos trabalhos mais importantes da minha vida, com ficção e realidade misturados. Todos que participaram estavam pensando o país, sabíamos o que tinha que ser dito, sem decorar nenhum texto. São três pessoas aturdidas, vendo a extrema-direita tomar conta do Brasil, enquanto o amor e a política estavam tomando conta da nossa vida”, diz, sobre o assunto que, às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, desperta paixão e ódio, na mesma medida.
O feminismo, citado por Luisa no começo desta entrevista feita via chamada de vídeo, com duração de uma hora, é assunto muito caro à atriz, que faz questão de mostrar o quanto a imposição da performance do feminino lhe incomoda. Julga cansativa a tentativa diária de quebrar esse padrão e “fingir que a gente é mulher”.
Fingir? “É, dá muito trabalho fazer isso: se vestir de determinada forma, ser mais quietinha ou tímida para que outros se sobressaiam. A questão dos pelos, por exemplo. Quando uma mulher diz eu me sinto melhor sem pelos, não é uma coincidência por ser algo que somos induzidas a fazer, sei lá, desde os 13 anos?”, questiona, mantendo os seus livremente pelo corpo.
“Recebemos uma lavagem cerebral e temos que tentar lutar contra isso. Desde a adolescência nossos desejos são ceifados, nossa sexualidade e as relações também, enquanto o prazer masculino é incentivado”, discorre.
Não demora muito para que o assunto entre, com naturalidade, no tema aborto, sobre o qual Luisa se posiciona à favor em qualquer circunstância.
“O que vivemos no Brasil é desesperador, crianças em clínicas tentando abortar. Crianças vítimas de estupro com gente ao lado de fora dizendo que ela é assassina. Nunca aconteceu de um grupo religioso ir atrás de um cara pedindo para ele cuidar da criança. A maioria dos casos acontecem dentro de casa, com pessoas da família. É um nível de violência tão profundo… Nossa cultura é machista e muito violenta”, opina.
Casada há cinco anos com o ator Caio Blat, de 42 anos, Luisa conta que o relacionamento também é feito da quebra de padrões todos os dias. Os dois moram em apartamentos diferentes, no mesmo andar, um de frente para o outro, na Gávea, Zona Sul do Rio.
“Não existe uma receita e eu nunca achei que o casamento era uma opção feliz para mim. O Caio fica horrorizado com isso, porque os pais dele são casados até hoje, e os meus, não. Nunca conheci um casal monogâmico feliz a vida inteira”, reflete.
Discreta, ela não dá detalhes sobre o relacionamento, mas afirma que os dois estão sempre testando o que funciona melhor em determinado momento. “É uma experimentação sem fim, e sempre lutei contra esse negócio da posse. É óbvio que o outro vai ter outros desejos e ele pode colocar aquilo em prática ou não, mas isso também é uma desconstrução. É difícil, mas a batalha vale a pena.”
E dentro dessa eterna busca pelo autoconhecimento, os sex toys também são muito bem-vindos. Luisa acredita que eles deveriam ter papel fundamental na vida e no prazer das mulheres. “Temos que falar sobre vibradores legais, masturbação, porque nós temos o direito de conhecer o próprio corpo. Então, com certeza, comprem vibradores, se deem prazer. É uma libertação muito grande”, aponta.
Como Luisa e Caio tem uma diferença de idade de 13 anos, ela conta uma curiosidade: havia feito, tempos atrás, uma promessa de que não namoraria alguém muito mais velho do que ela, já que na adolescência passou por uma fase de sofrimento, com o desejo latente demais por “ser adulta”.
“Entrei na faculdade (de Letras, na PUC-Rio) aos 16 anos e sempre me relacionei com gente mais velha. Minhas melhores amigas têm 50, e eu tinha essa coisa de que precisava ser jovem. Mas a verdade é que a gente sofre com tudo, em todas as idades”, explica.
“O Caio também aprende muito comigo, temos vivências diferentes... Mas ele teve mais tempo de ler mais livros”, conta. E como ela encara o etarismo, que atinge tanto as mulheres? “Faz parte dessa epidemia do patriarcado. Para as atrizes é pior e por isso que cada mulher que envelhece e assume suas rugas, assume seu poder. É revolucionário ver uma atriz que está ali se aceitando e isso, para a minha geração, é um oásis.”
Além dos aprendizados e construções diárias, a união com Caio trouxe também a maternidade meio sem querer para a vida dela, já que há bastante convivência com Bento, de 12 anos, filho do primeiro casamento dele com a atriz Maria Ribeiro.
“Adoro a Luisa, temos praticamente um filho juntas. Nossa parceria é muito intensa, e além de achá-la uma mulher incrível e atriz maravilhosa, é uma grande madrasta, torço muito por ela. Vivemos uma parceria feminista muito bonita”, fala Maria.
Quanto a ter filhos biológicos, a resposta, nem mesmo a atriz sabe dizer qual é. “Escuto essa pergunta há tanto tempo... Faz parte do script que é preciso cumprir ao longo da vida, e fico feliz quando alguém responde que não, o contrário do que é esperado, porque isso abre um leque de possibilidades”, finaliza
Veja mais notícias sobre Celebridades, clique em florianonews.com/celebridades