Paolla Oliveira: "Ninguém tem que falar sobre o meu corpo"
08/02/2024 13h41Fonte Revista Marie Claire
Imagem: Reprodução/InstagramPaolla Oliveira reflete sobre pressão estética, feminismo e assédio no Carnaval.
Paolla Oliveira entende que tudo é passageiro. Isso vai desde as críticas direcionadas à ela por conta do seu corpo até o seu posto de rainha de bateria da Grande Rio no Carnaval 2024. A atriz, que está se preparando para desfilar pela sua escola de samba na Sapucaí e pretende dar tudo de si na Avenida, deu uma entrevista exclusiva a Marie Claire, na qual abriu o jogo sobre como encara a sua autoestima, refletiu a respeito do lugar da mulher no Carnaval e reforçou o óbvio quando o assunto é pressão estética e ataques nas redes sociais: "Não dei liberdade para falarem sobre o meu corpo".
Na conversa, a artista, que tem 41 anos, exaltou as mulheres de Duque de Caxias, clamou por respeito ao público feminino durante o ano todo e admitiu recorrer à terapia para lidar com os constantes comentários feitos sobre o seu corpo.
MARIE CLAIRE: O Carnaval, em si, é uma festa de muita exposição do corpo e vivemos em uma sociedade em que as questões envolvendo a padronização de corpos afetam a saúde mental de muitas mulheres. Como é a sua relação com a autoestima e como isso se dá durante o período da folia?
PAOLLA OLIVEIRA: Eu tenho falado muito sobre essa construção da autoconfiança e acho que essa é uma construção que não para. É uma coisa que está estruturada há muitos anos, pressão estética, as cobranças em cima da mulher por vários aspectos... Então a gente não vai conseguir desfazer assim. O Carnaval, para mim, sempre foi um momento de alegria, onde eu queria estar, um desejo de infância. Ao longo do caminho, fui reparando todos os obstáculos e as coisas que você tem que fazer para estar nesse lugar. A exposição do corpo é mais um elemento.
A pressão está na vida: basta você ser mulher que você vai ter a pressão. Basta você ser mulher para ter o seu caráter ou credibilidade expostos, por conta da sua aparência ou da roupa que você veste. Essa descredibilização acontece na vida. Carnaval é um momento em que a gente tem um aval para que as coisas sejam diferentes. Tenho usado o Carnaval para descobrir coisas mais potentes em mim e levar para a minha vida. É isso que tenho falado para outras mulheres: sejam como vocês desejam e se gostem como a gente se gosta nesse período.
Parece que a gente ganha um aval para ser mais feliz, para se gostar mais, para andar com uma roupa mais exposta, né?! É difícil, porque temos outros elementos que nos cerceiam. A liberdade da mulher é toda polida e cerceada de acordo com a sociedade, com a segurança, podemos sofrer uma agressão, um estupro ali [no Carnaval]. Que a gente se sinta livre na vida, como nos sentimos no Carnaval.
MC: Você foi alvo de comentários machistas sobre o seu corpo recentemente, mais uma vez. Como encarou esse acontecimento? É algo que já se acostumou, pois seu nome é sempre um "alvo" na época do Carnaval? E você tem algum apoio psicológico para lidar com essas críticas, faz algum tipo de terapia atualmente?
PO: Terapia, amor! Terapia é uma coisa maravilhosa. Acho que faz parte dos privilégios que tenho na minha vida: poder usufruir de uma terapia. Mas, fora isso, eu desacostumei. As mulheres, como um todo, se acostumam com determinadas coisas: se acostumam com o que vão apontar, se acostumam com o que não vão gostar, com o que vão opinar.... Eu me desacostumei. Eu vinha acostumada de todo mundo apontar. Tinha uma hora em que eu estava muito dentro do padrão, outra hora estava fora, e falava: "A culpa é minha. As roupas de determinada marca não entram em mim, porque sou o problema".
A hora em que comecei a colocar tudo isso em perspectiva, que tirei [esse peso] dos meus próprios ombros, isso foi ficando mais leve. A hora em que fui fazendo isso, me desacostumei. Pensei: "Quer saber? Não quero mais as pessoas falando de mim". Ninguém tem que falar. Não dei permissão para isso. Pode opinar sobre algumas coisas. Sobre o meu corpo, eu não dei liberdade. Vocês não tem permissão para falar. A objetificação do corpo da mulher parou por aí.
"Pode opinar sobre algumas coisas. Sobre o meu corpo, eu não dei liberdade" - Paolla Oliveira
Objeto é o que a gente aponta e fala o que bem quer a todo o momento. Me desacostumei a engolir sapos. Agora, quando não cuspo sapos, eu dou um "chutezinho" na canela. Sou delicada, vai?!
MC: Nos últimos tempos, surgiu uma discussão a respeito de celebridades ocuparem o posto de rainhas de bateria, porque muitas pessoas que foram criadas nas comunidades criticaram isso. Como você enxerga esse debate?
PO: Entrei na Grande Rio em 2007, 12 anos atrás. Digo que a roda está girando e que eu entrei nela. Existia um acordo, fiz direitinho e saí. Entrei mais uma vez e já tinha uma relação com [Duque de] Caxias, fui abraçada por eles [os moradores da cidade] mais uma vez. Ouço muito que sou uma pessoa querida por lá, acho que isso é uma parte importante. Seria muito difícil estar ali naquele posto se não fosse assim.
Imagem: Reprodução/InstagramPaolla Oliveira ganha elogio de Viviane Araújo ao esbanjar beleza em look de Carnaval.
Mas eu também tenho plena consciência e respeito pelas mulheres da comunidade. Também acho que poderia ser uma delas [a ocupar o posto]. E seria um lugar muito importante se fosse. Estou ali agora e tenho plena consciência de que é uma passagem. Eu não sou [rainha de bateria], eu estou ali agora, à frente daquela bateria, dessa comunidade. E tomo muito para mim esse desejo de valorizar as mulheres dessa comunidade, de enxergá-las como mulheres abrindo espaços dentro da escola, como ritmistas... está cheio de mulher na bateria, gente!
"Tomo muito para mim esse desejo de valorizar as mulheres dessa comunidade" - Paolla Oliveira
Eu falo, vejo e faço questão de enaltecer. Também acredito que tirar um pouco do meu próprio umbigo essa situação de estar ali como rainha e enaltecer elas é o mínimo que posso fazer, fora entregar tudo de bom que eu posso ali, naquele lugar. Preciso criar um mínimo de identificação com essas mulheres para estar nesse posto.
MC: E sobre o lugar das mulheres no Carnaval das escolas de samba: qual é a sua visão? Elas estão em todos os postos? O Carnaval que vivemos no Brasil é também liderado e desenhado por mulheres?
PO: Estão alçando voos cada vez mais altos. Eu acho maravilhoso. Vejo as mulheres em cargos de liderança, diretoras, chefes de ala, dentro da bateria também, aumentando cada vez mais o número. A própria ala das passistas já é muito respeitada. Não tem escola de samba que não se conte através dos pés das passistas, das belezas múltiplas que existem ali. E agora, puxadoras de samba, que é uma novidade. Eu vejo não só na Grande Rio, mas no Carnaval como um todo.
É muito simplório a gente começar a partir das escolas de samba, quando sabemos das histórias como eram. Os sambas-enredos que foram feitos por grandes mulheres e que tinham nomes de homem, os blocos que as mulheres eram proibidas de ir (elas tinham que olhar de dentro de casa, por isso que os homens se vestiam de mulher)... olha como a gente evoluiu! Mesmo com tudo que a gente passa, como a gente evoluiu!
Hoje a gente pode falar de mulheres, infelizmente, ainda conquistando espaços. Mas a gente fala de um lugar de muita batalha para a mulher conquistar e continuar abrindo esse caminho. Para quem olhar um pouquinho mais, essa é uma festa muito masculina e que agora, para mim, é um sinônimo de libertação da mulher.
MC: Soltamos recentemente uma reportagem em MC que mostra que o Carnaval no Brasil não é para as mulheres. Os estupros aumentam 50% nos dias de Carnaval. Como uma figura pública do Carnaval, como isso ressoa em você?
PO: É muito triste. Eu tenho consciência dos privilégios que tenho e de não passar por determinadas coisas, mas participo de todos os movimentos que chegam até mim para que as mulheres tenham o mínimo de liberdade. Não só no Carnaval. O Carnaval deixa mais exposto, assim como várias coisas ficam mais expostas, mais latentes, mas a mulher não tem segurança.
Eu tenho falado muito de liberdade, mas como é que eu posso ser livre, se basta o fato de estar na rua e ser uma mulher para estar vulnerável a um ataque, ser estuprada ou sofrer algum tipo de violência? A gente fala de uma liberdade que já é muito cerceada. A gente está falando de Carnaval, mas não acho que seja um problema do Carnaval. Acho que é um problema de educação, de criminalizar algumas coisas, de atos e leis que façam valer a liberdade da mulher. Agora a gente vai ter que falar. E não basta só falar, a gente vai ter que agir. E não é só no Carnaval. Não são leis que valem para o Carnaval, são atos e atitudes que tem que valer para a vida toda.
MC: O Carnaval já foi perigoso para você?
PO: Quando saia em São Paulo, ou em bloquinhos, sim. Se hoje em dia eu for em um bloco, por exemplo, vou em uma situação um pouco diferente: acompanhada, tenho uma equipe, mas já fui em outras situações, na rua, com os amigos. A sensação é de insegurança. É sempre de insegurança.
Tem uma coisa que senti que é diferente: a condição que a gente tem de saber que o não é não, que se eu quiser estar com alguém, ou se quiser que aquela pessoa bote a mão em mim ou não, a escolha é minha... A condição que a mulher tem de estar consciente dessa situação e dos direitos dela já faz bastante coisa ser modificada. E essa condição eu adquiri um pouco tempo depois. Então, acho que a mulher plena dos direitos dela já é uma condição para que a gente se sinta, pelo menos, em um meio mais entre amigos, mais segura.
E são coisas diferentes. A liberdade que a gente tem de andar por aí e se sentir segura é uma, agora essa sensação de segurança de saber que podemos dizer não e que a gente não vai estar errada é outra. Então, os caminhos são pequenos e um deles parte de nós, da nossa consciência.
MC: O samba-enredo da Grande Rio deste ano faz referência à figura da onça, que é extremamente emblemática para o Brasil. Qual seria o seu espírito animal, com o qual você se identifica, e por quê?
PO: Acho que sou uma onça. Sou muito apaixonada pelos felinos, mas eles são meio dóceis, meio perigosos, tem um ar de mistério. Gosto dessa condição de ser mãe, mamífero, agregador e ao mesmo tempo de correr e atacar se precisar. Eu gosto como mulher, me sinto assim também.
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