PatrÃcia França recorda inÃcio na TV e celebra carreira: "Passei por situações que doeram"
10/08/2024 10h17Fonte Revista Quem
Imagem: Priscila NicheliPatrícia França
Patrícia França, 52 anos de idade, está de volta aos cinemas com o filme Princesa Adormecida, que chega às salas no dia 15 de agosto. Com celebrada carreira na TV -- com destaque para o papel de Maria Santa na primeira versão de Renascer (Globo, 1993) --, a atriz pernambucana recordou suas conquistas profissionais. "Maria Santa foi um oásis para mim. Guardo a personagem com muito carinho", diz.
Em duas horas de bate-papo com Quem, Patrícia recordou que tinha 8 anos quando conquistou sua primeira oportunidade, em uma adaptação escolar do clássico Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freire. "Como eu estava com o cabelo bem curtinho, fiz o papel de Gilberto Freire, quando menino. Na peça, eu não falava nada, mas foi minha primeira participação", recorda.
Ainda adolescente e morando no subúrbio da cidade de Recife, Patrícia conquistou oportunidades em comerciais regionais e teve o apoio da mãe, desde que não deixasse os estudos. Aos 16, conseguiu comprar o primeiro carro da família -- "um Fusca amarelo, meio sem freio" -- e, aos 17, a primeira oportunidade na TV: a personagem-título da minissérie Tereza Batista (Globo, 1992), baseada na obra de Jorge Amado (1912-2001). "Havia a expectativa do mulherão que eu não era. Havia a expectativa do sex symbol que eu nunca fui, nem nunca quis ser."
A mudança para o Rio de Janeiro não a poupou de discriminações. "O meu sotaque foi rechaçado em muitos momentos. Vivi o preconceito que o nordestino sofre -- mesmo chegando ao Rio como estrela. Passei por situações que doeram. Enquanto eu estava no lugar de papéis nordestinos -- como Maria Santa ou Tereza Batista --, estava tudo bem. Quando parti para novos voos, o bicho pegou, mas me mantive de cabeça erguida. Não vou citar nomes, mas já tive diretores falando: Volta, refaz (a cena)! Veio o sotaque. Hoje, felizmente, é bonito falar com sotaque, mas sou de uma época em que não era", diz.
Com novelas, filmes, séries e espetáculos teatrais no currículo, Patrícia reconhece que altos e baixos fazem parte da profissão. "Não há fórmula para sucesso", afirma ela, que é mãe de dois filhos, Fernanda e Gabriel, e está solteira. Ao falar sobre maternidade e vida amorosa, a atriz afirma: "Verdade é fundamental para qualquer relação".
Quem: Você está na memória afetiva de muitos noveleiros. Com o remake de Renascer, muita gente lembrou da sua interpretação como Maria Santa. Quais suas lembranças do seu início na TV?
Patrícia França: Tenho escutado isso e é muito bom saber que faço parte da memória e da história das telenovelas. Quando cheguei em Renascer, eu já era conhecida pelo trabalho em Tereza Batista, uma minissérie de grande repercussão e baseada em uma obra do Jorge Amado. Fazer uma trama de Jorge Amado é um carinho na alma. Antes de fazer Tereza Batista na TV, eu já era uma atriz conhecida na minha terra.
Sua trajetória começou ainda menina, não?
Sou pernambucana e morava no subúrbio de Recife. Fiz muita publicidade e os comerciais eram veiculados por todo o Nordeste. O Nordeste já me conhecia quando estreei na TV. Comecei muito cedo, aos 8 anos, fazendo teatro na escola. Tive uma professora de teatro que fez parte de movimentos teatrais importantíssimos em Recife. Lembro que Dona Ilza, a professora, só dava aulas para alunos a partir do ginásio, mas quando tinha 8 anos consegui uma brecha para conversar com ela ao entrar em um ensaio. Pedi uma oportunidade, mas só tinha 8 anos. Passado um tempo, surgiu uma vaga para participar de Casa-Grande & Senzala. Como estava com o cabelo bem curtinho, fiz o papel de Gilberto Freire, quando menino. Na peça, eu não falava nada, mas foi minha primeira participação.
O teatro era conciliado com o colégio desde novinha?
Sempre queria estar com boas notas, ser elogiada pelos professores. Era vaidosa, nesse sentido. Era uma aluna aplicada e a professora da 4ª série chegou a dizer que o teatro estava me atrapalhando. Fiquei tão chateada, mas fui chamada para uma nova peça do colégio, escalada para substituir às pressas a protagonista. Dali em diante, a Dona Ilza foi me encaminhando. Sou atriz por conta dela. Ela via a minha vontade de atuar. Minhas brincadeiras eram todas atuando, no prédio, na sala de aula... Consegui algumas oportunidades no teatro e uma profissional da TV Globo me descobriu enquanto fazia a seleção para a minissérie Tereza Batista.
Passou por testes para Tereza Batista?
Fiz o teste em Recife. Ralei muito para estar na hora certa e o lugar certo quando surgiu a oportunidade. Não foi uma questão de sorte, foi uma questão de trabalho. Era muito novinha e abri mão de muita coisa que as garotas da minha idade faziam para estar ali. Em vez de estar numa festa ou namorando, eu estava fazendo teatro. Sempre levei muito a sério. Quando não conseguia um papel, eu montava uma peça, dava um jeito de me sustentar. Ajudo em casa desde muito cedo. Dizia para minha mãe não comprar roupas para mim e, sim, para minhas irmãs. Vim de origem muito humilde e, graças ao trabalho da minha mãe, tínhamos uma vida de classe média, morávamos em um bom apartamento. A professora descolava umas festas para eu e meus amigos trabalhar como animadores. Trabalhei e ralei muito antes do teste para uma minissérie da Globo. Fui aprovada pelo Boni [vice-presidente de Operações da TV Globo 1980 e 1997]. Ele viu várias fitas levadas pelo diretor e me aprovou para fazer Tereza Batista.
Você citou sua mãe. A família sempre te apoiou?
Ah, sempre. Quando chegava em casa tarde, bem tardão, encontrava minha mãe no portão. Não era uma mãe que acompanhava para cima e para baixo. A única condição que ela impunha era manter as notas boas no colégio.
Ela não tinha o perfil mãe de miss, daquelas que acompanham para todos os cantos?
Não, de jeito nenhum. Ela trabalhava, nem conseguiria. Eu tinha 14 ou 15 anos quando fiz meu primeiro comercial. Dali, fui chamada para um segundo. Uma campanha foi chamando a outra. Eram comerciais locais. Teve uma época em que fiquei com cinco comerciais ao mesmo tempo, um deles era o de um supermercado. O dono avaliou que minha imagem, em mais comerciais, iria se chocar com a empresa dele, então sugeri: Por que você não me contrata?. E ele me contratou. Tive um contrato de exclusividade.
E dava para ter uma boa fonte de renda?
Eu comprei um carro na época, aos 16 anos. Era um Fusca amarelo, meio sem freio (risos).
E como foi a mudança para o Rio de Janeiro?
Quando cheguei ao Rio, tinha uma cobrança muito grande. Eu achava que era madura, mas não era. Tinha apenas 17 anos e cheguei fazendo Tereza Batista. Acho que essa é a personagem mais multifacetada do Jorge Amado e a menos explorada na dramaturgia. Tive que enfrentar o peso da personagem e, quando acabou, tive que enfrentar o peso de como seria continuar no Rio de Janeiro, meus rumos de carreira.
E veio uma sequência de bons personagens.
Fiz Renascer. Maria Santa foi um oásis para mim. Eu me questionava será que vou conseguir fazer essa menina?. Eu tinha uns 18 ou 19 anos. Eu me questionava se iria conseguir. Ficava na dúvida se ainda tinha o frescor que a personagem precisava. Ao interpretá-la, vi que, sim, tinha esse frescor. Por isso, guardo a personagem com tanto carinho. A certa altura, consegui emprestar certo humor a ela. Era um humor sutil dentro de tanta inocência que a personagem tinha.
Renascer mostrou sua versatilidade, já que tinha um outro perfil de personagem Tereza Batista?
Em Tereza Batista, havia a expectativa do mulherão que eu não era. Havia a expectativa do sex symbol que eu nunca fui, nem nunca quis ser. A Maria Santa passava pela questão do abuso dentro da própria casa. Naquela versão, em 1993, ficou de maneira subliminar. Desta vez, ficou mais claro para o telespectador. Na original, a história que ficou foi o conto de fadas, do príncipe que chega a cavalo e ama aquela mulher até o fim da vida. Naquela época, as pessoas se identificavam muito o ver histórias de amor na TV. Por isso, acho que a Maria Santa foi uma personagem que marcou muito.
Você ficou com vontade de participar da versão atual de Renascer?
Eu festejei a atual versão de Renascer. Fiquei feliz com a escolha desta trama para ganhar uma nova versão. Assisti a alguns capítulos, confesso que não estou acompanhando tudo. Se a emissora decidiu fazer um remake, é porque a novela está entre as grandes da teledramaturgia brasileira e fiz parte disso.
Além de uma carreira pontuada por sucessos, você se realizou com a maternidade e tem dois jovens. Nenhum buscou a carreira artística?
Nenhum deles enveredou para atuar. Minha filha se forma este ano em Direito de UFRJ. Meu filho ama futebol, se ele não trabalhar com o esporte propriamente dito, imagino que ele vá ser jornalista esportivo, comentarista...
Como é a relação entre vocês?
Como mãe, sou muito responsável. Moro com meus dois filhos e meus dois cachorrinhos, que são chihuahua. Nunca deixei meus filhos para ir à balada, mas também nunca deixei de trabalhar. Quando o filho vê uma mãe producente, a mãe acaba sendo um exemplo. Sempre conciliei a maternidade com o trabalho. Em algumas fases, na infância deles, eu ia trabalhar e eles ficavam com a babá. Não tenho culpa com isso porque conseguia equalizar. Tempo com filho é tempo de qualidade. Sou e sempre procurei ser uma mãe presente. Quero vínculo real e forte com eles. Uma relação familiar forte e equilibrada traz benefícios para a vida humana. Acredito que boa relação com os pais ajudam que sejam adultos felizes. Não há relação mais importante que a minha relação com meus filhos. Amor de mãe é incondicional.
E você está solteira?
Sim, estou solteira. Achar um homem que queira dividir a felicidade comigo é difícil. As pessoas entram em relacionamentos para serem felizes. Temos que entrar em relacionamentos para também fazer os outros felizes. Entro em um relacionamento esperando que transborde de alegria e que o outro me diga a verdade. Verdade é fundamental para qualquer relação.
A vida e o meio artístico têm altos e baixos. Como você lida eles?
Não há fórmula para o sucesso. A gente não pode fazer um trabalho pensando no sucesso, a gente tem que focar no presente, saber que estamos entregando nosso corpo ao personagem.
Nem sempre há a garantia do sucesso. Por exemplo, você chegou a ser capa de CD de Suave Veneno (1999), mas a novela teve baixa repercussão.
Suave Veneno tinha uma história incrível, escrita pelo grande Aguinaldo Silva, com um elenco primoroso e não rolou. Penso que o importante não é o resultado final, mas sim o trajeto. Quando recebo o convite de uma personagem, fico muito atenta ao que sinto quando faço a primeira leitura do texto.
Consegue ter essa percepção na primeira leitura?
Tenho que me sentir movida por uma paixão, nem sempre dá para ser assim. Quando fiz Diana, de Prova de Amor, na Record, estava naquele dilema de carreira. Faço ou não faço? Quando li o texto escrito por Tiago Santiago, meu coração disparou. Saí de um papel de época -- a Rosa, em A Escrava Isaura -- para uma policial, em Prova de Amor. Era tipo uma heroína de filme de ação, algo que sempre quis fazer. Quando era abordada na rua, me chamavam de delegada. Até então, as pessoas me abordavam falando que eu era tão fofinha...
Mas você já tinha uma trajetória recheada de personagens diferentes. Nunca ficou presa ao posto de mocinha.
Verdade. Em A Padroeira senti um frenesi ao ler o texto pela primeira vez. Na reunião de elenco, cheguei falando espanhol para viver a Blanca, o grande (diretor) Walther Avancini adorou. Falou: Vai que eu seguro sua onda. Ele era um gênio. Amei fazer a Blanca. O Avancini faleceu no meio da novela e a trama tomou outros rumos, mas amei fazer a Blanca, eu me diverti muito. Amo fazer novelas de época, tem um processo de composição muito legal. Na carreira, não dá para ficar mirando no sucesso porque ele é incerto e não há fórmula.
Nota que o mercado mudou muito?
Sou do tempo em que as pessoas vinham nos abordar nas ruas pelo trabalho, pela cena. Em Sonho Meu havia uma cena muito esperada, que era o reencontro de mãe e filha. Hoje não é mais assim, mudou muito. Estamos em um país que supervaloriza a juventude. Acho bom que a supervalorização da beleza seja questionada. É preciso que se valorize o talento.
E como enxerga a representatividade nos dias de hoje?
Vou me colocar como telespectadora nessa resposta: é fundamental dar visibilidade a minorias. Porém, como telespectadora, também quero ver atores em cena que me despertem interesse, quero ver atores bacanas e geniais. É muito importante que a novela ambientada no Nordeste tenha atores nordestinos. Ao mesmo tempo, entendo que é preciso ter em cena bons atores. É preciso não apenas representatividade, mas também competência. Competência e representatividade têm que andar lado a lado.
E como gosta de ser vista?
Quero ser vista como uma atriz que pode fazer o papel da branca, da negra, da índia. Tenho esse tipo físico que permite que eu possa ser tudo. Fiz fiz a baiana, fiz a espanhola, até uma princesa norueguesa. Fiz uma princesa de Shakespeare e a Bárbara Heliodora, nossa saudosa e temida crítica teatral, colocou em uma crítica Patrícia entendeu Shakespeare. Guardo essa crítica com o maior carinho. Em nenhum momento, ela questionou meu sotaque nordestino para fazer Shakespeare.
Não precisa ficar em presa em caixinhas, certo?
Sempre busquei esse lugar da atriz que pode e quer fazer tudo, qualquer personagem.
Já passou por algum episódio de preconceito?
Sou nordestina e vivi o preconceito quando cheguei ao Rio. O meu sotaque foi rechaçado em muitos momentos. Meu sotaque era zombado. Vivi o preconceito que o nordestino sofre, mesmo chegando ao Rio como estrela. Passei por situações que doeram. Enquanto eu estava no lugar de papéis nordestinos -- como Maria Santa ou Tereza Batista -- estava tudo bem. Quando parti para novos voos, o bicho pegou, mas me mantive de cabeça erguida. Não vou citar nomes, mas já tive diretores falando: Volta, refaz (a cena)! Veio o sotaque. Hoje, felizmente, é bonito falar com sotaque, mas sou de uma época em que não era.
E atualmente quais seus planos? É verdade que vem Chiquinha Gonzaga por aí?
Está em fase de captação e, se tudo der certo, o espetáculo acontecerá em 2025. Meu papel não será o da Chiquinha. Vou fazer uma personagem que canta o repertório de Chiquinha e de outras compositoras. O projeto será lindíssimo, mas está em fase de captação de recursos. Também vou estar no elenco de Princesa Adormecida, um filme infantojuvenil, baseado em um livro da Paula Pimenta, que chega em breve aos cinemas.
Sente saudade da televisão? Gostaria de voltar?
Até o momento, não tenho nenhum projeto, mas é claro que gostaria de fazer. Meu último trabalho na Globo foi Malhação - Sonhos, uma temporada muito boa e gostosa de fazer. Na pandemia, também participei de Gênesis, na Record.
O público fica ansioso para esse retorno?
Sempre fui cobrada. As pessoas chegam perguntando por que você não faz mais televisão?, porém não depende só de mim. Na verdade, já fui convidada para fazer outra novela na Record depois de Gênesis, mas não pude.
Imagino que você escute muito que o tempo não passou para você, que pouco mudou. Tem cuidados regulares com o físico?
Realmente, escuto. No salão de beleza, escutei de uma senhora que eu estava com a mesma carinha. Fiquei lisonjeada, claro, mas respondi: Estou não.
Sente-se em paz com o corpo?
Quando me olho no espelho e vejo que não estou com o mesmo rosto de 10 anos atrás, de 20 anos atrás, eu penso: Que bom! Estou viva, estou bem e cheguei bem até aqui. Para ser bonita, você não tem que ser jovem. Estou bem com a minha idade. Isso não quer dizer que, eventualmente, eu não possa lançar mão de uma intervenção. Quando você amadurece, tem que entender que não vai ter o mesmo rosto dos 20, 30 anos. As pessoas precisam entender que não precisam ter o rosto jovem para ser bonitas. Se eu faço uma intervenção, tenho que fazer e continuar sendo a mulher de 52 anos que eu sou. Simples assim. Não acho que envelhecer é fácil. Se eu dissesse isso, estaria mentindo.
A chegada aos 50 foi temida de alguma forma?
Administro a minha vaidade. Minha preocupação é com o envelhecer. Quero envelhecer bem, com saúde. Se eu disser que envelhecer não me preocupa, estaria mentindo. A minha vaidade é administrada. E quando falo em vaidade me refiro a diversos aspectos -- meu físico, meu ego, a relação com meu semelhante. A humildade é um bom caminho para a gente viver. Eu me cuido, não quero me acomodar. Quando vou malhar, é para o meu bem-estar. Quando você administra mal essa vaidade, temos como resultado mulheres de 50 anos querendo parecer 30.
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