Por que Chico Buarque exerce tanto fascínio sobre as mulheres? Elas respondem

18/06/2024 13h30


Fonte O Globo

Nem Maria Bethânia consegue fingir normalidade diante de Chico Buarque. A cantora que, certa vez, afirmou ser "capotada" por ele e sentir um "ciúmes como se fosse meu namorado", confessou que treme na base quando ele está plateia de seus shows.

Quando Chico apareceu na temporada intimista de "Claros breus", que a baiana fez no Manouche (casa de shows na Zona Sul carioca) em 2019, ela não se aguentou: Mandou um "Buaaarque!" no final do verso da música "Taça" (de Chico César), que diz: "Molhando na chuva chamando o meu nome...". O compositor respondeu com um sonoro "Maria!" ao surgir no camarim para cumprimentá-la após o show. É assim que os dois se tratam: Buarque e Maria.
Imagem: DivulgaçãoMulheres de Chico: o compositor com a camisa do primeiro bloco em sua homenagem.(Imagem:Divulgação)Mulheres de Chico: o compositor com a camisa do primeiro bloco em sua homenagem.

Tatuagem e encontro em restaurante

A produtora Mila Chaseliov, de 42 anos, tatuou "brincando gostando de ser", frase da composição "As vitrines", no braço esquerdo. Graças a uma das filhas do artista, ela conseguiu que ele escrevesse o trecho com sua própria letra num pedaço de papel, o que ela reproduziu na pele. A obsessão de Mila começou ainda criança, mas foi aos 18 anos que ela tratou de realizar seu maior sonho: o de conhecer Chico pessoalmente. Após ser barrada no camarim de uma apresentação, Mila foi atrás dele um restaurante caro. Sorte que uma amiga estava com o cartão de crédito do pai para pagar a conta. Na última temporada carioca de um show de Chico, Mila foi a 11 noites.

Muito além dos olhos azuis

O primeiro bloco totalmente feminino do país é o... Mulheres de Chico. Quando perguntam às integrantes se elas não enjoam de cantar o repertório buarqueano há 18 anos, a resposta é: "Impossível! Não tem como". O compositor quase matou a mulherada do coração ao vestir a camisa da agremiação e enviar uma foto (na abertura da matéria).

Afinal, por que Chico Buarque exerce tanto fascínio sobre as mulheres? A resposta, segundo elas, vai muito além daqueles olhos azuis e do jeitinho tímido.

— Ele é lindo? É lindo. Claro que tem a aparência, mas acho que é o conjunto. Não é só a beleza. Ele é genial, brilhante em tudo que faz seja nos livros, nas músicas, nas letras da canções, Chico não para de surpreender. O fascínio começa pela coisa intelectual — explica Mila.

A capacidade de traduzir sentimentos que nos invadem sem que consigamos colocar em palavras é outro aspecto apontado por Mila que, na adolescência, tinha rabiscada na parede de seu quarto a frase: "Chico Buarque é meu pastor e nada me faltará".

— Aquilo toca dentro de você de uma forma que não achava que alguém pudesse entender as coisas que está passando. Vários corações partidos e também romances que deram certo têm uma trilha do Chico na minha vida. Os parceiros vão, mas o Chico fica. Chico é meu, acima de tudo isso — afirma.

Fundadora, produtora e cuiqueira do Mulheres de Chico, Vivian Freitas, de 48 anos, destaca a tal da empatia, ou seja, a capacidade que o compositor tem de se colocar no lugar do outro (da outra, do outre...).

— Ela faz isso com vários gêneros e minorias. Sofre como quem está do outro lado, como em "Geni", sobre uma mulher trans. Se coloca no lugar das mulheres e defende as questões femininas. Tem uma sensibilidade gigante.

Para Vivian, o encantamento por Chico vai mesmo muito além da beleza.

— É a sensibilidade, a beleza da poesia. Há ainda o posicionamento político. Sempre foi um cara coerente, que se posiciona e está no lugar certo, defendendo causas importantes. Chico nunca erra.

Para algumas, ele errou, sim, e rude quando meteu o verso "largo mulher e filhos" na música "Tua cantiga", em 2017. É o caso de Mãeana, artista que traz "mãe" no nome e pariu dois filhos: Dom e Sereno, frutos do casamento com o músico Bem Gil.

— Foi muito impactante para mim. Eu estava no puerpério e, quando ouvi Chico cantando "largo mulher e filhos" em pleno 2017, brochei na alma a ponto de chorar, ficar deprimida. Imagina, um cara que já teve como eu lírico uma mulher trans apedrejada ("Geni")... — questiona ela, que classifica o deslize como "erro mortal, desatento, fraco".

A reflexão permanece, segundo Mãeana, mas a cantora segue amando de paixão o compositor, de quem acaba de lançar versão "Retrato em branco e preto", parceria clássica de Tom Jobim com Chico.

— Brinco que ele só abandonou os filhos para rimar com joelhos (risos). Porque, antes de mais nada, Chico é um geminiano safado, muito do bom e muito poeta com um privilégio do cão que é ter as melodias do Tom Jobim dadas de mão beijada desde muito novo. Não sei se ele está tão preocupado com a poesia, está é ocupado com a genialidade das rimas que faz, com o encontro das palavras que ele promove de modo tão fascinante.

Fascínio, como se vê, é a palavra-chave da pergunta que baseia esta reportagem. Mãeana arrisca uma resposta que pode ajudar a explicar a devoção da mulherada por Chico:

— Além do eu lírico feminino, Chico é um contador de histórias. Acho que o fascínio que ele exerce sobre as mulheres é esse. Nós, talvez, tenhamos mais necessidade de ouvir histórias. A gente fica ouvindo e sonhando. Meu pai sempre falava isso, que o homem você conquista pela imagem, ele gosta do que vê. Já a mulher, é pelo ouvido, pelo que ela escuta. E olha o que Chico diz: "Agora eu era herói/ e meu cavalo só falava inglês ("João e Maria"), "Um dia ele chegou tão diferente/ do seu jeito de sempre chegar ("Valsinha"). Sou muito fã.

Outra fã de carteirinha é a cantora Teresa Cristina. Para ela, Chico "exerceu, exerce e vai continuar exercendo" esse deslumbramento nas mulheres por uma série de razões, que ela lista: genialidade, bom humor, sarcasmo, ironia, pela maneira com que faz o jogo de palavras nas canções que cria e pela timidez.

— O olhar que ele tem sobre as mulheres é o de um homem que observa a mulher com muito detalhe, o olhar do tímido, delicado é especial porque é o de uma pessoa acostumada a observar e não falar tanto de si — analisa Teresa. — Quando ele se coloca no lugar da mulher, já a observou durante muito tempo. Muitas vezes, Chico fala de sensações e sentimentos femininos que a gente tem vergonha de colocar pra fora. E do jeitinho bem buarqueano, coloca na canção de uma forma em que a gente fala: "Nossa, como esse cara descobriu?".

Assim como Vivian, Teresa também joga luz sobre o lado cidadão de Chico:

— Ele fez parte das fantasias de muitas mulheres. Foi, talvez, o homem que muitas brasileiras sonharam em ter, mesmo sabendo que não era possível, que era um sonho inalcançável. Tudo isso somado à personalidade de um brasileiro incrível, l00% coerente com tudo politicamente falando. Toda vez que o Brasil precisa do Chico ele está lá, não decepciona nunca. Poderia ficar 24 horas falando das qualidades do Chico, porque ele, sim, é fascinante.

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