"Venho tentado me desconstruir sobre um monte de coisas", diz Nego do Borel

04/07/2020 12h05


Fonte GQ

Imagem: Washington PossatoNego do Borel(Imagem:Washington Possato)Nego do Borel

Seja qual for a sua opinião sobre ele, um fato é indiscutível: Nego do Borel é um dos nomes mais importantes da música popular brasileira nesta década. Emprestando a voz para Me Solta, Esqueci Como Namora, Não me Deixe Sozinho, Você Partiu Meu Coração, o músico levou o nome da favela do Borel, no Rio de Janeiro para o mundo com um tino impressionante para hits. Como artista, ninguém questionaria os seus feitos, caso uma enxurrada de polêmicas não envolvessem o noticário envolvendo o seu nome.

Nos últimos tempos, a vida pessoal de Nego do Borel foi tema de manchetes sobre os mais diferentes temas. Possíveis problemas financeiros, cancelamento por comentários homofóbicos, acusação de agressão contra a namorada feita pelos pais de Duda Reis de um lado. Projetos sociais, carisma, músicas de sucesso e declarações de amor do outro. Tentando entender todos os lados da carreira e da vida do funkeiro, batemos um papo com ele. A íntegra da conversa pode ser vista abaixo:

GQ: Nego, você tem acompanhado os protestos do Black Lives Matter pelo mundo? O que esse momento tem significado para você?

Acho uma coisa muito necessária e importante. Como minha parte, venho buscando estudar e aprender cada vez mais sobre a história do meu povo, para saber melhor o que posso realmente fazer para ajudar. Temos que parar de ver casos como o de George Floyd, ou do menino João Pedro, aqui no Brasil, como só mais uns casos. É mais um caso no meio de muitos. Eles acontecem todos os dias com nós, pessoas pretas, e não são vistos pela sociedade. Me sinto aliviado por ver meus irmãos de cor finalmente reagindo. Nós temos feridas que carregamos por muitos anos sozinhos, precisamos cada vez mais levantar nossa voz. Também fico feliz em ver outras pessoas somando ao nosso movimento, ao mesmo tempo que fico muito preocupado sobre o tempo que isso vai durar... Torço para não ser só uma semana, duas, um mês, ou só um movimento da internet. Ajudar na nossa luta, não quer dizer que as pessoas tenham que se tornar militantes, mas se puderem pelo menos continuar dando voz às nossas dores, talvez a gente tenha uma chance a mais de conseguir mudar um pouco que seja nessa história. Eu não sei se isso seria possível hoje já. Temos algumas feridas na nossa história e na nossa cultura que ainda precisam de um certo tempo para serem entendidas, e transformadas. Mas tenho muita esperança de que isso seja uma realidade num futuro em que os meus filhos vão viver. Eu ficaria muito feliz em ver eles vivendo um mundo tendo o privilégio de saber que nenhuma dificuldade que vão passar na vida tenham a ver com a cor da sua pele.

GQ: Você pensa em participar de alguma manifestação de rua?

Estamos impedidos de ir às ruas, hoje, por conta da pandemia. Acho que, acima de tudo, temos que ser cuidadosos quanto ao momento e toda a tristeza que está causando. Eu, por exemplo, já cheguei a perder um tio para o novo coronavírus. Mas nós temos a internet a nosso favor. Podemos e devemos fazer barulho por aqui. Fazer nossa voz ser ouvida. Na minha opinião, a internet é uma ferramenta muito poderosa.

GQ: Esse ano você tem divulgado muitas ações sociais em sua conta no Instagram. Você acredita que ajudar as pessoas, principalmente as do Morro do Borel, é sua responsabilidade como artista?

Sem dúvida. Eu sinto como uma certa responsabilidade minha, sim. Sempre peço muito para o papai do céu para eu nunca esquecer as minha origens. Acho isso importante. Eu gosto muito da minha casa e de muitos outros lugares, mas quando estou na minha comunidade tem uma coisa diferente... Eu me sinto muito bem. Muito à vontade, acolhido... E tudo o que faço sempre por eles é porque conheço bem de perto as dificuldades que eles passam. A fome é grande e eu conheço. Eu tento através da minha arte, do dom que Deus me deu, inspirar outras pessoas que moram em comunidades, que passam por tantos problemas, que os sonhos delas podem ser possíveis. Mesmo que não seja a música, ou uma carreira artística, como sempre foi o meu. Sempre que posso vou lá e tento ajudar o máximo possível o pessoal de lá. Mas a rotina de trabalho acaba não me permitindo ir tanto quanto gostaria. Eu tento sempre fazer um pouquinho que seja para ajudar, porque eu conheço na pele todas as dificuldades que a maioria do pessoal de lá passa. Se papai do céu me abençoou, eu tenho que passar essa benção em frente. Com cada um fazendo um pouquinho, a gente já forma uma grande corrente do bem e todo mundo é abençoado também.

GQ: Você também se manifestado bastante sobre religião nas redes sociais. Como isso afeta as suas músicas? Podemos esperar menos letras sobre sexo no futuro?

Além da religião, eu também venho tentando me desconstruir sobre um monte de outras coisas. Isso acaba passando pela minha música, também. É meio que inevitável. Tenho revisto algumas letras e tentando ter um pouco mais de sensibilidade em relação a isso. Eu estou aproveitando esse período para preparar muitas novidades. Estou ficando direto no estúdio, preparando muita música para lançar após a quarentena. Além disso, vem um trabalho grande na TV, que fui convidado para fazer. Então tem muita coisa boa vindo aí, e eu estou muito feliz por isso.

GQ: Nego, o seu nome é sempre envolvido em polêmicas. A última foi em relação ao anel que você deu de presente para a Duda. Alguns sites disseram que você teria tentado fazer o pagamento por permuta. O que aconteceu, afinal? É verdade que você está passando por problemas financeiros?

No Brasil e no mundo, é difícil encontrar uma pessoa que não foi afetada financeiramente por conta da crise provocada pelo novo coronavírus. Claro que são barcos diferentes, uns estão sentindo mais e outros menos, mas todos estão sentindo. Nós, da classe artística, fomos os primeiros a ser afetados, com shows, gravações, espetáculos cancelados. E arrisco dizer que a gente talvez seja o último setor a voltar. Então eu posso dizer que estou, sim, passando por problemas financeiros. Não com essa proporção que a mídia está divulgando, mas essa é uma realidade de todos no momento. Eu até gostaria que as alianças tivessem sido dadas mesmo. Não vejo problema algum. Principalmente uma jóia tão linda e importante como as alianças, que simbolizam o amor pela mulher da minha vida. Recebemos muitos presentes e fazemos muita publicidade em nosso Instagram o tempo todo. Mas em momento algum sugeri isso ou conversamos nesse sentido. Apesar de achar que, com toda a divulgação que acabou sendo feita, eu mereceria pelo menos um desconto (risos).

GQ: Você e os seus sogros estão novamente em pé de guerra nas redes sociais. O que você pretende fazer para resolver essa situação? Você nega todas as acusações de agressão contra Duda Reis que eles te fazem?

Eu fico muito triste com toda essa situação. Eu jamais seria capaz de agredir a Duda, ou outra mulher. A própria Duda já falou publicamente sobre isso nas redes sociais, desmentindo essas acusações. Eu fui criado por mulheres. Duas, minha avó e minha mãe. Mulheres incríveis me ensinaram o certo, o errado, e o respeito às mulheres. Eu fico muito triste com isso. Até por serem os pais da Duda, então eu tento me colocar bastante discreto quanto a isso para não expor alguma coisa. Mas já venho passando tudo para o meu advogado e ele já está tomando as atitudes necessárias.

GQ: Duda Reis tem te defendido, te apoiado e demonstrado felicidade em estar ao seu lado. Como você definiria a importância dela em sua vida?

A Duda é muito importante na minha vida. Eu me sinto muito mais completo com ela ao meu lado. Nós estamos numa fase bem madura do relacionamento. E nós dois sempre apoiamos muito um ao outro, agora mais ainda. Sempre fomos muitos felizes e agora que estamos alinhados com Deus e buscando sempre ser melhor um pro outro, tudo flui muito melhor. Casal blindado é casal de joelho, né?

GQ: Me Solta, Esqueci Como Namora, Não me Deixe Sozinho... Você é a voz por trás de alguns dos maiores hits da música brasileira na última década. Você se sente reconhecido na profissão?

Eu costumo dizer que sou um cara muito feliz por tudo que aconteceu na minha vida, por todas as oportunidades que eu tive. E sim, eu me sinto reconhecido. Me sinto honrado e grato por todas as vezes que consegui levar felicidade para as pessoas através da música. Acho que isso é uma das coisas mais gratificantes mesmo da minha profissão.

GQ: Você costuma brincar bastante sobre o fato de ter sido "cancelado". Dentro todas as polêmicas que você envolveu, alguma(s) crítica(s) da internet te fez refletir e melhorar como pessoa? Qual ou quais foram injustas, em sua visão?

A gente sempre está em constante mudança, e isso vale para todo mundo. Aprendi a me colocar um pouco mais no lugar do outro. Todo mundo carrega uma história, para o bem ou para o mal, e não cabe a gente julgar. Ninguém sabe os caminhos que passamos, nem os espinhos que enfrentamos até se tornar o que somos. Praticar o respeito e oferecer mais amor ao próximo é muito importante. Acho que a internet hoje é uma ferramenta muito importante de comunicação e tem dado cada vez mais voz às causas e bandeiras. Tem ensinado muito a gente em relação a tudo. Estamos todos num processo de desconstrução, o que é ótimo mesmo, e sinto que na maioria das vezes as pessoas precisam de um pouco mais de tempo para poder aprender a fazer essa desconstrução. É importante esse tempo, porque é um aprendizado realmente. E a cultura do cancelamento vai justamente contra esse tempo. O que noto é que algumas pessoas são muito intolerantes e não permitem uma segunda chance. As pessoas estão em constante evolução e é importante que mostrem os nossos erros - Assim como é importante ensinar como essa pessoa que errou pode concertar isso e fazer ela de fato compreender aquela causa. Eu tenho buscado aprender um pouco mais todos os dias.

GQ: E, depois de tantos altos e baixos no mundo artístico, você acredita que criou muitos amigos no mundo artístico? Quem são eles?

Acredito, sim. A gente sempre sente quando é verdadeiro, e sou muito grato por ter pessoas que eu sei que posso contar, como os meus manos Renato Aragão, Mumuzinho, Neymar, Anitta, Ludmilla, Gabigol, entre outros. 

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Tópicos: pessoas, momento, nego