Adriana Calcanhotto faz tudo soar novo de novo em show de voz e violão no Rio de Janeiro

21/08/2021 11h23


Fonte G1

Imagem: Mauro FerreiraAdriana Calcanhotto(Imagem:Mauro Ferreira)Adriana Calcanhotto

“Parece tudo novo”, admitiu Adriana Calcanhotto, em mix de encantamento e espanto, para o público que assistiu na noite de sexta-feira, 20 de agosto de 2021, à estreia mundial da turnê de voz e violão com a qual a artista planeja percorrer os Estados Unidos, a Europa e o Brasil ao longo de 2022.

Sentada no banquinho que a acomodava no centro do palco do Teatro Claro Rio, a sós com o próprio violão, a artista expressou a sensação de novidade ao rever coxia, holofotes e – sobretudo – a plateia, presencialmente ausente das apresentações virtuais feitas pela cantora ao longo de 2020.

Afinada com essa sensação compartilhada pelo público, pelo crítico e pela equipe técnica que pôs de pé o inédito show, Calcanhotto fez tudo soar novo de novo, como se fosse a primeira vez.

“Jamais esquecerei essa noite”, enfatizou a cantora, ao fim do show, já no meio do farto bis, dado com canções autorais incontornáveis nos roteiros dos shows da artista, casos de Mentiras (1992), Metade (1994 e Vambora (1998).

A fala escapou da retórica típica dos jogos de cena e sedução do público. Em meio a um momento pandêmico ainda cheio de incertezas, foi realmente especial se deparar no palco com artista que, munida somente da voz (em boa forma) e do violão autossuficiente, conseguiu expressar os sentimentos do mundo ao desfiar rosário de canções que constituem, desde 1990, obra de assinatura pessoal e intransferível.

Até nessa habilidade Calcanhotto se confirma herdeira pós-tropicalista de Caetano Veloso e, talvez não por acaso, abriu o show com canção do compositor, O nome da cidade (1984), reproduzindo a introdução do show Olhos de onda (2013).

A propósito, por ambos os shows serem recitais de voz e violão, houve inevitáveis interseções no roteiro. Back to black (Amy Winehouse e Mark Ronson, 2006), Três (Marina Lima e Antonio Cícero, 2006), Seu pensamento (Adriana Calcanhotto e Dé Palmeira, 2008), Inverno (Adriana Calcanhotto e Antonio Cícero, 1994), Esquadros (1992), Devolva-me (Lilian Knapp e Renato Barros, 1966), Maresia (Paulo Machado e Antonio Cícero, 1981), Mais perfumado (2011) – samba do qual a cantora improvisou somente um trecho – e Depois de ter você (Cantada) (2001) deram as caras no palco emoldurado por cenário de Mana Bernardes que evocava as ondas sugeridas pelo figurino usado pela cantora no recente espetáculo Margem (2019).

Contudo, o antigo soou como novo porque – cabe enfatizar – ir a um show nesse momento conturbado do mundo ainda é novidade e porque a voz da artista estava renovada como a emoção do público, perfilado ao fim na infalível Cariocas (1994), arrematada com citação do prefixo vocal do samba Ela é carioca (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1963).

Dentro desse contexto especial, a voz de Calcanhotto foi ao infinito, amarrando plateia e cantora em um só sentimento, para usar versos do poeta mineiro.

Por isso pouco importou que a cantora tenha esquecido Senhas (1992), pedindo ajuda ao público no meio da música para se lembrar da letra, e que também tenha esquecido uns versos da canção O que me cabe, composta por Calcanhotto em Portugal, em 2016, e apresentada em disco neste ano de 2021 em single do ainda inédito terceiro álbum da cantora Illy e em posterior versão acústica que juntou Illy com a autora.

Calcanhotto cantou no show somente o pequeno trecho da canção O que me cabe de que se lembrava. Em contrapartida, deu voz a Vidas inteiras (2008) – bela canção composta e gravada por Calcanhotto para a trilha sonora do filme Polaroides urbanas (2008) e lá esquecida, ainda que tenha merecido registro sublime feito pela cantora Célia (1947 – 2017) no álbum O lado oculto das canções (2010) – e destilou Veneno bom (2021).

Música recente, gravada em single editado em 22 de julho, Veneno bom surtiu menor efeito diante do aroma embriagador de A flor encarnada (2020), a real grande novidade na voz de Calcanhotto nesse show de voz e violão em que ficou reiterado que Tive notícias (2020) é a grande canção de amor do álbum Só (2020) que fica para a posteridade.

Mesmo sem atingir a densidade da interpretação de Maria Bethânia, cantora que apresentou A flor encarnada no show Claros breus (2020) e que a lançou em disco no recente álbum Noturno (2021) em registro mais dramático, Calcanhotto fez A flor encarnada desabrochar com toda a comovente desilusão da canção.

A presença soberana de Bethânia também pairou em cena quando Calcanhotto expôs a beleza de Era pra ser (2016) – resignada canção apresentada na voz da intérprete baiana em gravação feita para a trilha sonora da novela A lei do amor (TV Globo, 2016) – e quando Calcanhotto desfolhou Rosa dos ventos (Chico Buarque, 1970).

Rosa dos ventos é herança do roteiro do espetáculo único Um show só (2020), assim como Dois de junho (2020) – música de dilacerante narrativa dylanesca que pede mais a aspereza de uma guitarra dissonante (como no show de 2020) do que o toque do violão do atual recital – e como Tudo igual (2020), canção recente que cresceu em cena, soando com extraordinária fluência pop no fecho do bis desse show em que Adriana Calcanhotto fez tudo parecer novo, de novo, como se fosse a primeira vez.

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Tópicos: show, novidade, calcanhotto