Álbum com que Elza Soares pediu passagem para o samba-soul faz 50 anos com vitalidade
24/01/2022 15h45Fonte G1
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A cabeleira black power exposta com orgulho por Elza Soares (1930 – 2022) na foto de corpo inteiro feita para a capa do LP Elza pede passagem – assinada por Joselito – já indicava a mudança sonora no 11º álbum solo da cantora carioca.
Gravado em duas sessões realizadas em 18 e em 25 de janeiro de 1972 no estúdio da gravadora Odeon na cidade do Rio de Janeiro (RJ), o álbum Elza pede passagem foi lançado em março daquele ano de 1972 com 11 faixas que mantinham a artista no universo do samba com o balanço da voz repleta de bossa negra.
Contudo, já havia o suingue do soul e do funk, entranhado nos arranjos do pianista paulista Salvador da Silva Filho, o Dom Salvador, músico extraordinário – residente em Nova York (EUA) desde 1973 e atualmente com 83 anos – que adicionou soul e funk ao samba-jazz ao dar forma ao som libertário do grupo Abolição.
Dom Salvador fundou o grupo Abolição em 1970, ano em que Elza estava morando e trabalhando na Itália, país onde permaneceu ao longo de 1971. Elza partiu para o exílio para fugir do moralismo hipócrita da sociedade brasileira que a apedrejara – às vezes até literalmente – por ter assumido a paixão por homem casado, Manuel Francisco dos Santos (1933 – 1983), o jogador de futebol Mané Garrincha, grande amor e dor da vida da artista.
O álbum Elza pede passagem foi o disco da retomada da carreira da cantora no Brasil. Já no título do disco – gravado sob a direção musical do maestro Lindolfo Gaya (1921 – 1987) – Elza pedia o caminho livre para mostrar som que abriu alas na discografia da artista sem promover ruptura radical com o estilo da cantora, até então associada primordialmente ao samba, precisamente ao sambalanço.
Atenta aos sinais, Elza Soares percebeu, ao voltar ao Brasil, que muita coisa havia mudado na sociedade e na própria música do país ao longo dos dois anos em que permaneceu na Itália com Garrincha.
Na sociedade, o movimento negro se organizava para combater toda forma de racismo e opressão, bradando mundo afora que black is beautiful, a ponto de, em 1971, essa manifestação de orgulho negro ter ido parar tanto no título de álbum de Jorge Ben (Negro é lindo) quanto na voz de Elis Regina (1945 – 1989), intérprete do soul Black is beautiful (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1971).
Na música brasileira, o soul e o funk à moda brasileira começavam a se impor, impulsionados pelo estouro em 1970 do cantor Tim Maia (1942 – 1998) e do sucesso de Tony Tornado em festival.
O álbum Elza pede passagem se alinhou com as mudanças sociais e musicais e, de quebra, atualizou o repertório de Elza, que deu a voz rouca a músicas de compositores que despontavam em escala nacional no início daqueles anos 1970.
Não por acaso, o lado A do LP abria com samba da então novata dupla baiana Antonio Carlos & Jocafi – Cheguendengo, composição assinada pela dupla com Renato Luiz Lobo – e o lado B fechava com Mais do que eu, música do então debutante compositor carioca João Nogueira (1941 – 2000).
Entre uma faixa e outra, Elza dá show de suingue com a voz tinindo aos 41 anos. Faixa turbinada com os scats da cantora e alocada como a segunda música do disco na disposição do repertório nos dois lados do LP, Saltei de banda (Zé Rodrix e Luiz Carlos Sá, 1972) reverbera como eco tardio do som envenenado dos anos 1960 que havia sido rotulado como pilantragem e capitaneado por outra realeza do suingue, Wilson Simonal (1938 – 2000), cantor que cairia em desgraça naquele ano de 1972.
Em outra prova de que se atualizava com os sons do Brasil no início da década de 1970, Elza deu voz ao afro-samba Maria vai com as outras (1971), joia composta e lançada no ano anterior pela dupla formada por Toquinho com Vinicius de Moraes (1913 – 1980). Toquinho & Vinicius estavam no auge desde 1971.
A-B-C da vida (Luiz Reis e Haroldo Barbosa, 1972) soou como sambalanço que poderia ter figurado em qualquer álbum lançado por Elza ao longo dos anos 1960 na mesma gravadora Odeon que a contratara em 1959.
Faixa previamente apresentada em compacto duplo (single com quatro músicas) editado em janeiro, dois meses antes do álbum, a gravação do samba-enredo Rio, Carnaval dos Carnavais (Padeirinho, Nilton Russo e Moacyr) – com a qual a escola de samba Mangueira desfilou no Carnaval de 1972 – exemplifica a quentura do som do álbum Elza pede passagem, também perceptível na abordagem de outro samba de temática carnavalesca, Barão beleza (Tuzé de Abreu, 1971), apresentado ao Brasil no ano anterior na voz do então exilado Caetano Veloso.
Embora nenhuma das edições em CD do álbum tenha revelado a ficha técnica completa do álbum (reproduzida de forma parcial até mesmo na edição original do LP de 1972), presume-se que o ponto de fervura da sonoridade de Elza pede passagem tenha sido atingida por Dom Salvador com a arregimentação dos músicos Darcy Cruz (trompete), José Carlos (guitarra), Luiz Carlos Batera (bateria), Oderdan Magalhães (1945 – 1984) (saxofone) e Rubão Sabino (baixo) e Serginho Trombone (1949 – 2020) (trombone), com os quais o pianista tocava no grupo Abolição.
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