Álbum que alicerçou obra de Chico Buarque há 50 anos, Construção retém a contundência de 1971

10/01/2021 17h36


Fonte G1

Imagem: ReproduçãoRitmo predominante no repertório do álbum Construção, o gênero ditou a cadência da melancolia chorosa de Desalento (outra parceria de Chico com Vinicius de Moraes), da rotina angus(Imagem:Reprodução)
 MEMÓRIA – É até injusto com a obra apresentada por Chico Buarque de Hollanda nos anos 1960 creditar somente ao álbum Construção o início de maturidade já perceptível em músicas anteriores desse compositor carioca que, na segunda metade da década passada, virara justa unanimidade no Brasil, a ponto de ter aberto parceria com o soberano Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994).

Tampouco é em Construção que aflorou pela primeira vez a aguda consciência social do autor de músicas como Pedro pedreiro (1965), Roda viva (1967) e Rosa dos ventos (1970).

Álbum lançado em 1971 no formato de LP, Construção se elevou na obra de Chico Buarque – e se manteve no mais alto patamar ao longo dos 50 anos completados em 2021 – pela coesão do repertório, pelo pulso político desse cancioneiro inteiramente autoral e pela adequação dos arranjos às 10 músicas que, ouvidas em sequência no disco, gravado sob direção musical de Antônio José Waghabi Filho (1943 – 2012), o Magro do grupo MPB4, totalizam meia hora de deleite – 31 minutos e 12 segundos, com precisão.

É na total sintonia entre o repertório então inteiramente inédito, os arranjos e o momento político do Brasil de 1971 que Construção se sustentou, alicerçando a obra de Chico Buarque com maior apuro estético e com contundência que se preservou ao longo dos 50 anos.

Ouvir o álbum Construção em 2021 ainda é experiência incrível, inclusive do ponto de vista estritamente musical. Os antológicos arranjos orquestrados pelo maestro tropicalista Rogério Duprat (1932 – 2006) sublinham as tensões impressas nas letras de Deus lhe pague e Construção.

A sincronia de violoncelos, violas, trompas e trompetes com as vozes evidencia, na música-título, a engenhosidade da letra escrita com versos alexandrinos (compostos por 12 sílabas) que terminam com palavras proparoxítonas, alavancando o ritmo de melodia calcada na repetição de dois acordes.

Duprat orquestrou Deus lhe pague e Construção como óperas, dando intensidades crescentes às histórias afins das duas composições – e, não por acaso, um trecho da primeira se repete ao fim da gravação da segunda na costura do disco.

As arquiteturas dessas duas faixas já valeriam o álbum Construção, valorizado na reedição em CD de 2006 pela magistral masterização feita por Luigi Hoffer e Carlos Savalla, fundamental para que se perceba a grandeza dos arranjos.

Sem se deixar intimidar pela presença de Duprat, Magro também desempenhou com maestria a função de arranjador do disco, deixando legado nessa área em faixas como Valsinha, parceria de Chico com Vinicius de Moraes (1913 – 1980), poeta e compositor creditado em quatro das dez músicas do disco – parceiro com o qual Chico afrouxaria os laços profissionais a partir de 1972.

Lançado com capa que expôs Chico Buarque em foto de Carlos Leonam, enquadrada na arte de Aldo Luz, o álbum Construção depurou a estética do compositor com maior solidez ao mesmo em que ecoou o lirismo sobressalente no cancioneiro do Chico dos anos 1960, notadamente em Acalanto – faixa final que condensa desalento e esperança em pouco mais de um minuto e meio – e sobretudo em Olha, Maria, parceria do artista com Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

É de Jobim, a propósito, o piano da faixa, devidamente creditado na ficha técnica original do álbum. Já os músicos do Trio Mocotó jamais levaram o crédito oficial por terem contribuído para fazer o Samba de Orly (Samba de Fiumicino) cair em suingue atípico na discografia de Chico.

Parceria do compositor com o amigo Toquinho (arregimentado para tocar o violão da faixa) e com Vinicius de Moraes, Samba de Orly é postal mandado do exílio voluntário de Chico na Itália, de onde voltou em 20 de abril de 1970, ainda que o título cite o aeroporto de Paris-Orly, situado na França.

Ritmo predominante no repertório do álbum Construção, o gênero ditou a cadência da melancolia chorosa de Desalento (outra parceria de Chico com Vinicius de Moraes), da rotina angustiante de Cotidiano e do recado político dado em Cordão com versos como “Ninguém vai em acorrentar / Enquanto eu puder cantar”.

Formatado em estúdio com técnicos de gravação como o futuro produtor musical Marco Mazzola, então em início de carreira na gravadora Philips, Construção é álbum que reiterou a afinidade de Chico Buarque com os integrantes do grupo MPB4, cujas vozes foram ouvidas em cinco das dez faixas.

Uma das cinco é o samba Minha história, versão em português – escrita por Chico – de Gesù bambino (1970), música dos compositores italianos Lucio Dalla (1943 – 2021) e Paola Pallottino.

Construção é o segundo álbum do contrato assinado por Chico Buarque em 1970 com a gravadora Philips, para a qual foi levado pelo executivo André Midani (1932 – 2019). Mas soou como se fosse o primeiro por ter iniciado ciclo mais pungente e político na discografia do artista.

Tanto que o primeiro álbum do cantor na gravadora que nos anos 1970 teria na direção artística Roberto Menescal – creditado como diretor de produção na ficha técnica de Construção – foi intitulado Chico Buarque de Hollanda nº 4.

Disco de 1970 em que se observou menor coesão no repertório, gravado na ponte Brasil-Itália, Chico Buarque de Hollanda nº 4 já se conectou pelo título à trilogia inicial de álbuns gravados pelo cantor na pequena gravadora RGE entre 1966 e 1968.

Embora já houvesse maturidade instantânea em boa parte dos repertórios desses discos, Construção alicerçou a obra de Chico Buarque pela contundência retida ao longo dos anos em disco que, em 2021, conserva a mesma força motora por expor aflições cotidianas de tempos pautados por tensões sociais e políticas.


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Tópicos: obra, disco, chico buarque