Alcione reforça com álbum "Tijolo por tijolo" a construção de obra alicerçada pelo gosto popular

30/05/2020 11h22


Fonte G1

Imagem: Marcos HermesCapa do álbum Capa do álbum "Tijolo por tijolo", de Alcione.

Em 2013, os seguidores mais antigos de Alcione se surpreenderam com a alta qualidade do álbum de músicas inéditas Eterna alegria, apresentado pela artista naquele ano com repertório apaixonante. O disco Eterna alegria se impôs como um dos títulos mais coesos da carreira fonográfica iniciada em 1972 por essa grande cantora maranhense que veio para a cidade do Rio de Janeiro (RJ) em 1968.

Sete anos depois, o álbum Tijolo por tijolo – lançado em edição digital e em CD na sexta-feira, 29 de maio – frustra expectativas de quem esperava disco de músicas inéditas à altura de Eterna alegria. Há bons momentos entre as 14 faixas, mas, no todo, o disco soa irregular porque arranjos e repertório nem sempre estão à altura do vozeirão grave de Marrom.

Primeiro single do álbum, Fascínio (Toninho Geraes e Paulinho Rezende) já sinalizara em março a danosa aproximação da estética do samba rotulado como pagode romântico e caracterizado pelo uso abundante de teclados, proeminentes no arranjo de Wilson Prateado.

Essa estética empanou o brilho de Fascínio – samba em si até fluente, sobretudo no refrão – e reverberou em abril no segundo single, Alto conceito (Fred Camacho e Leandro Fab), samba também enquadrado na moldura do pagode romântico e em cuja letra Alcione reassume o papel da mulher submissa aos caprichos do geralmente desatento homem amado.

Bom samba que dá nome ao disco, Tijolo por tijolo (Serginho Meriti e Claudemir) também saiu antes em single e corroborou a opção estética do álbum, gravado com produção musical de Alexandre Menezes, diretor musical da Banda do Sol – grupo que há décadas acompanha Alcione em shows – e arquiteto da face sonora deste disco formatado em estúdio com arranjos de Jorge Cardoso, Jota Moraes, Wilson Prateado, Zé Américo Bastos e do próprio Alexandre Menezes.

Selecionado por Alcione, o repertório de Tijolo por tijolo oscila sem perder a pegada popular da cantora. Há sambas que fluem bem, caso de Meu universo (Zeppa e Jorge Vercillo), e há outros que batem na trave.

Prejudicado por coro dispensável, O homem de Três Corações celebra Pelé – no ano do 80ª aniversário do imortal jogador de futebol – com letra poética de Paulo César Feital, mas o samba, de título alusivo à cidade mineira onde o craque nasceu em outubro de 1940, rola sem ginga e fica aquém da produção autoral do compositor Altay Veloso, autor da melodia. O gol quase vem ao fim da faixa com a batucada que simula a euforia de partida de futebol.

Em barco que navega malandro não navega mané (Serginho Meriti e Claudemir) cai com mais destreza no suingue com sopros evocativos de salão de gafieira. Nesse salão, também há espaço para o balanço nobre de Realeza (Joluis e Alvinho Santos), samba valorizado pelo melhor arranjo do disco, criado por Alexandre Menezes com direito até a passagem de clima jazzy na orquestração sincopada.

Samba também embebido em alto astral, Lado a lado (Arlindo Cruz, Marcelinho Moreira e Rogê) propaga tom solar com certa poesia, mas sem justificar as assinaturas do (geralmente mais inspirado) trio de autores. Balada que cai na cadência do pagode romântico, com todos os teclados a que tem direito, Não dá mais é canção de Altay Veloso em que Alcione voltar a encarnar o papel da mulher infeliz, só que à beira da libertação do jugo conjugal.

Na sequência, O samba ainda é (Serginho Meriti, Ricardo Moraes e Claudemir) exalta o próprio samba sem traço de originalidade. Já Feito traça (Telma Tavares e Roque Ferreira) tece trivial trama romântica com certa dose de sensualidade.

Faixa brejeira que sobressai na construção frágil de Tijolo por tijolo, 41º álbum de Alcione, Santo Amaro é uma flor (Edil Pacheco e Walmir Lima, 2012) abre a roda e estende a rota do disco até a Bahia.

Samba de roda lançado em disco há sete anos pelo grupo mineiro Zé da Guiomar e revivido por Alcione com palmas e o toque de viola que evoca o tom interiorano do samba do Recôncavo baiano, Santo Amaro é uma flor louva a cidade de Santo Amaro de Purificação, terra da chula, de Caetano Veloso, de Maria Bethânia – cantora a quem Alcione é ligada por laços de amizade iniciada nos anos 1970 – e de Claudionor Viana Teles Veloso (1907 – 2012), a matriarca da cidade, conhecida como Dona Canô e como tal mencionada na letra desse samba radiante.

Teu calor (Júlio Alves, Ramires e Carlos Júnior) desloca novamente o álbum Tijolo por tijolo para o quintal romântico em que Alcione reina desde a segunda metade da década de 1970. A temática desse samba evoca hits da cantora nessa linha, como Menino sem juízo (Paulinho Rezende e Chico Roque, 1979) e Garoto maroto (Franco e Marcos Paiva, 1986).

No fim do álbum Tijolo por tijolo, a homenagem ao Maranhão – já tradicional nos discos da cantora – surpreende ao ser feita sem ritmo da região, mas em tom urbano e romântico. Zé Américo Bastos é o arranjador e parceiro do poeta Salgado Maranhão na criação de Lençóis, envolvente canção sobre um amor vivido nos Lençóis Maranhenses.

A derradeira faixa reitera que, entre altos e baixos conceitos, Alcione reforça com o álbum Tijolo por tijolo a sedimentação de trajetória norteada e alicerçada pelo gosto popular.

Tópicos: cantora, samba, alcione