Baco Exu do Blues recobra o fôlego em álbum em que o rapper versa sobre o amor no tempo da cólera
31/01/2022 11h32Fonte G1
Imagem: Reprodução
Baco Exu do Blues recobra o fôlego da discografia após álbum de menor espessura, Não tem bacanal na quarentena (2020), que o artista tenta esconder debaixo do tapete com o rótulo de EP.Mesmo sem reeditar o impacto de Esú (2017) e Blueman (2018), o quarto álbum de Diogo Moncorvo – rapper baiano de 26 anos recém-completados em 11 de janeiro – novamente impõe o artista como voz relevante e original no universo do hip hop nacional.
Em rotação desde 26 de janeiro, QVVJVA – Quantas vezes você já foi amado? flagra Baco Exu do Blues às voltas com o amor vivido no tempo da cólera e com a realidade de ser um homem negro na luta contra o racismo estruturado na sociedade brasileira e contra as heranças culturais de mundo machista em que meninos não choram, mas sentem raiva.
Sinto tanta raiva... é sintomaticamente o título da primeira das 12 músicas inéditas que compõem o repertório autoral do álbum. “Eu sinto tanta raiva que amar parece errado”, brada Baco logo no verso inicial do álbum em faixa com trechos instrumentais evocativos do jazz.
Sobre beats criados por Dactes, JLZ e Nansy Silvvz em torno dos gêneros matriciais da música negra norte-americana (blues, soul e R&B), o cantor e compositor soteropolitano assenta rap que transita entre o amor embebido em sexo – anestésico para esquecer a dor de se sentir incapaz de dar e receber afeto por seguir os códigos sociais machistas – e o ódio vociferado contra o racismo, assunto de Sinto tanta raiva... e do sombrio rap Inimigos, faixa em que o álbum atinge o clímax.
“Acho que me cercaram / Mas não sinto perigo / Só cheiro de medo / E de inimigos mortos”, berra Baco, armado de ódio na faixa iniciada com citação de versos de Jorge Ben Jor em Tenha fé, pois amanhã um lindo dia vai nascer (1971), samba-rock gravado há 51 anos pelo grupo Os Originais do Samba.
Subvertendo expectativas de quem vê o rap somente como veículo para a expressão do ódio e da denúncia social, Baco jamais deixa o amor sucumbir à cólera no tempo geralmente quente do álbum QVVJVA – Quantas vezes você já foi amado?.
Para quem segue o rapper por conta do hit inicial Te amo, disgraça (2017), o álbum QVVJVA fornece similar munição romântica e/ou sexual em faixas como Cigana, Dois amores e, sobretudo, 20 ligações. É na face do amor que o rapper divide com Gloria Groove a intepretação de Samba in Paris, música que evolui na cadência bonita do R&B, diferentemente do que faz supor o título.
“Nosso amor é lindo de se ver / Meu azeite de dendê / Mais bonito que os corredores do Louvre / Quente como o sol de Saint Tropez / Me derreto em você / Perdição como a noite em Moulin Rouge”, canta Gloria, jogando com as palavras francesas na letra em português.
Ainda nessa seara romântica-sexual, Mulheres grandes traz versos machistas – “Mulheres grandes demais / Com desejos gigantes / Não servem para ser amantes” – em refrão que, por si só, oferece combustível para as feministas cancelarem Baco sem açúcar e sem afeto.
Como admite no versos confessionais de Autoestima, Baco foge da dor enquanto procura o amor próprio que afirma ter sido roubado. Lágrimas verte o medo de amar entre ecos da voz de Gal Costa, sampleada (de forma esquisita...) na gravação original de Lágrimas negras (Jorge Mautner e Nelson Jacobina, 1974).
A falta de amor reverbera em Imortais e fatais 2 – sequência da música original apresentada no álbum Esú (2017) – entre sample de versos do afro-samba Tempo de amor (Baden Powell e Vinicius de Moraes, 1966) na voz de Vinicius de Moraes (1913 – 1980).
No arremate do álbum, o rap 4 da manhã em Salvador jorra em rimas ágeis o ódio entranhado na jornada de Baco Exu do Blues em busca do amor – inclusive o amor-próprio – que move o artista neste álbum cheio de som e fúria.
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