Bandeiras de Elza Soares permanecem hasteadas no álbum póstumo "No tempo da intolerância"

23/06/2023 16h54


Fonte G1

Imagem: DivulgaçãoBandeiras de Elza Soares permanecem hasteadas no álbum póstumo Bandeiras de Elza Soares permanecem hasteadas no álbum póstumo "No tempo da intolerância"

tempoA voz transcendental de Elza Soares (23 de junho ou 22 de julho de 1930 – 20 de janeiro de 2022) reverbera com coerência ao longo das dez faixas do álbum póstumo No tempo da intolerância. Formatado pelo produtor musical Rafael Ramos no estúdio Tambor, da gravadora Deck, o disco mantém hasteadas as bandeiras sociais da artista carioca, voz altiva que se levantou contra o racismo, as injustiças sociais e a opressão das mulheres no mundo patriarcal.

Todas essas causas ecoam no disco gravado por Elza entre julho de 2021 e janeiro de 2022. Nesse sentido, o álbum No tempo da intolerância soa como manifesto de cantora que jamais fugiu à luta ao longo dos 91 anos e seis meses de vida dura louca vida.

Elza Soares festejaria hoje 93 anos e, por isso, o álbum No tempo da intolerância chega hoje, 23 de junho, ao mundo digital. Se a potência do discurso direto, escrito sem refinamentos poéticos para dar o recado com clareza, se afina com a ideologia da artista, a música em si geralmente soa aquém do canto guerreiro de Elza.

A faixa de abertura – Justiça, reprodução da fala de manifesto feito por Elza em 2018 e sonorizado com fundo musical de Danilo Andrade para o disco – sublinha e sinaliza de cara o tom discursivo de álbum pautado pelo feminismo negro.

A questão é que a força do discurso paira acima de boa parte das composições, sobretudo na metade inicial do disco. No que diz respeito ao repertório, No tempo da intolerância soa sem a coesão dos álbuns anteriores A mulher do fim do mundo (2015) e Deus é mulher (2018), obras-primas da fase final da discografia da artista, ambas formatadas por turma paulistana capitaneada por Romulo Fróes. Até mesmo Planeta fome (2019), disco posterior que gravitou em órbita carioca com produção musical de Rafael Ramos, resultou (bem) mais homogêneo.

Justiça seja feita: neste disco tornado póstumo com a saída de cena de Elza, Rafael Ramos fez trabalho monumental como produtor ao arregimentar músicos e arranjadores que envolveram músicas como Coragem, o samba Pra ver se melhora, a faixa-título No tempo da intolerância – radiografia do obscurantismo do Brasil na era Bolsonaro – e o bolero Te quiero em sonoridade potente que encorpa as músicas com elementos de samba, afrobeat, black music norte-americana e um toque de latinidade.

As músicas do início do álbum foram compostas por Umberto Tavares e Jefferson Junior a partir de letras escritas por Elza em caderno de memórias e garimpadas por Pedro Loureiro, coautor dessas músicas e também creditado como diretor artístico do disco. Como compositores, o quarteto domina a primeira metade do álbum.

A partir da sexta faixa, entram as grifes autorais. Coroada com cordas orquestradas por Felipe Pacheco Ventura, Rainha africana é inédita de Roberto de Carvalho e Rita Lee (1947 – 2023). A letra entroniza Elza com propriedade. Já a música parece ter tido aprisionada a vocação pop para ser uma espécie de Lança perfume (1980) ou Pega rapaz (1987) com engajamento.

O estilizado ijexá Mulher pra mulher tem o toque de Josyara, compositora da música, na coprodução da faixa. “Quem você pensa que é pra dizer a alguém que pode parir onde ela deve ou não deve ir?”, questiona Elza no verso enfático de Feminelza, música inédita de Pitty cuja gravação reitera a opulência dos arranjos do disco.

Única regravação do repertório inédito de No tempo da intolerância, Quem disse? (Isabela Moraes, 2020) cai na cadência do samba e ganha força na voz de Elza – mulher que desceu e subiu morro com lata dágua na cabeça – em gravação aberta na voz de WJ com trecho extraído do filme Poesia marginal (2017).

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