Carnaval de Chico Buarque ainda faz sentido 50 anos após disco com trilha sonora de filme de 1972
28/02/2022 16h08Fonte G1
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Teve Carnaval em 1972, mas não o Carnaval ansiado naquele ano por Chico Buarque, Maria Bethânia e Nara Leão (19 de janeiro de 1942 – 7 de junho de 1989), trio que dá voz às músicas trilha sonora de Quando o Carnaval chegar, quarto filme do cineasta Carlos Diegues.
No enredo do longa-metragem estreado em 1972, Chico, Bethânia e Nara personificaram integrantes de grupo mambembe, dando vozes e vida a Paulo, Rosa e Mimi – respectivamente – e a músicas que se tornariam antológicas.
Na cadência quase triste do samba-título Quando o Carnaval chegar, uma das sete composições então inéditas fornecidas por Chico Buarque para a trilha sonora do filme, ficou claro que o Carnaval era a metáfora para a democracia ceifada pelo golpe de 1964 em movimento ditatorial endurecido pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5) imposto em dezembro de 1968.
Como o Carnaval ainda parecia distante no horizonte de 1972, inclusive pela ação implacável da censura na música popular do Brasil, a saída era recorrer à metáfora nos versos para dar o recado das letras – recurso que Chico Buarque usou com maestria ao longo dos anos 1970.
Ao criar a trilha sonora original do filme Quando o Carnaval Chegar, o compositor já estava no auge da genialidade artística, atestada pelo álbum Construção (1971), o fundamental LP que Chico lançara no ano anterior. Por isso mesmo, a capa do disco com a trilha sonora de Quando o Carnaval chegar – lançado em 1972 pela gravadora Philips – alardeou que, no repertório, havia “7 músicas inéditas de Chico Buarque”.
A força da grife autoral do compositor foi reiterada pela perenidade dessas inspiradas sete músicas – Baioque, Bom conselho, Caçada, Mambembe, o tema-título Quando o Carnaval chegar, Partido alto e Soneto – que transcenderam as telas dos cinemas e os sulcos do vinil do LP, se tornando sucessos recorrentes nos repertórios posteriores de Chico e de outros cantores.
E, justiça seja feita, as gravações originais dessas sete músicas estão à altura das composições, inclusive pelos arranjos creditados a Antônio José Waghabi Filho (1943 – 2012), o Magro do MPB4, e a Roberto Menescal, então no posto de diretor artístico da gravadora Philips.
E por falar em MPB4, o grupo interpreta o samba Partido alto – uma das 12 músicas alocadas nas 14 faixas do disco – em gravação que inclui passagem instrumental com o ronco da cuíca sublinhando o choro da fome na barriga da miséria.
A diferença na conta de músicas e faixas do disco se dá porque o samba Mambembe e a canção Soneto aparecem duplamente na disposição dos temas no LP, primeiramente em orquestrais registros instrumentais – sendo que o de Mambembe ostenta a maestria de Magro – para depois serem ouvidos nas vozes de Chico Buarque e de Nara Leão, cantora que, cabe lembrar, havia sido importante na década de 1960 para popularizar o cancioneiro de Chico.
A Bethânia, coube solar, no devido tom árido, Baioque – fusão de baião e rock já anunciada pelo título – e Bom conselho, uma das músicas da trilha sonora que deixavam entrever o clima sombrio do Brasil em 1972, com Chico dando o recado em versos que alinhavam contradições de ditos populares e, de certa forma, criticavam a voz do povo anestesiado pela máquina repressora da época.
Ouvida na voz do autor, Caçada é canção que celebra o enlaçamento sexual, afinada com o fato de o Carnaval ser a festa da carne.
Para quem buscava o tom folião da festa, a trilha sonora apresentou abordagens inéditas de festivas músicas de outros Carnavais, casos de Formosa (Nássara e J. Rui, 1933) – com Bethânia e Nara reeditando o dueto feito 39 anos antes pelos cantores Francisco Alves (1898 – 1952) e Mário Reis (1907 – 1981) – e do solar Frevo (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1959) na voz de Chico. O mesmo Mário Reis foi o intérprete original da marcha Mais uma estrela (Bonfíglio de Oliveira e Herivelto Martins, 1934), com a qual, sozinha, Nara pôs o bloco na rua.
Juntas, Bethânia e Nara cantaram o samba Minha embaixada chegou (Assis Valente, 1934), reaproveitado por Chico na abertura do show Caravanas (2017 / 2018) para dar o recado político desse espetáculo.
No fim do disco, Chico se junta com Bethânia e Nara para reviver a marcha Cantores do rádio (Lamartine Babo, Braguinha e Alberto Ribeiro, 1936), afinados com tom mambembe e político de trilha sonora que faz sentido em 2022, 50 anos após edição de disco que ajudou a solidificar a construção da grande obra de Chico Buarque.
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