Chico César se aviva com a leveza que conduz o álbum "Vestido de amor" da África ao nordeste do Bras
27/09/2022 14h41Fonte G1
Imagem: DivulgaçãoClique para ampliarChico César se aviva com a leveza que conduz o álbum "Vestido de amor"
“Me sinto vivo, livre, solto no ar / A liberdade é meu melhor abrigo / A liberdade é sempre o meu lugar”, alardeia Chico César na levada de Flor de figo, primeira das onze músicas autorais dispostas em Vestido de amor, álbum lançado pelo artista paraibano na sexta-feira, 23 de setembro.
Compositor que se manteve relevante desde que ganhou projeção nacional em 1995, o paraibano Francisco César Gonçalves se aviva neste disco gravado na França, precisamente no parisiense Studios Feber, com produção musical do franco-belga Jean Lamoot, também responsável pela mixagem.
Orquestrando músicos africanos, brasileiros e franceses, Lamoot injeta lufada de ar fresco na safra autoral do artista, único compositor de dez das onze músicas do cancioneiro oficialmente inédito em disco, ainda que algumas canções tenham brotado em vídeos postados por Chico durante o isolamento social imposto pela pandemia ao longo de 2020.
Notável na canção-título Vestido de amor, inebriante pop dançante que parece fazer a música de Chico flutuar no ar, a leveza conduz o álbum por rota que liga a África – pátria da música do mundo ocidental – ao nordeste do Brasil.
Conversa com o pianista congolês Ray Lema conscientizou Chico César do quanto a obra matricial de Luiz Gonzaga (1912 – 1989), rei vitalício da nação musical nordestina, embute formalmente a influência africana, muito menos alardeada do que a ascendência árabe de alguns sons do nordeste do Brasil.
Sintomaticamente, uma das músicas que mais expõe a conexão do nordeste com a África no disco, Xangô e forró e aí, tem a voz e o piano de Lema, músico africano habituado a se embrenhar em território jazzístico. Lema é parceiro de Chico César na composição desse coco temperado com molho africano e a quentura rítmica evocativa da obra de outro rei da nação musical nordestina, Jackson do Pandeiro (1919 – 1982).
Com letras em que o amor é assunto recorrente, sob prismas diversos, o álbum Vestido de amor equilibra temperaturas e voltagens rítmicas distintas sem perda da unidade em repertório que também transita pela rumba zairense.
Tema fervido, Reboliço faz jus ao título ao flertar com o calipso e, ao mesmo tempo, evocar a pegada forrozeira que faz todo mundo dançar numa sala de reboco. Afro xote, Na balustrada também cai no suingue, no impulso do beat da guitarra elétrica do músico congolês Rodriguez Vangama.
A propósito, muito do êxito do álbum Vestido de amor reside na forma como que as canções de Chico César foram trajadas com os toques de grandes músicos africanos. Recorrente no disco, o toque largo e percussivo do baixo de Etienne Mbappe salta especialmente aos ouvidos no balanço fluente de Pausa ao lado do fraseado modernista da kora de Sekou Kouyaté.
“As lágrimas lavaram o mundo / Mas o pranto não cessou / Era um buraco tão fundo / Que o dilúvio não findou / E a nossa sede era de ser / E era amor”, poetiza Chico César, mixando amor e política na letra de Pausa.
Único tema mais explicitamente político do repertório, o reggae Bolsominions é pedrada que o ativista artista lança no disco para denunciar o mau uso da fé cristã no exercício de podres poderes. A longa passagem instrumental na metade final de Bolsominions exemplifica a intenção de Chico César de criar disco pautado pelo pan-africanismo, demolindo fronteiras musicais.
Tanto que outro reggae, Corra linda, começa com dengo e depois vai ficando denso até ganhar o peso do rock. Já Amorinha expõe o parentesco lusófono entre mornas, sambas-canção e fados, evocando melancolias sem deixar cair o astral desse disco que, na canção Te amo, amor, soa doce como a manga citada na letra enquanto SobreHumano dá toque humanista aos gananciosos com a alternância das vozes de Chico César e Salif Keita.
Sim, o mesmo Salif Keita que, três décadas atrás, fez o cantor paraibano dançar no compasso apaixonado da canção À primeira vista (Chico César, 1995).
Quando ouviu SobreHumano, foi o africano Salif Keita quem dançou conforme a música multifacetada de Chico César neste disco cheio de vida e afeto, pautado pela leveza e a liberdade de expressão musical e política.
Com o álbum Vestido de amor, Chico César oferece pérolas aos vivos.
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