Claudya enfrenta o paradoxo do álbum em que canta hits da Jovem Guarda em clima de bossa nova
07/05/2022 11h12Fonte G1
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O primeiro som que se ouve no 21º álbum de Claudya, A nossa bossa sempre jovem, é o de cordas sintetizadas e orquestradas com certa dramaticidade em arranjo evocativo da era do samba-canção dos anos 1940 e 1950. A introdução opulenta desse arranjo soa paradoxal em disco que busca jovialidade ao convergir dois universos musicais antagônicos.
Sob direção musical do pianista Alexandre Vianna, autor dos arranjos, a cantora carioca de quase 74 anos – a serem festejados na terça-feira, 10 de maio – dá voz no disco a dez canções do repertório da Jovem Guarda em clima de bossa nova.
Lançado na sexta-feira, 6 de maio, com capa que remete à estética dos discos da gravadora Elenco nos anos 1960, o álbum se calca em ideia que já é em si um paradoxo, pois a Bossa Nova foi movimento protagonizado por elite musical carioca que refinou a música brasileira – em especial o samba, pois, no toque revolucionário do violão de João Gilberto (1931 – 2019), a batida diferente da bossa nova sintetizava a cadência do samba – enquanto a Jovem Guarda foi movimento pop de origem popular que conquistou o Brasil ao irromper em São Paulo (SP) em 1965.
Se o repertório da bossa nova se nutriu de acordes fartos e harmonias ricas ao emergir a partir de 1958, bebendo de fonte que lhe deu a eterna juventude, o cancioneiro da Jovem Guarda se pautou pela simplicidade e pelo poder de comunicação com os brotos da classe média dos anos 1960.
Cantora revelada na segunda metade dessa década de 1960, já na era da MPB e dos festivais, Claudya – Maria das Graças Rallo na certidão de nascimento expedida no Rio de Janeiro (R) com a data de 10 de maio de 1948 – procura unir no álbum A nossa bossa sempre jovem dois mundos que pouco se comunicam.
Até porque, se a Bossa Nova simboliza leveza e alegria de viver sob o céu azul de Ipanema, a Jovem Guarda foi além da pretensa rebeldia do rock importado, crescendo aos ouvidos do público quando carregou nas baladas a tristeza e a rejeição das desilusões amorosas, matéria-prima de músicas como Ternura (Somehow it got to be tomorrow – Today, Estelle Kevitt e Kenny Karnen em versão em português de Rossini Pinto, 1965) – a canção adornada com cordas na abertura do disco – e Nossa canção (Luiz Ayrão, 1966).
Há, de fato, ao longo do disco uma ambiência de bossa nova criada pelos músicos Alexandre Vianna (piano), Bruno Migotto (contrabaixo), Flávio Barba (guitarra), Jorge Saavedra (bateria), Sidmar Vieira (trompete e flugelhorn) e Ubaldo Versolato (saxofone), mas que nem sempre promove a real convergência entre os dois universos musicais.
Basta ouvir Meu bem (Girl, John Lennon e Paul McCartney, 1965, em versão em português de Ronnie Von, 1966). para perceber que o paradoxo do disco se impõe sobre todas as coisas.
Canção da dupla Leno & Lilian que Adriana Calcanhotto tomou para si a partir de 2000, Devolva-me (Lilian Knapp e Renato Barros, 1966) soa inclusive dramática no canto de Claudya, na melhor interpretação do disco, com a voz guiada pelo piano de Alexandre Vianna.
Em contrapartida, Claudya tangencia o tom acariciante de Gatinha manhosa (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1965), em arranjo com passagem jazzy, e acerta ao reabrir O caderninho (Olmir Stocker, 1967), sucessos de Erasmo Carlos.
As abordagens dos hits do Tremendão são dois bons momentos do álbum A nossa bossa sempre jovem, talvez porque haja nessas duas canções uma inocência adolescente e romântica que se afina com o leve estado de espírito da bossa nova. Inocência que parece se perder na lembrança de O ritmo da chuva (Rhythm of the rain – John Claude Gummoe, 1962, em versão em português de Demetrius, 1964) em arranjo que dilui a leveza do tema. Já Alguém na multidão (Rossini Pinto, 1965) sobressai no disco, reforçada por vocais que aludem ao fato de a canção ter sido sucesso do grupo Golden Boys.
Canção que preparou o terreno para a conquista do reino da juventude por Roberto Carlos, Aquele beijo que te dei (Edson Ribeiro, 1964) expõe o bom gosto que pauta os arranjos de Alexandre Vianna.
Excelente músico, Vianna ajuda Claudya a enfrentar contradições que ficam nítidas quando a cantora cai no suingue da música cubana ao dar voz à tristonha canção Eu daria a minha vida (Martinha, 1967) sem a melancolia do tema – paradoxo que rege o álbum A nossa bossa sempre jovem.
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