Dori Caymmi e Mônica Salmaso se enredam cúmplices nas tramas do álbum Canto sedutor

26/05/2022 11h11


Fonte G1

Imagem: ReproduçãoNa sequência, outra inédita, Raça morena, situa o cancioneiro de Dori e Pinheiro no Brasil interiorano, rural, das matas e das águas, habitat natural da obra resultante da parceria(Imagem:Reprodução)
 Parceiros em obras-primas da MPB como Desenredo (1976) e Velho piano (1982), Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro ampliaram a obra conjunta ao longo dos últimos 13 anos em quatro álbuns – Mundo de dentro (2009), Poesia musicada (2011), Setenta anos (2014) e Voz de mágoa (2017) – gravados por Dori somente com músicas compostas com o parceiro letrista.

Em que pese a alta qualidade poética e melódica do cancioneiro recente da dupla, a obra dos compositores vem resultando pautada por certa linearidade na forma e na temática, evidenciada nesses quatro álbuns de Dori.


Como o canto excepcional de Mônica Salmaso também soa por vezes com a mesma temperatura, a ideia de um álbum como Canto sedutor – disponível nos players digitais a partir de amanhã, 27 de maio, e com edição em CD já nos planos da gravadora Biscoito Fino – é, em teoria, no mínimo arriscada.

O risco foi diminuído pelo fato de Dori ter tido à disposição, na criação dos arranjos, músicos como o violeiro Neymar Dias, o baixista Sidiel Vieira e o pianista Tiago Costa, além do flautista Teco Cardoso, produtor musical do disco, enquanto álbuns como o já mencionado Setenta anos foram formatados somente com a voz e o violão de Dori (o que já é muito, diga-se).

Ainda assim, é sintomático que os dois pontos mais altos do álbum Canto sedutor sejam os registros de músicas mais antigas do repertório. Samba-canção que ressoa o desengano que emerge no vaivém do amor, Velho piano toca fundo na voz de Mônica, secundada pelo contracanto de Dori, com arranjo encorpado pelas cordas da St. Petersburg Studio Orchestra.

Introduzido no disco pela voz de Dori, cujo canto é capaz de conciliar doçura e profundidade, Desenredo se desenrola com os dois artistas puxando o fio da memória afetiva mineira em trama que ecoa a sintaxe do poeta e escritor João Guimarães Rosa (1908 – 1967).

É nesse encontro de vozes de amor e mágoa que reside muito do encanto do álbum Canto sedutor. Não se trata de um álbum de Mônica cantando Dori. Canto sedutor é disco em que Mônica canta Dori com Dori – o que faz toda a diferença.

A cumplicidade dos solistas salta aos ouvidos já na abertura do álbum com a inédita música-título Canto sedutor. “Às vezes as canções têm dor / E a voz pode até embargar / Mas canto um canto sedutor / Pra quem precisa me escutar”, avisam Salmaso e Dori, afinados, nos versos metalinguísticos do tema de abertura.

Na sequência, outra inédita, Raça morena, situa o cancioneiro de Dori e Pinheiro no Brasil interiorano, rural, das matas e das águas, habitat natural da obra resultante da parceria.

É nessa geografia sertaneja que se ambientam Vereda (2011) – música gravada com arranjo que segue a pisada do baião – e A água do rio doce (2022), terceira inédita apresentada entre as 14 músicas do álbum.

E, justiça seja feita, o enredo de Canto sedutor busca aliviar as dores poetizadas em canções melancólicas como Delicadeza (2009), solada pela cantora e ornada com as mesmas cordas que pontuam a lembrança afetiva de História antiga (Brasilian serenata, 1990), outra faixa somente com a voz de Salmaso.

A luz nordestina de Estrela da terra (1980) dissipa a treva sombria do desenredo cotidiano, com o toque do acordeom de Lulinha Alencar, instrumento que é um dos protagonistas da metalinguística Sanfona, flauta e viola (1994), exemplo de como a obra dos compositores cariocas se embrenham pelo grande sertão nordestino dos cantadores de baiões, modas, xaxados e aboios, evocados pelo contracanto de Dori na faixa levada pela voz de Mônica.

Voz de mágoa (2017) – música que batizou o último álbum solo de Dori, lançado há cinco anos – ressurge feliz, como cantiga para crianças. Já O passo da dança (2014) evolui leve, ágil, no canto dos artistas, com o baixo de Sidiel Vieira, o piano de Tiago Costa e as flautas de Teco Cardoso entrando entrosados na dança na passagem instrumental do arranjo embasado pelas percussões de Bré Rosário e da própria Mônica.


Em atmosfera contemplativa, é bonito de se ouvir a evocação em Quebra-mar (2009) do cancioneiro matricial do Dorival Caymmi (1914 – 2008), patriarca da família musical de Dori.

No fecho do disco, a canção À toa (2014) mantém Canto sedutor na mesma estrada trilhada pela obra de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro, reiterando a sensação de que, embora seja tudo muito bonito no álbum, já passa da hora de Mônica Salmaso – uma das maiores cantoras do Brasil em todos os tempos – sair da zona de segurança e arriscar outros caminhos, outras trilhas, outros sons, como fizeram Alaíde Costa, Áurea Martins e Leila Maria em álbuns recentes e já antológicos.


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Tópicos: canto, dori, canto sedutor