Ian Curtis: 40 anos depois, obra do cantor do Joy Division é mais apropriada do que nunca

18/05/2020 17h51


Fonte G1

Imagem: ReproduçãoNo livro
 No livro "Depois do futuro" (2009), o filósofo italiano Franco "Bifo" Berardi observa como o punk inglês fez uma leitura correta de que as coisas não iam por um bom caminho quando a década de 1970 se aproximava de seu final. Alguns sinais estavam dados sobre aquela sensação de mal-estar de fundo, marginal. É como se intuíssem que algo tinha se quebrado. O slogan "no future" ("não há futuro") de então ressoa nos tempos de hoje com um nível de pertinência acima do saudável.

Tem sido muito lembrada nas playlists temáticas da quarentena a faixa "Isolation", do Joy Division. Não só pelo título. "In fear every day, every evening" [Com medo todo dia, toda noite] é o verso de abertura da música. "Surrendered to self-preservation / from others who care for themselves" [Rendido a se autopreservar / dos outros que cuidam de si mesmos] soa quase premonitório do que testemunhamos agora.

É numa atmosfera infelizmente apropriada que são lembrados nesta segunda (18) os 40 anos da morte de Ian Curtis, vocalista do Joy Division. Pelas mãos da banda, o gênero que deu a alegre e inocente "I want to hold your hand" meros 15 anos antes produziu um dos climas musicais mais barra-pesada que o grande público já ouviu.

Com o precioso toque do produtor Martin Hannett, o quarteto de Manchester conseguiu emplacar nas paradas uma sonoridade deprimida e com uma grande dose de claustrofobia. Opressora talvez seja a palavra. A raiva do punk continua lá, mas a energia não é a mesma, é pós-algo, torna-se carregada e arrastada.

A prova do tempo só mostrou a força da obra do Joy Division. A capa do clássico "Unknown pleasures" é um ícone pop reconhecível em camisetas circulando dentro de qualquer megalópole (em eras pré-pandemia, claro) do mundo. As pessoas querem exibir sua afinidade com o universo sombrio que Ian Curtis decifrou tão jovem.

O grupo continua pescando fãs novos. A exposição de suas vulnerabilidades e medos nas letras, a incorporação de um problema de saúde como elemento na performance (suas crises epiléticas) e até a ironia ("Love will tear us apart" é um aceno triste à deliciosamente cafona "Love will keep us together", de Captain & Tennille) parecem sintonizar Curtis mais à narrativa pop atual do que ao mundo de quatro décadas atrás.

O suicídio aos 23 anos fez pairar uma aura de "poeta trágico" sobre ele, uma romantização que já ocorreu outras vezes na história com a morte de talentos jovens. Mas os depoimentos de familiares e de seus ex-colegas de Joy Division tornam evidentes que a dor e o choque da morte foram devastadores, não elementos de glamour.

Por sinal, Bernard Sumner, Peter Hook e Stephen Morris preferiram abrir mão da atmosfera pesada e do clima de tristeza em beco sem saída que construíram com originalidade ao lado de Ian Curtis (e Martin Hannett).

Recomeçaram, renomearam o grupo para New Order ("nova ordem") e estabeleceram a antítese do Joy Division: música para se divertir à noite, música para dançar na pista, música para celebrar estar vivo. O grupo logo ajudaria a pavimentar a explosão da house music no final dos anos 1980, e o Reino Unido e a Europa viveriam em seguida a fase das raves, da celebração em massa, um período que foi batizado de "segundo verão do amor" entre os britânicos.

O legado de Ian Curtis deve ser celebrado. Aliás, o baixista Peter Hook exibirá nesta segunda no canal de sua banda The Light uma apresentação de 2015 em que toca todas as músicas do Joy Division. Separados (e brigados) de Hook, Morris e Sumner farão uma live que contará com a participação de Brandon Flowers, do Killers, e de outros convidados.

Mas convenhamos: a trilha sonora do mundo num futuro breve bem que poderia ter mais cara de New Order do que de Joy Division.


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Tópicos: futuro, division, hook