Jornalista britânico reflete sobre a era da pós-verdade
07/05/2019 10h45Fonte G1
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Como acontece com todo neologismo, só o tempo dirá se o conceito de pós-verdade é um modismo passageiro ou se de fato traz algo de útil e relevante para a compreensão de alguns fenômenos associados ao comportamento, às redes sociais e à mídia tradicional.
O termo “pós-verdade” foi empregado pela primeira vez em 1992, em um artigo do dramaturgo Steve Tesich na revista “The Nation”, mas ganhou força mesmo em 2016, quando a Oxford Dictionaries, o departamento da Universidade Oxford responsável pela publicação de dicionários, elegeu "pós-verdade" como a palavra do ano da língua inglesa.
A própria delimitação do significado do termo ainda é controversa: em que a pós-verdade se diferencia da mentira? O que há de efetivamente original na ideia de pós-verdade? E, talvez o mais importante: quem decide como e quando classificar alguma notícia impressa ou post do Facebook como típico da era da pós-verdade?
O jornalista britânico Matthew DAncona, colunista do “The Guardian”, tem o mérito de ter sido o primeiro a lançar um livro inteiro dedicado à reflexão sobre o tema: “Pós-verdade – A nova guerra contra os fatos em tempos de fake news” (Faro Editorial, 148 pgs. R$ 29,90). Mas ele próprio reforça algumas dúvidas sobre o conceito com sua argumentação, ao tomar partido em disputas como o Brexit e a vitória de Donald Trump na última eleição americana – como se a verdade estivesse de um lado (o dele) e a pós-verdade do outro (o de quem votou em Trump e no Brexit).
Ainda assim, o livro de DAncona traz diversas contribuições importantes ao debate sobre a pós-verdade. Uma de suas premissas é que o termo descreve o processo pelo qual as emoções e convicções pessoais passam a ter mais importância que os fatos objetivos, sobretudo nas escolhas políticas. Isso é particularmente verdadeiro no Brasil, dominado há anos por uma polarização na qual os fatos importam pouco ou nada, atropelados que são pelas narrativas dos campos em disputa.
A pós-verdade só pode prosperar em um ambiente no qual a indignação das pessoas diante da desonestidade e da falsidade dos políticos dá lugar à indiferença e, em seguida, à conivência. Em um mundo no qual a mentira é percebida como regra, e não exceção, é como se todos fossem mentirosos, mesmo quem fala a verdade. Assim, o que nos resta é escolher a mentira mais adequada aos nossos interesses, ou aquela que nos traz mais segurança emocional. Estabelece-se, assim, uma falsa equivalência entre todas as narrativas: um artigo de um cientista pode valer até menos que um post viralizado nas redes sociais.
Como, diante da avalanche de notícias e opiniões que nos assaltam na mídia e nas redes sociais, ficou cada vez mais difícil distinguir o verdadeiro do falso, o objetivo do subjetivo, nossas escolhas passam a ser feitas com base no sentimento de conforto e adequação ao grupo social. As convicções importam mais que os fatos; as emoções, crenças e ideologias se sobrepõem à verdade; e a reiteração de frases feitas e palavras de ordem agressivas e debochadas substitui, no debate político, a argumentação racional fundada no respeito ao outro e à diferença.
Não se trata, portanto, de mentir ou falsificar os fatos, mas de assumir que a verdade tem importância cada vez mais secundária: o que interessa é manipular e enraizar na opinião pública os valores e convicções que nos beneficiam. É por isso que, mesmo quando são desmentidos, os militantes teimam em repetir a sua versão dos fatos. Eles sabem que, na maioria das vezes, o enganosamente simples prevalece sobre o honestamente complexo. Mas, à medida que esse comportamento se espalha e os fatos alternativos ganham primazia sobre a realidade, os próprios fundamentos da democracia ficam em risco.
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