Livro sobre Roberto Carlos e a crítica musical mostra que o tempo é o rei na avaliação dos discos do

07/04/2021 18h34


Fonte G1


Imagem: ReproduçãoClique para ampliarAo reapresentar trechos de críticas dos anos 1980 e 1990, Tito Guedes aponta a tendência dos críticos dessas épocas de enquadrar a obra de Roberto Carlos como repetitiva (na década(Imagem:Reprodução)
 Primeiro dos três livros sobre Roberto Carlos que chegarão às prateleiras físicas e virtuais ao longo deste mês de abril, por conta dos 80 anos do artista nascido em 19 de abril de 1941, Querem acabar comigo é mais um livro sobre os códigos da crítica musical do que propriamente uma dissertação sobre a obra do cantor e compositor.

Nesse sentido, o subtítulo Da Jovem Guarda ao trono, a trajetória de Roberto Carlos na visão da crítica musical anuncia com exatidão o conteúdo oferecido pelo autor Tito Guedes ao longo de sucintas 144 páginas.

Posto no mercado pela editora carioca Máquina de Livros com prefácio assinado por Arthur Dapieve, conceituado jornalista da área cultural, o livro se origina do trabalho apresentado por Guedes em dezembro de 2019 para concluir curso de Estudos de Mídia da Universidade Federal Fluminense, de Niterói (RJ), cidade natal do jovem pesquisador musical de 23 anos.

Reformatado com fluência para o livro, sem os adereços dos trabalhos acadêmicos, o texto vai direto ao ponto ao revolver e expor contradições, pré-conceitos, tensões e por fim, mutações dos críticos de música nas análises dos discos de Roberto Carlos.

Guedes enfoca textos publicados entre março de 1965 – mês em que um crítico caracterizou o cantor como “debiloide” – e abril de 2017, mês em que este colunista e crítico musical do G1, autor do Blog do Mauro Ferreira, resenhou o EP editado por Roberto na ocasião com ênfase na então inédita música Sereia, composta para a trilha sonora da novela A força do querer (TV Globo, 2017).

O interessante do livro é que, com o benefício da perspectiva do tempo, Guedes revela como a percepção da obra de Roberto Carlos foi sendo alterada ao longo dos 52 anos abarcados pela pesquisa do autor, integrante da equipe do fundamental Instituto Memória Musical Brasil (IMMub), cujo acervo reúne dados sobre a produção fonográfica brasileira.

O livro mostra como, de 1965 a 1967, período áureo da Jovem Guarda, a obra de Roberto foi minimizada pela crítica – por vezes com agressividade – nesses anos marcados por embate entre a Jovem Guarda e a MPB que irrompeu a partir de 1965, impulsionada pela plataforma dos festivais.

Eram tempos de guerra em que o iê-iê-iê era visto como música “alienada”, cuja apaixonada absorção pelo público jovem era vista como ameaça para o domínio da MPB, o grande patrimônio da música nacional na visão dos críticos.

Coube aos tropicalistas – em ação comandada por Caetano Veloso – mudar (um pouco) a percepção recorrente da obra de Roberto ao avalizar a produção musical do compositor, que, a partir de 1969, seria gravado por cantoras como Gal Costa e Elis Regina (1945 – 1982), esta de início ferrenha detratora do pop juvenil das tardes de domingo.

Ao montar e analisar esse painel histórico da relação de Roberto Carlos com a crítica musical, Tito Guedes recorre à teoria do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930 – 2002), defensor do conceito de “capital cultural”, aplicado por Guedes à tese que expõe no livro.

Donatários desse “capital cultural”, os críticos musicais teriam legitimidade – atribuídas inclusive pela força dos veículos de mídia nos quais exercem o ofício de analistas de discos – para conceituar e avalizar (ou não) a obra de um artista.

No caso de Roberto Carlos, a questão se tornou especialmente complexa ao longo dos anos 1970, década em que o cancioneiro do cantor e compositor se tornou predominantemente romântico, em universo tão particular que impediu a entrada do artista no panteão da MPB – então no auge do prestígio entre os críticos – por conter signos em comum com a canção sentimental brasileira, a música dita cafona.

Nesse contexto, os críticos de música popular foram agentes propagadores de conceitos de dominação cultural ao referenciar a MPB e a bossa nova como os padrões de música boa (referências que persistem em 2021 e que geram pré-conceitos com o indie pop brasileiro e com gêneros atualmente hegemônicos no mercado nacional, como o funk e o sertanejo).

A supremacia intocável da MPB foi questionada corajosamente por Nara Leão (1942 – 1989) em 1978, ano em que a cantora – musa involuntária da bossa – decidiu dedicar álbum inteiramente ao cancioneiro de Roberto Carlos e Erasmo Carlos.

Provocador até no título, o álbum ...E que tudo mais vá pro inferno abriu caminhos para que, décadas depois, intérpretes como a cantora Maria Bethânia também aceitassem gravar songbook com as canções do Roberto (álbum de 1993 apontado como abordagem “chique” do cancioneiro popular do artista).

Ao reapresentar trechos de críticas dos anos 1980 e 1990, Tito Guedes aponta a tendência dos críticos dessas épocas de enquadrar a obra de Roberto Carlos como repetitiva (na década de 1980) e decadente (na década de 1990) – qualificações corroboradas pela irregularidade crescente dos álbuns lançados anualmente por Roberto Carlos em tradição fonográfica encerrada somente em 1997 (desde então, o cantor apresentou somente dois álbuns com músicas inéditas, Amor sem limite e Pra sempre, editado em 2000 e 2003, respectivamente).

Sem tomar partido nem dos críticos nem de Roberto Carlos, Tito Guedes apresenta narrativa pertinente e interessante – muito mais aliciante para jornalistas, artistas e demais profissionais do meio cultural do que para o vasto público consumidor da música de Roberto... – que poderia ter resultado ainda mais contundente se o autor tivesse enfatizado que a produção da crítica musical é comumente consumida por público leitor que, além de se afinar com a visão dos críticos que lê e elege, geralmente espera destes o aval ou a rejeição de artistas que ambos, críticos e leitores, idolatram ou minimizam.

Feita a ressalva, um dos maiores charmes do livro é a exposição do caráter mutante do juízo sobre a obra do artista, especialmente sobre a produção fonográfica da época da Jovem Guarda.

Geralmente recebidos com desprezo pelos críticos atuantes nos anos 1960, os álbuns da fase 1965 – 1969 estão atualmente alçados ao posto de clássicos da produção fonográfica de Roberto Carlos e mesmo da música brasileira, numa prova de que, para o bem ou para o mal, o tempo é o verdadeiro rei na avaliação de qualquer disco ou obra.


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