Marcapasso e crença
25/09/2019 11h23Fonte Thiago Fávero
Imagem: DivulgaçãoClique para ampliar
Imagine a consciência de um ser vivo de outra espécie como as batidas do coração saudável... constantes, previsíveis, homogêneas, imperturbáveis. Sem dúvidas, reflexões ou questionamentos.
Não é assim o comportamento das outras vidas?? Não é assim pra muitos seres humanos??
Agora, imagine um coração com disritmia cardíaca ou batimentos irregulares.. se para o coração isso não é um bom sinal, pra essa metáfora é a expressão de uma consciência avançada, mais expandida e sensível à realidade em tempo real. Mais desnuda da carapaça de adaptação, que é uma especialização, que faz da percepção um nicho. Um coração sensível ao toque da realidade, em seu ritmo, aos atritos, cheio de dúvidas, porquês e algumas certezas profundas.
Pense em outro coração que apresenta disritmia mas, então, a pessoa, dona dele, vai num médico espiritual e ele coloca um marcapasso chamado crença mitológica. Pronto, cabô. A sensibilidade aflorada ao mundo, a consciência despertando pra única realidade, volta a adormecer num oceano de certezas e crenças supostamente irrefutáveis que reconstituem seu auto-centrismo.
Aquela áspera sensação de não ter camada de ozônio, de estar com o corpo nu, exposto aos ventos da noite, das verdades absolutas, que força o acender do calor dos sentimentos mais puros e fortes, dá lugar ao pensamento positivo de estar tudo certo, de pertencer à realeza divina, do universo girar em torno do próprio umbigo, de achar que um terreno no céu já está no papo, enfim, de desprezar a única realidade em que se vive por uma fantasia. Sem mais sentir os tambores dos segundos, o coração, com a ajuda de um artifício, volta a bater daquele jeito, que faz a gente esquecer que o mundo é agora, etc
Este "religar ao divino", na verdade, é um religar ao auto-centrismo animal, que é o oposto do divino. O divino é o extraordinário fato de existir, no agora, de ser vida, e de saber disso profundamente.. que é substituído por cantos de sereias que os colocam de volta ao centro de seus mundos, conformados, convictos e alienados do que não querem saber, dos fatos que os desagradam, que os tornam inquietos, tristes e temerosos.
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