Marilene Galvão, pioneira voz feminina do universo sertanejo, deixa obra que foi da doçura à sofrênc
25/08/2022 16h25Fonte G1
Imagem: DivulgaçãoClique para ampliarMarilene Galvão (1942 ? 2022) morre aos 80 anos após trajetória artística de 73 anos
Em dezembro de 2020, o festival Vozes da melhor idade – produzido e dirigido por Thiago Marques Luiz – promoveu o último encontro em cena das irmãs que formaram a dupla sertaneja As Galvão.
Foi a derradeira aparição pública de Marilene Galvão (27 de abril de 1942 – 24 de agosto de 2022), cantora e instrumentista – hábil no manuseio da viola e do violão – de grande importância no Brasil sertanejo.
Seis meses depois, em junho de 2021, Mary Galvão anunciou oficialmente o fim da pioneira dupla. Ontem, às 14h30m, ocorreu a definitiva saída de cena de Marilene, morta aos 80 anos em hospital da cidade de São Paulo (SP), em decorrência de complicações derivadas do mal de Alzheimer.
Quem cresceu ao som de Marília Mendonça (1995 – 2021), cantora que deu voz ativa às mulheres no universo sertanejo ao longo dos anos 2010, provavelmente desconhece o pioneirismo de Marilene e Mary Galvão nesse território historicamente masculino e machista, sobretudo na década de 1940.
Quando as Irmãs Galvão entraram em cena, em 1947, mulheres não compunham e davam voz às próprias músicas no mercado sertanejo. Até porque quase não havia mulheres cantoras nesse gênero originalmente ruralista que começou a brotar oficialmente em 1929.
Antes das Irmãs Galvão, havia somente as Irmãs Castro, intérpretes originais de Beijinho doce (Nhô Pai, 1945), o standard caipira que ficou associado às vozes das Galvão na história da música brasileira.
Mary Galvão nasceu em Ourinhos (SP) em 1940. Marilene veio ao mundo dois anos depois em Palmital (SP). Mas a dupla foi criada em Sapesal (SP) em julho de 1947. E foi numa quarta cidade do interior de São Paulo, Paraguaçu Paulista (SP), que as irmãs entraram em cena pela primeira vez em emissora local de rádio, ainda crianças.
De rádio em rádio, as Irmãs Galvão chegaram ao disco. Em 1955, contratada pela gravadora RCA-Victor, a dupla gravou single de 78 rotações com as músicas Carinha de anjo (Paschoal Yanuzzi e Fábio Mirhib) e Rincão Guarani (Maurício Cardozo Ocampo, Diogo Mulero Palmeira e Centorion).
Repleta de toadas, modas de viola e rasqueados, a discografia das Irmãs Galvão seguiu regular até o fim dos anos 1980, década em que as irmãs emplacaram o sucesso No calor dos teus abraços (Cecílio Nena e Nicéas Dumont, 1975) e década também em que a desbravadora compositora Roberta Miranda conseguiu a chance de se lançar como cantora com repertório dominado por músicas autorais.
Roberta abriu outras alas femininas no universo sertanejo, àquela altura já eletrificado e cada vez mais urbano. Foi quando, a partir dos anos 1990, as Irmãs Galvão – que passaram a se apresentar como As Galvão a partir de 2002 por crença na numerologia – começaram a se tornar vozes associadas a uma música sertaneja de molde mais genuinamente caipira, já restrita a nichos do mercado e sobretudo aos rincões da memória do Brasil rural.
Presas a um passado glorioso, as Galvão festejaram em 2017 sete décadas em cena com os lançamentos do DVD Soberanas – 70 anos ao vivo e do documentário Eu e minha irmã – A trajetória das Irmãs Galvão, dirigido por Thiago Rosente.
Ambos eternizam a história de dupla que fica perpetuada na memória afetiva sertaneja, mesmo desfeita definitivamente ontem com a morte de Marilene Galvão, pioneira voz feminina que, de acordo com os códigos e as leis do mercado da época da artista, cantou a sofrência e também a doçura do Brasil rural.
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