Olhos no horizonte
02/09/2019 10h36Fonte Miriam Leitão - G1.
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Eles esperaram por setembro porque então veriam o céu azul e um sol morno os aqueceria, a brisa viria do mar avisando notícias de outras terras e elas seriam boas, os amigos de vários lados se encontrariam, contando como sobreviveram ao inverno. Eles viveram suas dores, suas angústias e dúvidas, certos de que algo melhor chegaria e prometendo para si mesmos a volta da alegria, quando setembro viesse.
Foi árduo atravessar todos aqueles meses, os primeiros, vivendo dia a dia a mesma tribulação, tomando sustos diários, se espantando, encurralados, com a vida cotidiana. A adversidade, diziam para se consolar, nos dará força para valorizar o que vier depois. Mas, por que setembro? Perguntavam os céticos.
Ora, porque sempre se esperou por setembro. É da natureza do mês ser esperado, porque no Norte o tempo mais seco lhes permitiria ver as ilhas e chegar às praias e se poderia pôr os pés na areia que o rio lavou durante todo o tempo das chuvas. Por fim, eles poderiam olhar as árvores de baixo e, nesta perspectiva, elas parecem eternas. No Sul, o sol espantaria o frio, mas não seria calor ainda. A amenidade lhes faria bem. Nesse intervalo entre extremos, eles então descansariam da guerra que exauriu forças e os abateu, erodindo certezas. Nas terras secas, haveria chuva e aquele cheiro de terra molhada lembraria os recomeços da esperança. Nas savanas e nos campos das árvores baixas, o vento passaria para dar a notícia de que a chuva estava a caminho. A boa nova seria levada ao planalto, onde mais se sonhava pelo alívio das águas tardias. Essa era a resposta que dariam aos céticos.
Eles contaram as horas, contaram os dias, contaram-se uns aos outros os casos que sempre se soube que ocorreriam, mas os prejuízos havidos foram maiores do que os temidos. O sinistro deixara terra arrasada em todas as terras e por isso eles esperavam por setembro, apenas porque era necessário aguardar por algo, era preciso olhar o horizonte e ver chegar a alvorada.
Viveram naquele inverno o tempo do desconsolo. Então, se abrigaram em si mesmos, aqueceram corações, abraçaram os filhos e visitaram os poetas. Ainda assim, foram fustigados pelo mau tempo que entrou por frestas de janelas e portas, assombrou as noites e os inquietou. Por isso, fizeram planos para setembro. E sonharam sonhos de alívio e frescor. Pediram ao vento, ao sol morno, às areias lavadas e às grandes árvores que abrissem a terra do meio para que pudessem fazer uma suave travessia.
Contudo, o fogo chegou inesperado e sufocante, apagou o céu, aprisionou o vento, perdeu as águas e levou as árvores para um sei lá que lugar, um não lugar, onde eles não poderão mais vê-las, nem sentar sob suas sombras, nem pensar sobre a existência.
E quanto a setembro? Adiou-se. Atrasou-se. Disse que virá, como um evento calendário. Apenas. Ele também perdido do seu sentido mais profundo. Adiados estão a primavera, o tempo da chuva nas terras secas, o tempo do sol nas terras úmidas, o colorido das flores e folhas, o vento e a brisa, as areias e os rios, o namoro dos pássaros, a grandeza das copas das árvores. Eles então decidiram esperar uma vez mais. Quem os viu, conta que eles continuam lá de olhos no horizonte.
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