Patrícia Ahmaral revitaliza a tropical melancolia de Torquato Neto em disco com letras do poeta angu

19/11/2022 12h18


Fonte G1

Imagem: DivulgaçãoClique para ampliarPatrícia Ahmaral(Imagem:Divulgação)Patrícia Ahmaral

Associada ao universo da Tropicália e às vozes de Gal Costa (1945 – 2022) e Gilberto Gil, entre outros cantores associados ao movimento pop de 1967 / 1968, a obra musical do poeta piauiense Torquato Pereira de Araújo Neto (9 de novembro de 1944 – 10 de novembro de 1972) vem atravessando gerações pela inquietude de versos que combinam lirismo, melancolia e amargura sem cair no sentimentalismo.

Pela brasilidade universal do cancioneiro do poeta, é até surpreendente que somente neste mês de novembro de 2022 – quando se completam 50 anos da voluntária saída de cena do artista – surja no mercado fonográfico nacional um songbook com gravações inéditas das músicas que têm letras de Torquato Neto.

Aliás, um songbook duplo da cantora mineira Patrícia Ahmaral, pois o álbum Um poeta desfolha a bandeira – Patrícia Ahmaral canta Torquato Neto 1 – posto no mundo em 10 de novembro – é a primeira parte de obra que, em janeiro de 2023, gera um segundo volume, A coisa mais linda que existe – Patrícia Ahmaral canta Torquato Neto 2.

Esse segundo volume evidenciará o repertório mais explicitamente amoroso do poeta, formado por canções como Pra dizer adeus (Edu Lobo e Torquato Neto, 1967), A coisa mais linda que existe (Gilberto Gil e Torquato Neto, 1968) e Um dia desses eu me caso com você (Paulo Diniz e Torquato Neto, 1984), entre outras.

Gravado sob direção artística de Zeca Baleiro, o álbum duplo de Patrícia Ahmaral procura atualizar musicalmente, sem lançar mão de recursos modernosos, o repertório desse poeta letrista situado à margem, ainda que, no posto de um dos principais letristas do cancioneiro Tropicalista, a obra de Torquato tenha ficado sob os holofotes dos festivais no período de explosão do movimento.

Marginália II (Gilberto Gil e Torquato Neto, 1968), a propósito, é o nome da primeira das nove músicas alinhadas por Patrícia Ahmaral no primeiro volume de disco originado de show feito pela cantora em 1998 com a obra musical de Torquato Neto – show retomado em 2018, vinte anos depois.

A presença em Marginália II do duo Moda de Rock – formado pelos violeiros Ricardo Vignini e Zé Helder – reaviva o espírito tropicalista ao mixar a tradição ruralista da viola com o sotaque da música urbana na gravação formatada pelos produtores musicais Gigi Magno e Walter Costa. O canto de Ahmaral rumina a amargura dos versos do poeta.

Na sequência, Ai de mim, Copacabana (Caetano Veloso e Torquato Neto, 1968) – originalmente uma marchinha na gravação lançada por Caetano em single de 1968 com letra escrita por Torquato com inspiração na crônica Ai de ti, Copacabana! (1962), do escritor Rubem Braga (1913 – 1990) – flui bem fora do clima carnavalesco na gravação feita com produção musical de Rogério Delayon e arranjo dos músicos da faixa.

Já Lets play that (Jards Macalé e Torquato Neto, 1972), composição mais fora curva do cancioneiro do poeta (ainda que a letra preserve a coloquialidade da escrita de Torquato), é valorizada no disco por ter a presença e o arranjo de Jards Macalé, encarnação do “anjo torto muito doido” no canto e no toque do violão, o mesmo usado por Macalé na gravação original lançada há 50 anos no primeiro álbum do artista carioca.

Canção noturna para sempre ligada ao canto de Gal Costa, Três da madrugada (Carlos Pinto e Torquato Neto, 1973) ressurge levemente climática com piano, synths, loops e efeitos de Marion Lemonnier, coprodutor da faixa.

Música associada a Gil, parceiro de Torquato na composição, mas a rigor lançada nas vozes de Elis Regina (1945 – 1982) e Jair Rodrigues (1939 – 2014) em disco ao vivo de 1966, Louvação é refeita por Patrícia Ahmaral no ritmo do coco de Arcoverde (PE), gênero do agreste de Pernambuco, estado de onde vem a Banda de Pau e Corda, convidada da cantora na gravação produzida por Alexandre Baros e arranjada por Zé Freire, violonista da banda.

Já Geleia geral (Gilberto Gil e Torquato Neto, 1968) se ressente da inevitável comparação com a gravação original orquestrada pelo maestro tropicalista Rogério Duprat (1932 – 2006), ainda que o arranjo do disco de Ahmaral tem vigor.

Mamãe, coragem (Caetano Veloso e Torquato Neto, 1968) se nutre da harmonia e paradoxal estranheza entre os cantos de Patrícia Ahmaral e Maurício Pereira na gravação adequadada arranhada pela guitarra de Tonho Penhasco e arrematada com citação solta de Deus vos salve essa casa santa (Caetano Veloso e Torquato Neto, 1968).

Parceria póstuma de Chico César com Torquato Neto, Quero viver (2015) pulsa com vitalidade ao cair em suingue tropical no arranjo repleto de latinidade que mistura congas e guitarra baiana. A presença vivaz de Chico, que cita sagaz e incidentalmente Soy loco por ti América (Gilberto Gil e José Carlos Capinan, 1967) no canto, faz da faixa um dos pontos mais luminosos do álbum O poeta desfolha a bandeira.

No fecho do disco, gravado entre abril de 2021 e setembro deste ano de 2022, outra parceria póstuma de Torquato Neto – Cogito (2014), com Rogério Skylab – se mostra na forma de melodiosa canção, pondo em primeiro plano os versos de poeta que que viveu tranquilo e angustiado “todas as horas do fim”, possivelmente intuindo a atemporalidade dos versos ora políticos ora existencialistas que se revitalizam no canto de Patrícia Ahmaral.

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Tópicos: disco, poeta, grava??o