Planet Hemp mantém o ritmo e a raiva no discurso ativista e atual do álbum "Jardineiros"
28/10/2022 14h27Fonte G1
Imagem: DivulgaçãoClique para ampliarPlanet Hemp mantém o ritmo e a raiva no discurso ativista e atual do álbum "Jardineiros"
A senha para o entendimento de Jardineiros – quarto álbum de músicas inéditas do grupo carioca Planet Hemp em 30 anos – reside no questionamento feito em uma das 36 imagens que compõem o mosaico da capa produzido pela banda com Mario Caldato Jr e Nave.
“Com quantos pobres se faz um rico?”, perguntam Marcelo D2 (voz), BNegão (voz), Nobru Pederneiras (guitarra), Formigão (baixo) e Pedro Garcia (bateria) nessa imagem.
Ainda que 22 anos separem Jardineiros do último álbum de repertório inédito da banda carioca, A invasão do sagaz homem fumaça (2000), o abismo social do Brasil continua profundo, tendo sido mais cavado nos últimos anos. Essa distopia faz com que o Planet Hemp soe extremamente atual ao manter o ritmo e a raiva no discurso ativista do álbum Jardineiros.
O som incorporou o toque contemporâneo do trap, presente no incendiário punk rap Taca fogo (Marcelo D2, Nobru e Nave), por exemplo. Já o discurso do Planet Hemp vocifera contra o status quo que oprime e tenta calar pretos, pobres e – no universo particular da banda – usuários de maconha, público-alvo de D2 e Cia.
“Pastor em nome de Deus / Se junta a miliciano/ O diabo já tá aqui / E o povo passando pano”, dispara o Planet Hemp nos versos de Eles sentem também (Marcelo D2, BNegão, Nobru, Formigão, Pedro Garcia, Pedro Augusto e Nave).
Na luta contra o sistema, a legalização da maconha continua sendo o assunto recorrente – e, por isso mesmo, por vezes repetitivo – do repertório da banda. Em Ainda (Marcelo D2, Laudz e Zegon), rap de groove funkeado que ecoa o Miami Bass com vocais límpidos, gravado pelo grupo com a adesão do duo Tropkillaz, o Planet Hemp defende inclusive a maconha para uso medicinal na letra de versos autorreferentes.
Contudo, é quando o som do álbum Jardineiros adquire mais pressão, como no punk hardcore Fim do fim (Rodrigo Lima e Nobru) e no pulso roqueiro de Veias abertas (Marcelo D2, BNegão. Nave e Nobru), que o disco cresce e expõe a força inexorável de grupo que mantém a cabeça e a voz levantadas contra toda forma de opressão.
Principal bandeira hasteada pelo Planet Hemp desde o primeiro álbum, Usuário (1995), a descriminalização da maconha simboliza a luta política da banda contra o autoritarismo que, na guerra cotidiana da selva das cidades, acaba vitimando pretos e pobres, alvos preferenciais das balas supostamente perdidas.
Com o álbum Jardineiros, o grupo vai novamente para a trincheira sem se intimidar e não é por acaso que o disco abre com a voz de Marcelo Yuka (1965– 2019) sentenciando que “Quando o instrumento do medo não funciona, a gente adquire um poder inimaginável”.
Extraída de entrevista concedida por Yuka em 2016, a voz do ativista é ouvida na introdução intitulada justamente Marcelo Yuka, ponto de partida de álbum que, além dessa introdução, alinha 11 músicas e uma vinheta em 13 faixas que totalizam 37 minutos e meio.
O papo do Planet Hemp é reto, direto. A grande maioria das faixas dura menos do que três minutos. Tempo suficiente para a banda fazer as cabeças de novos e antigos ouvintes.
Para os que estão chegando agora, o rap O ritmo e a raiva (Marcelo D2, Gustavo Black Alien, Pedro Garcia e Nobru) reconta a saga da ex-quadrilha da fumaça com a adesão vocal de Black Alien, rapper que integrou a banda na década de 1990.
A letra extrapola o caráter biográfico ao atualizar o discurso e ao mandar recado nos versos “E quanto mais o tempo vai passando / Vai saindo gente do esgoto / Apoiando fascistas / E transformando em mitos / Esses vermes escrotos / É contra isso a nossa batalha / O bagulho apenas começou / É o ritmo e a raiva / Viemos aqui pra tocar o terror” .
O aviso é dado pelo Planet Hemp na letra que cita nominalmente Skunk, nome artístico de Luís Antônio da Silva Machado (1967 – 1994), mentor da banda que fundou em junho de 1993 ao lado de Marcelo D2.
Entre acenos ao passado e a busca pelo som do presente, sinalizada na colaboração com o trapper argentino Trueno na faixa bilíngue Meu barrio (Marcelo D2, BNegão, Trueno, Nobru, Tatool e Nave), a banda viaja na cadência jamaicana de Amnésia (Marcelo D2, BNegão e Nobru) – lembrando que reggae e ragga são gêneros musicais também presentes na mistura explosiva do som do grupo – e se deixa levar pela levada quase meditativa de Onda forte (Marcelo D2, BNegão e Nave), faixa que sampleia gravação de MC Carol.
Por mais que a temática de músicas como Jardineiro (Marcelo D2 e BNegão) e Remedinho (Marcelo D2 e Apollo 9) soe repetitiva, o álbum resulta poderoso no conjunto da obra porque, em essência, o Planet Hemp replanta em Jardineiros a semente da consciência social de que é preciso lutar, em todas as trincheiras, por um Brasil mais justo e livre. Por isso mesmo, mantenha o respeito por essa banda!
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