Salgueiro mostrará manifestações culturais para fechar o corpo
24/02/2025 16h36Fonte Agência Brasil
Imagem: Roberto Narciso/Divulgação
Detalhe de uma alegoria da escola Salgueiro.
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Salgueiro de corpo fechado é o enredo que a vermelho e branco da Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, leva este ano para a Avenida Marquês de Sapucaí. É sobretudo um resgate de uma linha de desfiles da escola que muitas vezes defendeu títulos com temas de origem africana.
O carnavalesco Jorge Silveira disse que o desfile é um retorno da escola à sua raiz afro-brasileira e “um mergulho sério e profundo na diversidade das culturas religiosas do Brasil”.
De acordo com o carnavalesco, o Salgueiro se propõe a fechar o seu próprio corpo para atravessar a maior encruzilhada do sambista, a Marquês de Sapucaí, e vai fazer isso recorrendo a toda sua memória afetiva, aos seus símbolos mais fortes. “É o Salgueiro descendo o Morro do Salgueiro para poder disputar o carnaval, para poder atravessar aquela jornada de uma forma material e de uma forma espiritual. Nosso enredo consiste em traduzir na avenida todos os rituais ou grande parte dos rituais de fechamento de corpo nas mais diferentes culturas religiosas brasileiras”, afirmou.
Imagem: Comunicação Salgueiro/DivulgaçãoClique para ampliar
Carnavalesco Jorge Silveira, do Salgueiro.
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O pesquisador do Salgueiro, Leo Antan, lembrou que o Salgueiro tem esse pioneirismo de apresentar enredos afro desde a década de 60 com Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues, carnavalescos que marcaram a história do carnaval carioca, por traduzirem essa cultura de enredos africanos e de enredos que falam das histórias negras.
“A gente segue nessa vertente acreditando em um reencontro do Salgueiro com a identidade dele mesmo. Reafirmando essa identidade e trazendo de volta essa postura do Salgueiro”, disse Antan à Agência Brasil.
Enredo
Desta vez, a história começará a ser contada a partir da chegada na Bahia de africanos muçulmanos escravizados e da herança que veio, sobretudo, dos povos mandingas de Mali, no Norte da África. Vai passar também outros aspectos da busca da proteção.
“Essa cultura trazida para o Brasil, das chamadas bolsas de mandingas, reflete em vários rituais e elementos da cultura brasileira de maneira geral. A gente passeia desde a Bahia com a chegada desses escravizados chamados escravos malês, passamos também pelo nordeste com a cultura do cangaço, por elementos indígenas, até chegar nas umbandas e nos candomblés cariocas”, explicou.
Leo Antan revela como o enredo, que passeia por regiões da cultura brasileira e geográficas também, será mostrado na avenida. “A gente tem na abertura um olhar para o próprio Salgueiro, o Morro do Salgueiro descendo para a avenida e fechando o seu próprio corpo. A partir disso, a gente começa a parte mais histórica que passeia pelo Império Mali, do povo mandinga. A gente fala da Bahia e de como esses escravos africanos chegaram ao Brasil. Da Bahia a gente continua no Nordeste para falar do cangaço que se protegia e trouxe amuletos e patuás. O quarto setor é indígena, então, a gente passa pelo Norte e Nordeste com grande influência indígena, e nos dois últimos setores a gente volta para o Rio [de Janeiro] para falar da umbanda e do candomblé cariocas, da Lapa, desse universo da malandragem carioca”, descreveu.
Antan disse que o enredo foi resultado de um longo processo que desenvolveu com o carnavalesco Jorge Silveira e o enredista Igor Ricardo, ainda no pré-carnaval. “A gente teve algumas outras opções durante essa preparação, mas falou mais alto o desejo da direção da escola de fazer um tema que voltasse para essa religiosidade africana. Aí a gente chegou nessa ideia pesquisando a religiosidade brasileira de fazer esses rituais de fechamento do corpo”.
O desejo da diretoria da escola de samba era também o dos componentes, que se identificam muito com os enredos afro. “Eles adoram. A gente percebe nos ensaios essa alegria do salgueirense poder se reencontrar e reafirmar isso de maneira muito forte”, observou.
Imagem: Roberto Narciso/Divulgação
Alegoria da Escola de Samba Salgueiro
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Para o pesquisador, o samba também ajudou nessa identificação da comunidade salgueirense. “A gente teve também a felicidade de escolher um samba incrível, que tem um refrão muito forte, que chama a comunidade. A gente tem visto essa felicidade com satisfação de se reconhecer. É muito importante uma escola de samba gerar esse reconhecimento da comunidade e eles comprarem e se sentirem pertencentes à ideia”, disse.
De acordo com Leo Antan, o público pode esperar um desfile com a identidade do Salgueiro, garantindo que, apesar de trazer temas que já foram até mostrados na avenida, a escola vai surpreender.
“Vamos ter efeitos em alegorias. A gente tem uma equipe de Parintins muito capacitada que trabalhou em todas as alegorias. É uma aposta nesse sentido de inovação e de buscar novos signos para esses elementos das religiões de matriz africanas que a gente já viu bastante nos desfiles, mas também com a identidade do Salgueiro, quanto do Jorge Silveira, que é o carnavalesco que tem o traço muito particular também”, adiantou.
Parintins
Segundo Antan, a junção das alegorias com tecnologia de Parintins e iluminação programada conforme a escola vai se apresentando é um bom casamento que tem dado bons resultados, e com o Salgueiro não é diferente. “A gente teve já nos últimos carnavais alegorias que se destacaram com esses profissionais, o São Jorge da Vila Isabel [alegoria sensação do carnaval de 2023] e outras alegorias. Então, a gente contratou uma equipe que ficou exclusiva do Salgueiro. São 12 profissionais que vieram do festival [de Parintins] para fazer todas as esculturas e movimentos das nossas alegorias”, revelou o pesquisador.
Imagem: Jucelino Belém Ribeiro /Arquivo pessoalClique para ampliar
Jucelino Belém Ribeiro artista de Parintins trabalha nas alegorias do Salgueiro.
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“Eu estava assistindo [na TV] e veio aquela peça do São Jorge e me arrepiou. Eu sabia que eram uns amigos meus que construíram. Foi um orgulho muito grande para nós. É a evolução que fica marcada. A gente quer um diferencial para deixar alí, marcado na escola ou no carnaval. São Jorge vai ser lembrado por muitos anos”, garante o artista do Boi Caprichoso Jucelino Belém Ribeiro.
Este ano é o primeiro que ele trabalha no Salgueiro, mas desde 2007 já pôde dividir a sua experiência em outras escolas. A primeira foi a Unidos de Vila Isabel, escola da zona norte do Rio de Janeiro. No início era pintor de arte, e na época em que trabalhou com o ex-carnavalesco da Imperatriz Leopoldinense Cahê Rodrigues, entre 2014 e 2017, passou a ser ferreiro. Jucelino faz parte de uma equipe de Parintins que veio para o Rio para desenvolver a tecnologia do Boi-bumbá no Grupo Especial.
A imagem que via, lá em Manaus, na transmissão dos desfiles, foi o que despertou a vontade de participar desse universo.
“Agora a gente já tem mais experiência na tecnologia. É a nossa diferença, principalmente na parte da robótica, com alegorias que se mexem. As coisas todas evoluem e vem todo mundo de lá [Parintins]. A gente faz uma maquete e começa a construção. É assim que funciona”, explicou.
Nesses anos de função no Rio de Janeiro, Jucelino teve oportunidade de integrar uma equipe campeã. “Foi o ano em que a professora Rosa Magalhães foi campeã. Foi meu último ano que trabalhei lá na Vila”, lembrou.
Jucelino chegou a ficar afastado do carnaval do Rio, mas não resistiu ao contato do Salgueiro. “A diretoria foi até Parintins, a gente teve uma conversa, apresentou o projeto, e isso me interessou. Foi por isso que eu voltei para o carnaval depois de 5 anos. O Salgueiro vai surpreender e muito”.
Costureira
Luciene Ferreira Moreira, 62 anos de idade, é costureira do Salgueiro há 19 anos, e desde o ano passado coordena o setor importante para o visual da escola. Ela trabalha no barracão na produção de fantasias da comunidade, que são distribuídas pela própria escola, como das baianas, passistas e alas comerciais.
“O meu sentimento é um sentimento gratificante de ser salgueirense e estar fazendo a roupa. É a minha escola de coração. Para as pessoas que trabalham na escola de coração, é mais gratificante ainda”, disse à Agência Brasil.
“Eu caio em pratos”, revela Luciene ao expressar a emoção que sente ao ver no desfile as fantasias que produziu no barracão. “Quando o meu amigo falou a escola está linda, a lágrima desceu e não parei mais de chorar. Só parei de chorar quando cheguei perto do Xande de Pilares. Ele é a alegria, ele é o cara”.
O cantor, compositor e ator Xande de Pilares, morou parte da infância no Morro do Turano, na Tijuca, e passava momentos na quadra do Salgueiro.
A proximidade da costureira com o artista foi fortalecida durante uma visita dele ao barracão. “Ele fez uma melodia para mim, na hora”.
Luciene disse estar animada com a expectativa do desfile. “O samba é muito forte, fala de macumba mesmo, porque, graças a Deus, eu sou espírita, e só de falar eu adorei as almas, arrepia a gente e vai arrepiar na avenida com as fantasias também”, assegurou.
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