"Samba esquema novo" de Beth Carvalho é historiado com paixão em livro sobre o disco "De pé no chão"
19/12/2022 15h08Fonte G1
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Dos 23 álbuns gravados em estúdio por Beth Carvalho (5 de maio de 1946 – 30 de abril de 2019) entre 1969 e 2011, o sétimo, De pé no chão, é justificadamente o mais comentado e dissecado pela revolução causada no mundo do samba por esse disco lançado em 1978.
Para estudiosos do samba e para admiradores mais informados da cantora carioca, a narrativa construída pelo jornalista Leonardo Bruno nas 152 páginas de O livro do disco – De pé no chão – Beth Carvalho apresentará baixo teor de novidade. Ainda assim, o título dedicado ao inovador álbum de Beth na série O livro do disco merece menção honrosa na coleção da editora Cobogó.
Notório conhecedor do universo do samba, Leonardo Bruno historia com precisão, objetividade jornalística e paixão o disco surgido do encontro da cantora, em 1977, com os bambas então desconhecidos que se reuniam às quartas-feiras na quadra do bloco Cacique de Ramos, no subúrbio carioca, para armar roda de samba sob a lendária tamarineira fincada no terreno situado na Rua Uranos, 1.326.
Após expor brevemente o percurso fonográfico de Beth Carvalho, o autor narra a chegada da cantora na quadra, a progressiva intimidade e respeito conquistados com os músicos da roda – a ponto de a já famosa cantora ter dormido na sala da casa de Jorge Aragão na noite em que precisava descansar brevemente antes de ir para o aeroporto pegar avião na manhã seguinte – e os problemas naturais decorrentes da decisão de Beth de levar os bambas para o estúdio para tentar reproduzir no disco a sonoridade nova que ouvira na quadra do Cacique de Ramos.
Através de entrevistas realizadas com Beth, com o produtor musical Rildo Hora (piloto dos discos de Beth de 1976 a 1984, período que quase cobre a passagem da cantora pela gravadora RCA), com ritmistas como Ubirany (1940 – 2020) e com os engenheiros de som Luiz Carlos T. Reis e Mario Jorge Bruno, o autor reconstitui o clima das gravações do álbum De pé no chão – e, nesse quesito, reside o maior mérito do livro.
Como os bambas do Cacique de Ramos puseram na roda instrumentos então novos como o tantã (idealizado por Sereno), o repique-de-mão (criado por Ubirany) e o banjo formatado por Almir Guineto (1946 – 2017) com Mussum (1941 – 1994), tanto o produtor quanto os técnicos tiveram que testar como o som reverberava com a roda armada no estúdio.
Bruno conta que, para tentar ser o mais possível fiel ao clima da quadra do Cacique, Beth Carvalho pediu à direção da gravadora RCA permissão para oferecer rodadas de cervejas e tira-gostos no estúdio – outra inovação, já que, na época, a companhia restringia o consumo de alimentos e bebidas alcóolicas no ambiente de gravação dos discos.
Além de dissecar a criação da capa (fotografada por Ivan Klingen in loco, ou seja, na quadra do Cacique) e de comentar o repertório lapidar do disco, formado por partidos altos do quilate de Ô Isaura (Rubens da Mangueira, 1978), Marcando bobeira (João Quadrado, Beto Sem Braço e Dão, 1978) e Goiabada cascão (Wilson Moreira e Nei Lopes, 1978), mas impulsionado nas rádios pelo estouro imediato de Vou festejar (Jorge Aragão, Dida e Neoci Dias, 1978), Leonardo Bruno faz a narrativa avançar sobre outros álbuns de Beth, notadamente o disco posterior No pagode (1979), e sobre a explosão do pagode carioca ao longo dos anos 1980, chegando até o show comemorativo dos 40 anos do álbum em 2018.
O estouro dos bambas do Fundo de Quintal foi efeito direto da revolução causada por De pé no chão, álbum de peso comparado pelo autor apaixonado ao impacto de Chega de saudade (João Gilberto, 1958), disco lançado 20 anos antes que se tornara a pedra fundamental da bossa nova.
A paixão é exercida por Bruno com o pé no chão na narrativa do livro lançado em setembro. Afinal, o samba esquema novo de Beth Carvalho abalou as estruturas do pagode e, desde então, nada foi mais do jeito que já tinha sido um dia nas quadras do Brasil.
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