Zudizilla proclama vitória na via-crúcis de Pelotas para São Paulo em álbum que expõe o rap do sul

02/03/2022 11h30


Fonte G1

Imagem: ReproduçãoE por falar em cinema, o rap Matrix ? sustentado pelos beats de M2, codinome de Maurício Rodrigues Martins ? conecta Zudzilla ao rapper paulista Coruja BC1, parceiro e convidado na(Imagem:Reprodução)
  Nas quebradas de Guabiroba, bairro da periferia de Pelotas (RS), cidade gaúcha onde nasceu há 36 anos e onde entrou no mundo do hip hop, Júlio Cesar Correa Farias já foi chamado de Maninho pelos manos conterrâneos e mais velhos. Quando cresceu e apareceu além das fronteiras da cidade natal, Maninho passou a atender pelo nome de Zulu.

É com esse nome que o rapper gaúcho Zudizilla se apresenta em Zulu vol. 2 – De César a Cristo, álbum que lança em 15 de março com duas capas que se complementam.

Sequência de Zulu vol. 1 – De onde eu possa alcançar o céu sem deixar o chão (2019), álbum lançado há três anos, De César a Cristo expõe a continuação da via-crúcis do artista na travessia geográfica e existencial de Pelotas (RS) para São Paulo (SP), cidade onde Zudzilla vive desde 2018.

Zudizilla saiu de Pelotas (RS), mas a vivência da cidade continua a pautar o rapper, principal nome do universo hip hop gaúcho, território ainda desconhecido pelo Brasil.

Aos ouvidos do brasileiro de classe média que consome discos desde os anos 1980, Pelotas (RS) é cidade identificada no mapa musical do país pela Estética do Frio arquitetada por Vitor Ramil, fino estilista das milongas e outros ritmos do sul, em universo particular.

Zudizilla mostra que a chapa de Pelotas (RS) é bem mais quente e sem ponto de contato com a urbanidade tradicionalista de Satolep, a cidade construída no imaginário de Ramil.

Com 12 músicas inéditas, o álbum De César a Cristo inventaria as conquistas de Zudizilla ao mesmo tempo em que descortina o universo do rap do Rio Grande. No flow de músicas como Afortunado (Zudizilla e Dario), faixa gravada com Wesley Camilo, inexiste espaço para referências a símbolos típicos do universo musical dos Pampas.

Afiado ao apontar o racismo e a desigualdade social que estruturam a sociedade brasileira em benefício do povo branco, o discurso altivo de Zudizilla celebra os passos certos dados na via-crúcis da vida. “Daqui de cima / Enxergo mais longe / Eles se perdem / Eu sigo meu rumo”, avista o rapper em versos de Ra Un Nefer, parceria de Zudizilla com Cronista do Morro, MC baiana que solta o verbo nervoso na faixa, corroborando a fama conquistada nas quebradas de Salvador (BA).

O título do rap cita Ra Un Nefer Amen, líder espiritual africano. Zudizilla – cujo nome artístico alude a Godzilla, o monstro do cinema e dos quadrinhos que se tornou herói na luta do bem contra o mal – mantém o elo com a África.

E por falar em cinema, o rap Matrix – sustentado pelos beats de M2, codinome de Maurício Rodrigues Martins – conecta Zudzilla ao rapper paulista Coruja BC1, parceiro e convidado na criação e gravação da música.

Se os temas abordados por Zudzilla são universais, há versos com referências a bairros pelotenses na faixa Salve, rap turbinado com os scratches de DJ Micha e as batidas de Iniv Beats e Heron Franc. É como se o álbum, ao atestar a vitória do artista na travessia, fizesse questão de apontar o ponto de partida do MC. “Eu vim pra virar o disco”, resume o rapper em verso de Tela em branco (Zudzilla e Gian Lucas), faixa tingida com o canto soul de Monique Britto.

Rumos reitera o êxito da jornada pessoal de Zudizilla – “Vencedor e perdedor pra mim são meros rótulos / E que não tem propósito no código que me conduz / Foco até se falta luz” – com a adição do rap de Emicida e com o vibrante fraseado soul do cantor gaúcho Serginho Moah no refrão positivista da faixa (“Brilhou e vai brilhar ainda mais / Decolei, sou foguete rumo ao sol / O medo é grande, mas eu sou maior / E a Luz abrirá o caminho pra nós”).

Com músicas como Tudo agora e Hora dourada, parcerias de Zudizilla com Lucas Romero (a segunda com a adesão de Shaolin), o álbum De César a Cristo fornece a trilha sonora do ainda inédito curta-metragem Vozes do silêncio.

Com roteiro de Zudzilla e direção de Kaya Rodrigues e Luis Ferreirah, o filme reflete sobre a identidade do homem negro gaúcho e a invisibilidade do povo preto do sul do Brasil. Indissociável do disco, o curta Vozes do silêncio está programado para 9 de março, seis dias antes da edição deste álbum em que Zudzilla reúne produtores musicais e beatmakers como Selektah KBC (em Sonhos imperiais) e Duda Raupp (em Landau) e KVNZ (em Skit – Azul neon) para equilibrar o som e o discurso.

Disco pautado por emoções reais, De César a Cristo termina com Oyá, declaração de amor do rapper à mãe preta solteira que o criou e o preparou para enfrentar a via-crúcis na qual, embora ainda esteja no meio do caminho, Júlio Cesar Correa Farias proclama vitória por ter feito a coisa certa ao se inspirar em ídolos como o cineasta Spike Lee, o escritor Lima Barreto (1881 – 1922) e os rappers Emicida e Kendrick Lamar.

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Tópicos: faixa, rapper, zudizilla