Letra M, de Mãe: na era digital, mães contam como é criar os filhos sem saber ler

09/05/2021 09h12


Fonte G1


Imagem: ReproduçãoClique para ampliarMas, mesmo com todas as dificuldades, mães sem estudo podem contribuir para o desenvolvimento dos filhos de diversas maneiras.  ?A narração de histórias que não precisam ser lidas(Imagem:Reprodução)
 A gestação traz muitas dúvidas para mulheres que se preparam para ser mãe. Em geral, pesquisas na internet ou desabafos em grupos nas redes sociais ajudam a solucionar algumas delas. Para mulheres que não sabem ler, o apoio fica mais restrito.

Neste dia das mães, o G1 publica o minidocumentário "Letra M, de Mãe" sobre mulheres que tiveram dificuldades na criação dos filhos, por não terem estudos.

Simone de Souza, 48 anos, é uma dessas mulheres. Ela parou de estudar ainda criança para ajudar a cuidar dos irmãos em Belford Roxo, no Rio de Janeiro. Quando teve filhos, sentiu o impacto da falta de estudos para poder criar as crianças. Maria de Lourdes Ferreira, 62 anos, migrou do Rio Grande do Norte para o Rio de Janeiro quando ainda tinha 9 anos, para trabalhar em "casa de família". Pouco depois, também abandonou a escola. Sem instrução, pouco pode participar da vida escolar dos filhos.

Além de Simone e Lourdes, há ainda as histórias de Maria Cristina da Silva, 37 anos, e Maria José Penha, 62 anos, também mães que não completaram os estudos. Elas ilustram os desafios que o Brasil ainda enfrenta na educação: o abandono escolar e a evasão.

As gravações ocorreram em 2019, antes da pandemia, e retratam o retorno destas mulheres aos bancos escolares em turmas de alfabetização de adultos de um projeto voluntário de uma igreja na Zona Sul do Rio de Janeiro, para atender quem teve o ensino interrompido. Em março de 2020, as aulas foram interrompidas. Essas mulheres falam sobre os prejuízos que o fechamento das escolas trouxe na aprendizagem, um desafio a mais que deverão enfrentar na vida.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) apontam que, em 2019, mais da metade dos adultos acima de 25 anos (51,2%) não havia completado os estudos. Os motivos principais para evasão entre jovens de 14 a 29 eram:

necessidade de trabalhar (39,1%)
pouca atratividade da escola (29,2%)
gravidez (23,8%)
afazeres domésticos (11,5%)
Até março de 2020, o Brasil tinha 3 milhões de estudantes matriculados na EJA. A situação é pior para aqueles que não se alfabetizaram. Há 11 milhões de analfabetos no país, acima de 15 anos, que não sabem ler nem escrever.

Entre os analfabetos, 50,13% são mulheres. O percentual aumenta conforme a idade vai avançando: acima de 40 anos, 52% dos analfabetos são mulheres; acima de 60, 56%.

Na Educação de Jovens e Adultos (EJA), as mulheres somavam 49,3% das matrículas antes da pandemia – os dados indicam que, para elas, voltar a estudar ainda é um pouco mais difícil do que para os homens, o que pode impactar em gerações futuras.

"Os estudos mostram que aumentar os níveis de educação das pessoas jovens e adultas têm enorme benefício para as novas gerações. Famílias mais educadas são mais capazes de dar valor à educação escolar e de acompanhá-las em seu desempenho", afirma a doutora em educação e professora da USP Maria Clara Di Pierro, doutora em educação e professora da USP, especialista em educação de jovens e adultos.
Especialistas em educação afirmam que pessoas sem estudos têm uma leitura menos crítica do que ocorre ao seu redor, e maior dificuldade de fazer análises globais das situações.

Os dados indicam que muitas delas são navegadoras frequentes da internet, usam redes sociais e aplicativos de mensagens, mas são facilmente enganadas com notícias falsas, não compreendem ironias, metáforas e frases em sentido figurado. Entre alunos de 15 anos, matriculados regularmente, 67% não sabem diferenciar fatos de opiniões, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O índice pode ser maior entre aqueles que não estudam.

"A mãe com menos repertório vai oferecer menos a essas crianças, os cuidados de higiene, de alimentação, nutrição. Quando entra na escola, é outro desafio: o desafio não só da mãe acompanhar o conteúdo para ver se a criança está aprendendo, mas de também de poder dialogar com a escola. Muitas vezes, a mãe não conhece aquele ambiente, porque ela não frequentou. É um espaço estranho", afirma Ana Lúcia Lima, que coordenou o estudo Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf) Brasil.

Mas, mesmo com todas as dificuldades, mães sem estudo podem contribuir para o desenvolvimento dos filhos de diversas maneiras.

“A narração de histórias que não precisam ser lidas no livro, a memória do seu lugar de origem, contar a história da família, cantar com o filho, brincar com o filho, tudo isso é extremamente importante também. A mãe pode sempre, se ela tiver essa intencionalidade explícita, contribuir com o letramento do seu filho”, afirma Ana Lúcia Lima.


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