Odeia liderar? A resposta pode estar na sua infância

11/05/2020 09h52


Fonte G1

Imagem: Getty Images via BBCBoas intenções dos pais podem, inadvertidamente, minar a confiança dos filhos.(Imagem:Getty Images via BBC)Boas intenções dos pais podem, inadvertidamente, minar a confiança dos filhos.

Você talvez tenha percebido que alguns dos seus colegas assumem naturalmente papéis de liderança. Com autoconfiança, dizem aos demais o que fazer e parecem satisfeitos em assumir um número crescente de responsabilidades. Para algumas pessoas, é completamente diferente: dar ordens causa uma sensação estranha, e a insegurança marca cada decisão.

Se você está nesse segundo grupo, talvez se pergunte por que a ideia de ser líder é repleta de temor, e por que é tão difícil ver a si próprio como gerente.

Assim como em qualquer aspecto da natureza humana, algumas respostas vêm de nossa predisposição genética. Se seus pais eram bastante tímidos e modestos, aumentam as chances de você também ser.

Mas isso está longe de contar a história completa. Cada vez mais, psicólogos têm percebido como importam as experiências iniciais da vida. E a chave, aqui, é a forma como seus pais se comportavam em relação a você.

Em particular, se eles foram superprotetores, podem ter diminuído suas chances futuras de se tornar um líder. Coloquialmente, essa abordagem parental é conhecida como "pais-helicóptero", em referência à ideia de pairar por perto constantemente, sendo necessário ou não.

Seus pais provavelmente tinham as melhores das intenções, como evitar que você se deparasse com desafios incômodos. Infelizmente, isso pode ter desencadeado efeitos colaterais indesejados, incluindo fazê-lo "menos confiante e menos capaz de encarar dificuldades, desenvolvendo habilidades de liderança piores", afirma Judith Locke, psicóloga clínica e fellow na Universidade de Tecnologia de Queensland.

A pesquisa de Locke envolve questionários a profissionais de parentalidade, incluindo psicólogos e conselheiros escolares, para estabelecer exatamente o que eles querem dizer com "pais-helicóptero" e superproteção parental.

As descobertas dela sugerem que isso é uma abordagem caracterizada por uma mistura de três fatores: ser extremamente responsivo à criança, exigir pouco dela em alguns contextos e, ao mesmo tempo, ser excessivamente exigente em outros. Por exemplo, um pai ou mãe-helicóptero costuma ser superprotetor, dar excesso de atenção e achar que seu filho está sempre certo. Ele (ou ela) tentará fazer tudo pelo filho (em vez de esperar que ele gerencie a questão por si próprio) e talvez espere que amigos e professores façam o possível para também acomodar as exigências da criança.

Ao mesmo tempo, esse pai ou mãe pode ter altas expectativas acerca das conquistas de seus filhos, sobrecarregando sua agenda com atividades e esperando que eles sejam sempre seus confidentes.

A pesquisa mais recente sobre como esse tipo de superproteção pode inibir habilidades de liderança vem da China. Psicólogos entrevistaram quase 1,5 mil adolescentes, com 14 anos em média, em 13 escolas de Pequim.

Yufang Bian, da Universidade Normal de Pequim, e seus colegas avaliaram as capacidades de liderança desses adolescentes, primeiro perguntando a respeito deles para amigos, professores e pais, para ver se eles eram vistos como bons líderes. Depois, checaram se os adolescentes tinham, de fato, algum papel de liderança, por exemplo como líder de equipe de um grupo escolar de ciências ou presidente de algum grupo estudantil.

Enquanto isso, os adolescentes estudados ranquearam o quanto haviam sido superprotegidos por seus pais. Responderam, por exemplo, se "seus pais supervisionaram cada um de seus movimentos e frequentemente solucionavam problemas da sua vida".

Os adolescentes também responderam questionários sobre sua autoestima e autoconfiança como líderes.

Depois de controlada a influência de diversos outros fatores, como o histórico socioeconômico das famílias e o desempenho acadêmico, Bian e sua equipe encontraram um padrão claro: quanto mais superprotetores eram os pais, menos as crianças eram vistas como potenciais líderes pelos demais, e era menor a probabilidade de que eles de fato assumissem papéis de liderança.

Estatisticamente, esse elo era explicado pelo fato de que os adolescentes com pais-helicóptero tendiam a ter menor autoestima, o que, por sua vez, foi associado a uma menor autoconfiança como líder.

Bian afirma que isso sustenta a ideia de que algo bom (a proteção paterna) em excesso pode ser prejudicial: "Da mesma forma como a ausência de uma boa parentalidade prejudica o desenvolvimento infantil, o excesso de parentalidade, com suas restrições ao desenvolvimento da autonomia e de habilidades de resolução de problemas, também tem um impacto negativo no desenvolvimento psicossocial", diz o estudo.

A superproteção também cria essa sensação porque sinaliza à criança que ela não é capaz de ser independente e que seus pais não confiam nela para cuidar de si própria.

Vale mencionar que essas novas descobertas devem ser interpretadas com cautela, porque o modelo do estudo não permite concluir que a parentalidade-helicóptero causa diretamente a ausência de potencial de liderança. A pesquisa se baseia nas memórias dos adolescentes sobre o modo como foram criados, e é possível que jovens com baixa autoestima fiquem tentados a qualificar desfavoravelmente seus pais de forma a explicar seus próprios sentimentos.

De qualquer modo, os resultados da pesquisa chinesa são consistentes com uma interpretação causal, e os pesquisadores se basearam em um grande número de estudos prévios, que consistentemente mostraram os aparentes efeitos negativos da superproteção parental - embora esses estudos também tenham um caráter observacional.

Por exemplo, psicólogos da Universidade Estadual da Flórida questionaram quase 500 estudantes e ouviram que os que tinham tido "pais-helicóptero" também tinham menos confiança nas próprias habilidades. Uma equipe diferente na Universidade de Miami também chegou a resultados similares: jovens com "pais-helicóptero" tendiam a ter mais problemas emocionais, dificuldades em tomar decisões e desempenho pior nas provas.

O seu futuro como líder

Se você se vê fugindo das oportunidades de liderança e acha que teve pais superprotetores, não precisa simplesmente aceitar que nunca vai ser líder ou exibir as qualidades de um.

Primeiro, lembre-se de que a intenção de seus pais provavelmente era a melhor possível, e não há benefícios em sentir remorso deles. Você está no controle agora e, com dedicação e esforço, é possível moldar seus próprios traços e atitudes, em qualquer época da vida.

Locke, que também é autor de The Bonsai Child (A criança bonsai, em tradução livre, com propostas para ajudar pais a desenvolver o potencial das crianças sem superprotegê-las), recomenda que as pessoas reivindiquem sua autonomia na vida adulta, tentando ser mais independente (por exemplo financeiramente) dentro do possível e evitando ligar aos pais a cada desafio na vida.

"Muitos leitores terão pais que ainda querem estar altamente envolvidos em suas vidas. Busque forma de gerenciar sua vida mais e deixe de depender muito dos pais", ela sugere.

Claro que essas mudanças não vão transformá-lo em um líder, mas ajudarão você a se enxergar como independente e mais confortável em tomar decisões autônomas, o que vai te ajudar quando oportunidades de liderança surgirem em sua carreira.

Você também pode fazer mudanças no trabalho, inclusive tentando ser mais aberto a críticas e proativamente buscar feedback dos demais. "Meu trabalho mostra que pessoas que foram superprotegidas muitas vezes foram elogiadas em excesso comumente e não lidam bem com críticas construtivas", diz Locke. "Para que você melhore, precisa estar aberto às sugestões de o que precisa fazer para progredir."

Não vai ser da noite para o dia, mas pela prática da independência e de fazer esforço ativo para construir habilidades emocionais e de tomada de decisões, você descobrirá que pode lentamente fomentar sua confiança - e ver a si mesmo como um chefe em potencial.

*Christian Jarrett é editor sênior na revista Aeon. Seu próximo livro, sobre mudança de personalidade, será publicado em 2021.