Entidade cita escravidão moderna no Piauí: "Jogadores estão sendo usados"

26/04/2016 16h55


Fonte GloboEsporte.com

Uma rotina nada feliz tem movimentado os bastidores do Caiçara, time da cidade de Campo Maior, localizada no interior do Piauí. Em meio à disputa do Campeonato Estadual, uma leva de jogadores passou a se desligar do clube. O motivo está diretamente relacionado às péssimas condições de trabalho e salarial denunciadas pelo próprio elenco.

Últimas peças do que sobrou do time, o experiente Damisson e o jovem Lucas Gabriel devem retornar as suas cidades natais na quarta. Preto, Iranildo e Assis seguem no município, mas cada vez mais descontentes com a situação. O tumulto fora de campo levou o Sindicato dos Atletas Profissionais do Piauí a apontar que o time vive em condições análogas à escravidão, inclusive na residência oficial dos atletas. Afastado pela Justiça, o ex-presidente, Francisco Ispo, negou a versão dos jogadores.

- Quando dizemos que é escravidão moderna é que a principal ferramenta do atleta é o corpo, para exercê-la tem que ter condições, como alimentação. O que existe, porém, é uma pressão psicológica e moral e não há contrapartida por parte do clube. Há insalubridade no alojamento, gente dormindo no chão. Esses jogadores estão sendo usados, por isso a analogia à escravidão. Não podem ir para suas casas porque não têm dinheiro, essa é a realidade mais cruel do futebol brasileiro, atletas sem respeito e dignidade – declarou Vasconcelos Pinheiro, presidente do Sindicato.

Imagem: Ricardo AndradeCaiçara(Imagem:Ricardo Andrade)Caiçara

Além da péssima campanha dentro de campo, o Caiçara foi rebaixado no estadual depois de não comparecer ao jogo decisivo com o River-PI, na rodada passada, após a saída de nove jogadores. O W.O. decretou a queda do time à Série B e a inevitável desistência alvirrubra da competição. A saída pode custar uma punição administrativa junto à Federação de Futebol do Piauí, que confirmou que o filiado pode ser banido por dois anos e ser obrigado a pagar multa de R$ 50 mil, conforme o regulamento geral de competições.

- Estou indo embora amanhã a Parnaíba. Uma coisa é você estar em casa e outra é você estar na casa dos outros. Está acontecendo muita coisa. Muita mesmo. Fui campeão piauiense quatro vezes e nunca esperava isso. O futebol do Piauí esta em uma crescente e isso serve de alerta. Não falo de alimentação, mas em relação ao contexto geral. Nunca passei fome aqui. Mas tem time amador em Parnaíba que tem mais organização que o Caiçara. Muito vergonhoso o que aconteceu aqui, motivo para o time não entrar nunca mais no Campeonato – lamenta Damisson, um dos últimos jogadores a deixar o elenco.

Acionado, o Ministério Público do Trabalho informou que está acompanhando este e outros casos de clubes de futebol no Piauí.

- São várias as denúncias que estão sendo investigadas, tais como: atraso de salários, condições de alojamento dos atletas, problemas de alimentação e irregularidades em contratos. As situações mais graves são do Flamengo-PI, Piauí e Caiçara – revelou o procurador Edno Moura.

Imagem: GloboEsporte.comAcomodações dos atletas utilizadas durante o estadual.(Imagem:GloboEsporte.com)Acomodações dos atletas utilizadas durante o estadual.

A grave situação pela qual passa o Caiçara é a ponta do iceberg na visão das entidades. Os problemas desta ordem têm se concentrado, sobretudo, nas regiões Norte e Nordeste do país segundo constatação da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (FENAPAF).

- O problema é nacional. No Rio de Janeiro, por exemplo, a Série B dá W.O. direto porque os clubes não têm condições de colocar os times em campo. Recentemente, as regiões mais distantes do Nordeste e Norte tem se intensificado. A gente vai propor ao procurador geral do trabalho, em Brasília, para ser criado o Dia Nacional do Termo de Ajustamento de Conduta no futebol brasileiro. A proposta é para evitar atrasos salariais, garantir depósitos de fundos de garantia... uma série de problemas que deve ser resolvida. Nós entendemos que situações iguais as do Caiçara não são maléficas apenas para o Piauí, mas para o país. A gente quer coibir que empresas irresponsáveis gerem problemas de ordem social. Só cassando o direito desses clubes é que vamos moralizar essa prática do futebol profissional - destacou Felipe Augusto Leite, presidente da FENAPAF.

Tópicos: trabalho, clubes, campo, time