Entrevista: "Judô do PI piorou, estamos carentes na base", desabafa Mussolini
07/08/2014 13h09Fonte G1 PI
“Ditador dos tatames”. Não à toa, Benito Mussolini conquistou esse título no judô piauiense. Nas competições, o estilo agressivo levou o atleta a ser quatro vezes campeão Pan-Americano, bi Sul-Americano, 11 vezes campeão brasileiro, além de duas participações em mundiais júnior, Hungria e República Dominicana, e outras incontáveis dezenas de torneios nacionais e regionais. A força de dentro dos tatames é a mesma das palavras. Em 2009, Benito deixou o Piauí em atrito com dirigentes estaduais e fazendo à época duras queixas com relação à estrutura da modalidade. No retorno à terra natal, o judoca mudou de categoria – subiu da 66kg para a 73kg – e de cabelo, o encaracolado ganhou visual mais moderno, comportado. Porém, duas coisas continuam a mesma: o sonho de chegar à seleção brasileira em uma Olimpíada - ele quer que seja em 2016, no Rio - e o tom crítico nas polêmicas.
Cinco anos após dizer que o judô piauiense estava estagnado, Benito não tem medo de repetir a declaração. Na versão 2014, o judoca vai além: as categorias de base do Piauí não têm futuro competitivo. A análise foi feita logo após os resultados do estado no Regional. Desde então, o atleta Dyego Brito e Luís Figueiredo montaram um projeto para melhorar o nível técnico dos judocas do estado, considerado por ele aquém do restante do país. São treinamentos específicos para a categoria duas vezes por semana. Uma tentativa, segundo ele, de evoluir o esporte. A Federação, contudo, rebate.
Em bate bapo com o GloboEsporte.com em um desses treinos, Benito Mussolini vê a base de atletas piauienses muito fraca. E o futuro, segundo ele, nada animador: “não tem ninguém nas categorias de base que possa substituir a equipe sênior que nós temos hoje”. Uma preocupação para a modalidade que revelou Sarah Menezes, campeã olímpica em Londres. Confira a entrevista:
Como nasceu a ideia de realizar um projeto específico para os judocas da base do estado?
Depois do Regional, em abril, percebi que, se olharmos os números, o sênior ganhou 33% das medalhas de ouro conquistadas no total, e a base conseguiu muito pouco. O Ceará, estado campeão, conseguiu praticamente todas as medalhas na base. Opa, algo está errado. Observando isso, resolvemos ministrar treinos terças e quintas para contribuir com atletas em formação, propondo algo a mais aos treinadores e alunos. É mais uma iniciativa pessoal, de sacrifício nosso, para contribuir com o esporte que nós fazemos há mais de 20 anos.
Imagem: Josiel MartinsBenito Mussolini durante aulas com judocas da base; treinos acontecem no CT Sarah Menezes.
E quais as razões para montar esse treinamento?
É mais uma visão pessoal. Não vejo ninguém nas categorias de base que possa substituir a equipe sênior que nós temos hoje, um time bastante forte. Então, se for pensar que os atletas de fora estão em constante crescimento, nosso time sênior vai ficar enfraquecido em algum dia. Não é isso que quero para o judô, que dentro do estado tem um nome, um peso e grandes atletas. O projeto é mais um incentivo para que as categorias de base possam se desenvolver da mesma forma que conseguimos.
O nível da base realmente é fraco, merece de fato essa preocupação, um trabalho especial?
Vejo situações, por exemplo, de alguns professores não têm vivência em campeonatos, algo importante para formar atletas. Só quem está dentro do tatame sabe o quanto é diferente uma pisada com força maior ou mais para frente, normal. São coisas diferentes que o atleta sabe. São professores, são. Mas não são formadores de atletas, que é aquilo que o estado precisa. Estamos carentes de atletas na base, só temos uma menina, a Elenilda (Pereira, medalha de ouro no Campeonato Sul-Americano Sub-15 de Judô). Têm-se vários atletas nas categorias de base e apenas um ou dois se destacam, tem alguma coisa errada. Estamos tentando evoluir, temos que evoluir.
Você teve problemas quando saiu do estado. Como é colocar seu nome como responsável por um projeto que propõe uma espécie de revolução no tratamento da base?
Amadureci bastante a ideia, mas tudo que falo é porque é a realidade. De lá pra cá, não vi o judô do Piauí em crescimento. A Sarah Menezes (campeã olímpica) continua se destacando, ela evoluiu. Mas o esporte como todo não. Tenho 22 anos de judô, luto desde os oito anos de idade e chegar e ver essa situação... Quero contribuir, fazer nossa parte e ensinar o que a gente tem de melhor, a parte competitiva. Nem o básico os atletas da base estão sabendo fazer, por exemplo, andar no tatame, colocar uma postura, saber golpes. Queremos desenvolver o esporte e não fazer que o tatame fique lotado de atletas com apenas dois se destacando. Não é nosso propósito.
Imagem: Josiel MartinsCom sentimento pessimista com atletas da base, judoca espera em "revolução" na modalidade.
Na sua saída do estado, você deu uma entrevista dizendo que o judô do Piauí estava estagnado. Na sua análise, a modalidade avançou?
Falei isso e muita gente não gostou. Seis anos se passaram e o judô não vem mostrando melhora. A Sarah Menezes é algo diferente. Ela treina aqui, mas a maior parte do treino é de fora. Para o atleta se desenvolver, é preciso que alguém esteja olhando por ele. Precisa que o treinador seja alguém que tenha o conhecimento necessário para ele se desenvolver. O que a gente tem visto é que existem muitos professores sem preparação, algo essencial para o desenvolvimento de atletas. Se coloco qualquer pessoa para dar aulas, acabo comercializando o judô. Beleza, as escolas vão ter judô, cinco mil pessoas no tatame. Mas isso não quer dizer que cinco mil praticantes de judô serão atletas no futuro. Não vou me iludir que um segundo lugar no Regional, que é algo que não conseguimos há muito tempo, vai dizer que o judô piauiense está bom. Não está. O sênior é uma categoria que começa a ter evasão com o passar dos anos. Quem leva o esporte é a categoria de base . Esta, infelizmente, não vem tendo um bom desempenho. Ou melhor, não vem tendo atletas que demonstrem um desempenho que possam continuar a levar a semente do judô. Falta muito, muito o que trabalhar.
É possível apontar o que houve de errado para chegar nesta situação?
As pessoas do judô que estão à frente devem olhar de forma diferente. Não estamos menosprezando os professores, estamos fazendo a nossa parte. O judô piauiense piorou bastante, tivemos a primeira competição em junho. Ou seja, seis meses depois de começar o ano tivemos uma competição em nosso estado, sendo que teve gente já lutando o Brasileiro e outras competições. É complicado. Não é só a federação que tem culpa. Os atletas e professores também, mas também a federação deve assumir sua parcela de culpa. Infelizmente, eles estão à frente do esporte no estado e devem colocar a mão na consciência que o judô não anda bem, não está dando certo e é preciso mudar. Infelizmente, vai doer em muita gente, mas...
Futuro pode-se fazer uma projeção?
Vejo algo nada promissor. Se continuarmos nesse panorama, nada mudará. Pode mudar, surgir outra Sarah Menezes amanhã. Acontece. Existem pessoas com o dom. Individualmente, infelizmente, temos poucos atletas para trabalhar como potência. É preciso evoluir.
Federação de judô responde
A Federação de Judô do Piauí rebateu as críticas de Benito Mussolini quanto aos atletas das categorias de base do estado. Segundo o presidente da entidade, Danys Queiroz, a modalidade passa por um período de “entressafra” entre gerações. Ainda na opinião de Danys, a análise do nível dos competidores deve ser comparada com o crescimento da modalidade em todo o país, deixando-a mais competitiva. O investimento estadual e municipal, de acordo com o presidente, ainda é pouco.
- Não vemos a situação da base de forma tão crítica, acredito que a deficiência encontra-se no sênior, que não acompanhou o ritmo da geração anterior, por isso um período de entressafra de resultados. É muito fácil ficar só falando, mas damos espaços para todos contribuir. Hoje todos os estados são fortes, com isso o nível da competição aumenta e o risco de ser campeão e eliminado é grande. Estamos buscando investimentos, que ainda são poucos, para termos mais espaços para profissionalismo e não ficar apenas na questão da performance – analisou Danys Queiroz.
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