Futebol no sangue: As histórias de Edson Piauí

12/11/2014 16h42


Fonte Globoesporte.com

Imagem: Arquivo pessoalEdson Piauí(Imagem:Arquivo pessoal)Edson Piauí

Edson emprestou a chuteira a Júnior para que o amigo de infância pudesse jogar uma partida em Floriano, Sul do Piauí. Devolveria, claro, após os 90 minutos. Em seguida, Edson também deu um longo e fraterno abraço no treinador Lucimar após acompanhar a derrota do time do seu primeiro técnico, que o acolheu quando tinha 12 anos de idade. Os amigos de Edson, presentes nas arquibancadas do Estádio Tibério Nunes, contavam as horas para o amistoso tradicional na cidade, que aconteceria no dia seguinte. Laura, grávida de três meses, ligou para o esposo Edson pedindo que retornasse para casa porque estava tarde. Ouviu um “tá bom” e “te amo”.

O que Júnior, Lucimar, os amigos e Laura não esperavam é que os gestos do brincalhão Edson simbolizavam uma despedida. Muitos planos ficaram pelo caminho na noite do dia 1º de novembro. Foi assassinado com dois tiros após uma discussão numa churrascaria. E acabava ali – onde tudo começou, quis o destino – a trajetória do lateral-esquerdo Edson Piauí, que disputaria o Paulistão 2015 pelo Rio Claro. Passados 12 dias do crime, o suspeito foi identificado pela polícia, mas ainda não foi preso.

Imagem: Josiel MartinsClique para ampliarEsposa e mãe de Edson Piauí contam como vivem o sentimento de perda: Esposa e mãe de Edson Piauí contam como vivem o sentimento de perda: "Ele disse que o sangue dele era futebol".


Da periferia de Floriano, cidade a 244km de distância da capital Teresina, o filho de Dona Joana disse desde cedo para a família que em seu sangue pulsava futebol. O pai Florêncio bem que resistiu, mas a determinação e o talento do garoto venceram.

Por isso, saiu de casa ainda com espinhas no rosto e agarrou cada uma das oportunidades que apareceram pelo caminho com unhas e dentes: Porto-PE, Atlético-PR, Santa Cruz, Náutico, Salgueiro, ABC, Mogi Mirim e Oeste. No Rio Claro, onde assinou para disputar o Paulistão do ano que vem, ficou apenas o desejo.

- Ele falava quando criança: "Mãe, meu sangue é bola". Estamos péssimos, só vivemos porque Deus dá força e coragem - conta Joana, com raras palavras, a dor da perda do filho assassinado.

A imagem de Nossa Senhora das Graças envolta com terços logo na entrada da sua casa abençoa e conforta. Aos 67 anos de idade, é com um abraço aconchegante – apesar das pouquíssimas forças – que Joana Alves recebe os amigos. Logo, senta em uma das cadeiras na sala. Com dez filhos, a dona de casa sempre apoiou a ideia do filho de seguir carreira no futebol. Desde quando Piauí começou a atuar, um gesto era aguardado antes das partidas: o som do telefone. Na ligação, o lateral-esquerdo estava concentrado e tinha (era uma obrigação) que contar à mãe como estava antes de qualquer jogo.

- Ele não jogava sem antes ligar para mim, mandava sempre um beijo – recorda.

Longe de casa desde os 16 anos, quando começou no Porto-PE, Piauí voltava para o lar de Dona Joana nos períodos de folgas. O descanso com a família era marcado por surpresas. A melhor foi quando o lateral mostrou ao pai Florêncio o seu primeiro carro. Mesmo fragilizado com um AVC, o vigilante apenas sorriu.

- Ele estacionou o carro aqui na porta de casa e chamou o pai, que estava muito doente, para ver. Edson disse: "Olha aqui, pai, o que consegui comprar". Florêncio não falava, mas demonstrou muita felicidade, acredito que tenha sido a maior antes de morrer. Edson era uma criança divertida, que não tinha tristeza em momento nenhum - narra.

Imagem: Arquivo PessoalDa infância com a mulher Laura: Da infância com a mulher Laura: "Ele estava em um momento feliz", revela esposa.

Na casa de Dona Joana, restaram os quadros de Edson espalhados pela sala e pelo quarto. Registros do jogador nos clubes. Um deles, contudo, traz outro amor do lateral: a esposa Laura Sousa, grávida de três meses. O casal tinha planos. E muitos. Além de aproveitar a gravidez, o casal tinha um cronograma para ser cumprido nas férias. Ficaria em Floriano por uma semana, partiria em seguida para Recife para visitar a família da mulher. No dia 20 de novembro, o destino era Rio Claro, interior de São Paulo. Na nova cidade, Edson começaria no novo clube a preparação ao Paulistão 2015. Laura espera que o suspeito de matar o esposo seja preso.

- Ele estava feliz, esperançoso por começar em um time que poderia impulsionar sua carreira. Edson tinha os pés nos chão, estava contente pelo fato de ser pai e contava para todo mundo a notícia. Estamos chocados, ainda não paramos. Quero criar nosso filho com muito amor, amado por Edson antes de nascer. Temos que seguir em frente... O que fizeram não vai voltar atrás. Que nosso filho venha com saúde e amor. Temos fé em Deus que a pessoa que fez isso será achada, porque estamos revoltados, chocados e sem acreditar nessa situação.

Edson Piauí nos campos

Desde a morte do jogador, os campos de Floriano estão de luto. No Tibério Nunes, onde Edson Piauí esteve pela última vez, apenas o barulho sistema de irrigação do gramado quebra o silêncio. No banco de reservas, Lucimar Feitosa volta no tempo, no início dos anos 2000. Dos 600 meninos de um projeto social na cidade, sete foram selecionados entre os melhores. Não é difícil de arriscar que o nome de Edson estava nessa seleção. A seriedade, o capricho na hora de bater falta e a liderança do moleque chamavam atenção, características que o levaram ao Porto-PE, em 2003.

- Edson sempre foi nosso cobrador oficial de penalidades, mesmo sendo lateral-esquerdo, e chamava para si a responsabilidade. A postura humilde dentro de campo ficava lado a lado do cara competitivo, que gostava de títulos e vitórias. Passaram mais de mil atletas por nossas mãos, e Edson foi aquele iluminado, jogador diferenciado – relata o técnico do Clube Atletas do Futuro.

Imagem: Josiel MartinsPrimeiro treinador de Piauí mostra vestiário onde lateral deu última palestra: Primeiro treinador de Piauí mostra vestiário onde lateral deu última palestra: "Foi uma despedida".

Mesmo longe de casa, Piauí mantinha ligações com a escolinha onde deu os primeiros toques na bola. Sempre que podia, mandava chuteiras, bolas e coletes ao grupo. Em Floriano, o lateral passava férias, mas o cordão umbilical o aproximava da bola. O jogador foi chamado por Lucimar para dar uma palestra antes de uma decisão. O encontro estava marcado para as 18h30. Com 15 minutos de antecedência, Piauí estava na porta do estádio à espera do elenco. Para Lucimar, a pontualidade era marca do atleta.

- Ele foi embora, mas sempre ligava pedindo para avaliar a atuação dele nas equipes. Prefiro ficar com a imagem dele aqui no nosso vestiário, passando toda a história de vida dele. As palavras de incentivo emocionaram a todos. Depois quando perdemos, fui consolado por um abraço forte de Edson. Ele me disse que o trabalho não poderia parar. E não vai.

Ppiauí para sempre


Na infância, Piauí e Júnior faziam uma dupla do barulho. Não havia campo em Floriano que os garotos não conhecessem. Com carinho, o amigo guarda um objeto que se transformou em uma relíquia. A chuteira dada pelo lateral antes do jogo virou um presente.

- Edson não se esquecia dos amigos, tanto que ele trouxe uma chuteira para eu poder jogar. Não tive mais coragem de usar, perdi um irmão. Toda vez que ele fazia um gol, ligava e dizia: "Está vendo como se bate na bola". A amizade vai continuar – conta Júnior, de 26 anos.

Imagem: Josiel MartinsJúnior guarda chuteiras dadas pelo jogador antes de jogar partida: Júnior guarda chuteiras dadas pelo jogador antes de jogar partida: "Foi um presente".

No Porto-PE, Edson encontrou Jader, garoto revelado pela mesma escolinha do jogador no Piauí. Por lá, o mais velho tratou de defender o novato e ficaram as resenhas do “mosquito”, apelido de Jader, nos quatros anos em que a dupla ficou no time pernambucano.

- São lembranças boas. Era um cara brincalhão, não tinha tempo ruim para ele, sempre disposto. A coisa que aprendi com ele foi a bater falta. Na época do Porto-PE, os juniores treinavam sempre depois e eu ficava olhando ele cobrando falta porque era um exemplo. No Oeste, até o comparavam como um futuro Marcelinho Carioca. Na sexta, última vez que nos encontramos, ele me disse para jogar de segundo volante. É algo que estou há muito tempo e vou seguir os conselhos do amigo.

Rilmar Barbosa, que treinou Piauí no Cori-Sabbá – time profissional de Floriano, soube resumir em uma frase os sentimentos de Joana, Laura, Jader, Júnior, Lucimar...

- De um dia de felicidade, veio a infelicidade da perda.

Imagem: Arquivo PessoalEdson Piauí em passagens pelos clubes.(Imagem:Arquivo Pessoal)Edson Piauí em passagens pelos clubes.

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