Judoca supera mágoa com Sarah e se prepara para defender Seleção
26/09/2013 12h09Fonte G1 PI
Na periferia de Teresina, uma garota de 13 anos decidiu dar um destino totalmente inesperado à sua vida. Com dificuldades financeiras, morando em uma casa de apenas dois cômodos - ela divide a sala onde dorme com os pais e os cinco irmãos -, Elenilda da Silva Pereira, mesmo em meio a todas essas adversidades, ainda tem que se desvencilhar das drogas e da violência, tão presentes em seu cotidiano, e se dedicar ao judô. A judoca, que ascende na carreira a cada dia, é hoje apontada como possível substituta da campeã olímpica Sarah Menezes. Ela não nega o sonho de brilhar nas Olimpíadas de 2020, mas tem consciência de que até lá o caminho, na vida e nos tatames, é construído com um passo de cada vez.Imagem: Náyra Macêdo/GLOBOESPORTE.COMMais velha e única atleta, Elenilda é inspiração para irmãos.
Na extinta aula de judô que era oferecida no Escolão do Parque Piauí, na zona Sul da capital do Piauí, há cinco anos, Elenilda se destacou. Logo no início de sua história com a modalidade, no entanto, apareceram as dificuldades. A primeira delas foi encontrar outro projeto social onde pudesse continuar treinando; a segunda, aprender a gostar do esporte.
Durou exatamente um ano a relação conflituosa de Elenilda com o judô. Aos oito, sem responsabilidades maiores, tudo o que ela queria era brincar na rua onde mora no bairro Parque Piauí. A mãe, Alcione Gomes da Silva, de 34 anos, conta que por inúmeras vezes teve que mergulhar numa verdadeira brincadeira de pique-esconde para encontrar a filha, que sempre fugia para não ir aos treinos.
- No começo, ela não queria. A gente - eu e o professor - a empurrava para os treinos e, mesmo sem vontade, ela ia. Ela queria estar na rua jogando bola e, quando o professor chegava, ela se escondia. Ela fugia, e eu ia atrás dela. Até que gostou e agora pronto: não quer mais sair do judô. Hoje, está muito melhor porque antes era uma menina danada e agora se comporta diferente – revela a mãe, que ajuda na renda da casa como lavadeira.
Foi nas aulas de judô do Núcleo de Atendimento Intergeracional (NAI), projeto voltado para inclusão social que funciona em Teresina, que também acabou extinto, onde Elenilda mudou a sua percepção do esporte. Treinando diariamente, passou a colecionar medalhas, especialmente de ouro, em todas as competições locais. O divisor de águas, de acordo com ela, foi no primeiro desafio regional. Depois disso, a garotinha passou a ter novas perspectivas do judô.
- No início, eu não gostava porque achava que a gente se machucava muito. Não tinha medo, mas gostava mesmo era de jogar bola e fazer capoeira. Não sabia o que era judô mesmo, que hoje eu sei: é um esporte que a pessoa aprende muito a respeitar os outros e que também dá muito futuro – explica Elenilda..
‘Morde medalha’
Em 2012, a pequena judoca participou de sua primeira competição fora do Piauí. Pela categoria sub-13 (-36kg), Elenilda foi a Belém disputar um regional. Da capital paraense, voltou com o ouro. Mais tarde, ainda no mesmo ano, participou de seu primeiro Campeonato Brasileiro e ficou entre as três melhores do país.
Na categoria sub-15, já em 2013, Elenilda virou personagem de várias reportagens - ela guarda os recortes com orgulho! - sempre mordendo novas medalhas. Nos Jogos Escolares da Juventude, disputados no início de setembro, ela levou o Piauí ao único ouro do Estado na modalidade. No último sábado, disputou o Campeonato Brasileiro e faturou a medalha de prata.
- Fui conquistando medalhas e percebi a evolução. Comecei a treinar mais. O professor me incentivava, me buscava em casa. Eu só faltava quando estava doente. Quando conquistei a medalha de ouro no Pará, achei que era para eu seguir mesmo esse caminho, porque ele ia me dar futuro. Hoje estou aqui seguindo no caminho que Deus mandou. Essa última luta, em que fui vice, foi só por falta de atenção mesmo. Mas, com fé em Deus, daqui para frente é só ouro – vislumbra Elenilda.
Imagem: Náyra Macêdo/GLOBOESPORTE.COMA fama de 'morde medalha' rendeu até um presente inusitado dos colegas de treino: um banner com a foto mordendo a medalha de ouro conquistada nos Jogos Escolares.
Segundo o treinador, sua pupila, de olhos marcantes e sorriso alegre, tem aptidões que podem levá-la a ser uma atleta de alto nível.
- Ela é muito hábil tanto para aplicar técnica quanto para assimilar rapidamente. Ela aprende muito fácil o que a gente ensina e já mudou muito em termos de comportamento – analisa Wherberton Carlos Gomes, que comanda o projeto Judô Shalon, que atende quase 200 crianças, uma delas a própria Elenilda.
Futura Sarah?
O ouro conquistada por Elenilda nos Jogos Escolares da Juventude, disputado no início do mês em Natal (RN), quebrou um jejum de setes anos sem medalhas douradas do judô piauiense na competição. A última havia sido conquista por Sarah Menezes, atual campeã olímpica.
Essa, porém, não é a única semelhança entre as duas judocas piauienses. Quando ainda disputava competições na base, Sarah subiu em praticamente todos os pódios após a sua participação na maior competição escolar do país. Esse feito Elenilda já começou a trilhar.
Imagem: Náyra Macêdo/GLOBOESPORTE.COMA coleção de recortes, de acordo com a atleta, é para conseguir patrocínio.
Para Wheberton, Elenilda está atualmente em um patamar semelhante ao que Sarah estava quando participava de competições na base. E, após dois anos de competições e cinco títulos expressivos, a fjovem judoca defende pela primeira vez as cores verde e amarela. Elenilda Pereira terá a oportunidade de disputar os jogos Sul-Americanos de Judô, que acontecem no fim do mês de outubro, no Chile.
Atitude de campeã
Elenilda carrega uma diferença em relação aos atletas piauienses de qualquer modalidade, que se inspiram na conterrânea Sarah Menezes. É justamente no judô, mesmo esporte da campeã olímpica, que a atleta que mais promete despontar na carreira busca outra inspiração. O motivo? Mágoa.
Até o ano passado, o sonho de Elenilda era conhecer Sarah. O encontro, inclusive, chegou a ser marcado pela TV Clube. Na ocasião, Sarah prometeu ajudar a atleta, que tinha dificuldades até para conseguir um quimono. No entanto, essa ajuda, segundo Elenilda, nunca chegou.
- Eu me inspiro nela, mas bem pouco, porque ela me prometeu um quimono, falou isso na televisão, mas nunca me deu – lamenta a atleta.
A tristeza, contudo, tocou Elenilda positivamente. Mesmo com a curta carreira, a judoca já ganhou alguns quimonos. Os que não lhe servem mais são doados para aqueles que estão dando os primeiros passos nos tatames.
- Fiquei triste com o que a Sarah fez comigo. Agora eu doo meus quimonos porque o mesmo que eu sofri qualquer um pode sofrer. É por isso que é melhor dar as coisas, porque as pessoas precisam muito, a maioria está passando necessidade. Eu doo para os que precisam, mas antes eu quero ver como que luta e se precisa mesmo – explica Elenilda.
Se Elenilda conquistará também um ouro olímpico, só o tempo vai dizer. Mas parece que campeã ela já é.
Confira as últimas notícias sobre Local: florianonews.com/esportes-local
Siga @florianonews e curta o FlorianoNews