Lembra dele? Toinho deixou goleiro da Seleção na reserva do São Paulo
01/01/2015 18h19Fonte G1 PI
De um bom time no Piauí, ele saiu para a equipe conhecida como seleção do Nordeste, quase contra a vontade do próprio clube. Provou seu valor e saiu da posição de sexto reserva para a titularidade, chamando também a atenção de um dos melhores times do país. No São Paulo campeão brasileiro de 1977, seu concorrente era ninguém menos que Waldir Peres, goleiro da seleção brasileira que, apesar do status, também amargou o banco de reservas por sua causa. Esse é Toinho, que apesar do apelido no diminutivo, nunca se apequenou diante de grandes desafios. Hoje, aos 62 anos, passa sua experiência para garotos de Teresina que sonham com o sucesso no futebol.Os são-paulinos mais antigos lembram bem de Toinho, que era um reserva um tanto diferente dos demais. Contratado para substituir Waldir Peres nos períodos em que o goleiro estivesse com a seleção brasileira, suas boas defesas, as saídas do gol e até o temperamento forte colocaram dúvidas sobre quem era realmente melhor. Tanto que o técnico Rubens Minelli se viu obrigado a impor um rodízio para que os dois pudessem jogar na campanha que deu ao São Paulo o seu primeiro título brasileiro. Antes de se aposentar e passar a trabalhar com jogadores da base, como já fez com nomes como Zetti, Rogério Ceni e Danrley, Toinho já tinha superado muitos obstáculos.
Imagem: Wenner TitoToinho mostra recordações de clubes por onde passou. À esquerda, "Seleção do Nordeste" do Sport.
O início de tudo
A carreira de Toinho começou no fim dos anos 60. Destacando-se ainda jovem em uma competição amadora intermunicipal, quando defendeu a seleção da cidade de Pedro II, no interior piauiense, ele passou por Piauí e Sampaio antes de assinar seu primeiro contrato profissional com o Tiradentes-PI, em 72. Lá teve a oportunidade de ter como treinador Castilho, goleiro que fez história pelo Fluminense e defendeu a seleção brasileira nas Copas de 54, 58 e no bi de 62 e 66. Foi ele quem começou a moldar um grande atleta em Toinho.
- Ele me passou o principal para um goleiro, que é a tranquilidade. Também trabalhava comigo todo dia a saída do gol, tanto com os pés como na bola alta, que é algo que me deixou caracterizado no sudeste do país. Ele me orientava a fazer as coisas simplificando – lembra.
O clube teve boas campanhas no Campeonato Brasileiro e seus jogadores passaram a interessar outras equipes, e uma dessas negociações começou a mudar a vida de Toinho. O Sport Recife tentou contratar o meia Assis Paraíba, mas o clube piauiense conseguiu incluir o goleiro na transação. Quando lá chegou, foi negociar salários com a diretoria, mas não foi bem recebido. Recebendo uma proposta muito menor do que esperava, ele se viu obrigado a aceitar, mas prometendo mostrar serviço, como cumpriu mais tarde.
- Quando fui assinar contrato, pedi tanto e o presidente disse que não tinha ido atrás de mim, que queria era o Assis e eu tinha ido de contra-peso. Ofereceram um décimo do que eu pedi, e disseram que, se eu não quisesse assinar, eu podia voltar, porque tinham cinco goleiros e eu era o sexto, não ia fazer diferença. Chorando, eu disse que só ia assinar porque queria dar melhores condições para a minha família. Isso foi em janeiro, e quando foi em março ou abril eu já era o primeiro goleiro - conta.
Por duas temporadas Toinho fez parte do time do Sport que ficou conhecido como Seleção do Nordeste, ao lado de nomes como o próprio Assis Paraíba, além de Dadá Maravilha, Biro-Biro e outros. Lá ele chamou a atenção do São Paulo, que precisava de um reserva de qualidade para suprir as ausências de Waldir Peres quando ele se juntava à seleção brasileira.
O auge com o São Paulo
A contratação pelo São Paulo tinha um objetivo claro. O treinador Rubens Minelli precisava de alguém de confiança para não sentir tanto a falta do titular Waldir Peres. Mas Toinho deu conta do recado melhor do que o esperado. Suas saídas do gol eram constantes, muitas vezes atuando quase como um líbero. Esse posicionamento, aliado ao temperamento forte e perfil de liderança na zaga são-paulina, o fizeram conquistar seu espaço. Muitos diziam que o São Paulo tinha dois goleiros titulares. E, de certa forma, foi isso que o técnico oficializou quando implantou um rodízio, após ouvir reclamações do antigo dono da posição.
- Quando ele chegou da seleção e gritou, o seu Minelli falou: “aqui quem manda sou eu, e você vai ficar no banco do cabeça chata aí do Piauí, porque ele está bem e eu não posso mexer com quem está bem”. Posteriormente a isso aí foi que ele adotou um sistema de revezamento e jogava três partidas cada um – conta.
Esse estilo de jogo mais arrojado lhe rendeu a alcunha de louco pela imprensa e até pelos próprios companheiros. Quando saía de baixo das traves, os zagueiros tinham que correr para cobrir o gol, no caso de Toinho perder a bola. Mas, para ele, tudo era um risco calculado, aprendido com Castilho nos tempos de Tiradentes-PI e que hoje, na sua opinião, está em falta no futebol brasileiro, com exceções como Rogério Ceni. Na Europa, ele vê Manuel Neuer como um caso de sucesso.
- Mas não era loucura. Existe uma coisa chamada confiança. É uma coisa que você tem que ter, só que tudo com limite. Eu era zagueiro antes de jogar no gol, e isso facilitou também a minha saída com os pés. Hoje eu falo que os únicos que fazem isso são os goleiros da Europa, que jogam quase como um jogador de linha, como no futsal. Isso dificulta para o adversário, que enquanto vai dar o combate no goleiro, dá liberdade para outro homem receber essa bola – explica.
Na lembrança de Toinho, uma lesão o tirou da sua posição privilegiada. Após uma pancada no olho e uma suspeita de descolamento de retina, o goleiro passou um mês afastado e quando retornou perdeu a titularidade compartilhada com Peres. O time foi campeão brasileiro daquele ano, e Toinho permaneceu na equipe até 82, conquistando também o bicampeonato paulista em 80/81.
Parou o goleiro, começou o formador
Depois de deixar o São Paulo, Toinho atuou uma temporada pelo Bangu antes de se transferir para o futebol paranaense. Lá, atuou pelas três maiores equipes do estado: Pinheiros (atual Paraná), Coritiba e Atlético Paranaense, onde encerrou a carreira aos 39 anos, em 91. Aposentado, começou a trabalhar como técnico de futebol de base e preparador de goleiros.
Na lista de goleiros que passaram pelos seus ensinamentos, nomes como Zetti e Rogério Ceni, do São Paulo, e Danrley, do Grêmio. Também trabalhou como treinador e foi auxiliar de técnicos como Daryo Pereira, com quem participou da histórica vitória do Paysandu sobre o Boca Juniors, dentro de La Bombonera, na Libertadores de 2003. Mas, além do grande resultado, Toinho também lembra do racismo sofrido ouvindo gritos de “Macaquito” vindos das arquibancadas. Hoje, ele recomenda calma e inteligência para quem passa pela mesma coisa.
- Quando o jogador está dentro do campo, é pressionado e, às vezes, não está com cabeça para assimilar como assimilou o Daniel (Alves) no Barcelona, que fez muitíssimo bem. Aquilo fez com que o próprio torcedor sentisse que não era o dono da situação por chamar o cara de negro ou de macaco. Essa atitude dele provocou uma situação positiva em nível mundial, que todos ficaram focados naquilo. Não se pode tomar atitude intempestiva, sair para briga. Tem que haver manifestação, mas não isoladamente, porque você sozinho vai de encontro ao mundo. Você vai brigar com uma sociedade que é contra você – defende.
Depois de muito tempo longe de casa, Toinho retornou ao Piauí em 2008 para cuidar do pai, que passava por problemas de saúde - veio a falecer em 2009. Na terra-natal, ele trabalha com futebol de base, levando garotos de Teresina para clubes de fora do estado e do país. Em uma dessas viagens, Toinho teve um mal súbito no início de 2013 e chegou a ser internado na UTI. Recuperado, hoje tem na rotina uma série de exames e visitas ao hospital.
Mas não dá para chamar Toinho de frágil. O ex-goleiro não para de trabalhar para revelar talentos no futebol e, principalmente, cidadãos. Antes de cada treino, uma conversa com os garotos, passando lições a partir de histórias. Podem ser boas, como quem saiu dos campos de terra batida e, hoje, está em grandes times. Ou podem ser ruins, como um garoto que, após se envolver com más companhias, foi baleado dois dias antes de assinar seu primeiro contrato profissional. Usar o esporte como formador de seres humanos é a principal meta de Toinho.
- O principal hoje é você formar um cidadão, orientando para a vida que ele vai ter no futuro, mesmo que não seja no futebol. Se não fizer essa parte educacional, as drogas vão comandar essas crianças. Se não pensarem nelas, o mundo vai ficar de tal maneira que a polícia não vai aguentar, o governo não vai aguentar e vai explodir a bomba – afirma.
Usar o futebol como escola é notável em qualquer conversa com Toinho. Contando os episódios da carreira, ele aproveita para tirar um aprendizado de cada coisa, uma lição de vida, aplicável no esporte e fora dele. Como quem saiu do Piauí e muitas vezes foi visto como apenas mais um antes de ganhar o seu espaço, ele mostra a importância da dedicação para os mais novos.
- Em qualquer setor da vida você tem que trabalhar buscando sempre o primeiro lugar. O jogador de futebol também tem que trabalhar para ser sempre o melhor, o titular. Você tem que pensar sempre grande. Quando você pensa pequeno, você é pequeno, e quando tem medo, você não vai fazer aquilo que você almejou fazer. O desejo de permanecer em uma equipe grande é que faz o jogador conseguir aquilo que almeja. Tem que ter essa determinação de vida, de passar por situações adversas para chegar aonde ele quer chegar – finaliza.
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