Como Gabriel Veron, o menino da caatinga do RN, transformou-se na maior esperança do Palmeiras
05/01/2020 12h07Fonte Globoesporte.com
Imagem: Jordi BordalbaGabriel Veron na casa onde foi criado em Assú (RN), durante entrevista
Assú, na região da caatinga, interior do Rio Grande do Norte, tem pouco mais de 58 mil habitantes, segundo estimativa do IBGE para 2019. Está a 213km de Natal, capital potiguar.
Gabriel Veron Fonseca de Souza nasceu lá, em setembro de 2002. Na casa da rua de estrada de terra seca, sem calçamento, tinha um destino provável, segundo a própria família: ser vaqueiro como o pai Carlos Eduardo de Souza e seguir a vida lutando, castigado pelo calor de quase 40°C e baixa umidade nos meses mais quentes do ano.
Mas o Veron potiguar começou a escrever cedo um outro roteiro para fugir desse cenário. No quintal de casa ou na rua, a habilidade que ele tinha com a bola chamou a atenção do avô José Nazareno da Silva, já falecido. O Zeca, como era conhecido, jogava muito. O talento passou para o filho Jackson Fonseca, que chegou a atuar em alguns times do interior do estado, e afluiu no neto, o menino Gabriel Veron.
Aos seis anos, já era um pequeno fora de série. A família percebeu e ajudou. Principalmente a mãe, Graciele Fonseca, que resistia à proposta do pai do menino de levá-lo para aprender as funções no trabalho.
Veron encantava tanto quem o via jogar que foi sendo presenteado com bolsa integral nas escolas particulares de Assú.
– Eu jogava futsal na escola aqui por trás – diz ele, do quintal de casa. – Aí me viram jogar e ganhei bolsa no IPI (Instituto Padre Ibiapina), outra escola da rua. Aí quando comecei a jogar no IPI, ganhei bolsa na escola mais famosa de Assú, que é o Sesi. Aí joguei e estudei lá por cinco anos.
Com 12 anos, teve a primeira grande conquista no futebol. E sente tanto orgulho dela que a descreve com detalhes, mesmo já sendo atleta profissional do Palmeiras e eleito craque da Copa do Mundo Sub-17 em 2019: foi campeão dos Jogos Escolares do Rio Grande do Norte, o tradicional JERNs, disputado desde 1970 e sonho de dez em cada dez estudantes que praticam esportes no estado.
Imagem: Jordi BordalbaGabriel Veron mostra a medalha de craque do JERNs 2014, a primeira grande conquista
– Essa aqui é a (medalha) mais importante, é a que eu ganhei de melhor jogador do estado, jogando futsal, em 2014. O time da minha escola foi o primeiro do interior a ser campeão da segunda etapa dos JERNs (a etapa final). Eu jogava como central, ganhei como craque do campeonato e nosso técnico como melhor treinador – lembra Gabriel Veron.
Treinos físicos na areia
Além da habilidade e técnica natas, que já eram suficientes para fazê-lo sobressair, Veron tinha um preparo físico diferenciado para um menino do semiárido do Rio Grande do Norte. "Troncudo" e "tourinho" eram alguns dos adjetivos que os rivais lhe davam. Entra em cena o tio Jackson. Ele e o padrinho de Veron o levavam para todas as partidas que o menino precisava jogar.
– Ele me colocava nos ombros e ia contando piadas para me distrair, para eu não chegar no jogo cansado. Quem podia reclamar era ele, mas sempre me levou de boa vontade, feliz – lembra Veron.
Mas só jogar bola não era suficiente.
– Ele já era bem diferenciado, de uma inteligência muito soberana, a gente via que ele era diferente. A questão era mais o físico mesmo. Porque quando acabava o jogo, o negócio dele era só dormir. E eu pensava "está cansado por quê?". Então, tem que se preparar mais, né? E como eu já tinha jogado profissionalmente em alguns clubes, sabia como era mais ou menos os treinos físicos. Aí decidi ajudar ele a se preparar melhor. E a gente foi aprimorando, levando ele para dentro do rio, para areia fofa do rio. Foi treinando, treinando, e deu certo – conta Jackson.
Imagem: Jordi BordalbaO tio Jackson Fonseca e Gabriel Veron na beira do Rio onde treinavam sozinhos
Além da condecoração pelo JERNs de 2014, há várias outras medalhas e troféus na sala da casa da família. Ou melhor, das duas casas geminadas de dois cômodos cada. Quando Veron era criança, ocupava um dos cômodos com o avô e a avó. A mãe, Graciele Fonseca, que já havia se separado do pai de Veron, morava na outra com o irmão Jackson e a família dele.
– O avô do Veron morreu em 2015, fez quatro anos no dia 29 de julho. Veron morou sempre comigo, desde uns meses de nascido. Aí, depois que meu marido faleceu, ele disse: "Vó, vou pedir um negócio à senhora: se eu quisesse ir morar com a minha mãe, você não se importava não?". Eu disse "Não, meu filho, porque ela é sua mãe, e é só daqui pra cá mesmo, é bem pertinho" – conta a avó Graça, apontando para a porta que separa as duas casas.
No início deste ano, a mãe Graciele e as duas irmãs de Veron vão morar com ele em São Paulo. A casa dela em Assú ficará com o pai, que recebeu a notícia durante o nosso encontro com a família.
Graciele quer acompanhar mais de perto o filho, agora profissional do Palmeiras.
Imagem: Jordi BordalbaGraciele Fonseca, mãe de Gabriel Veron, durante entrevista ao Esporte Espetacular
Dois anos morando na churrascaria
A vida de Gabriel Veron começou a mudar de fato quando o Santa Cruz de Natal – clube de 1965, mas refundado em 2015 – recebeu um convite para observar uma peneira em Ipanguaçu, cidade vizinha a Assú. Eram cerca de 300 meninos sonhando com uma chance em um clube profissional da capital.
– A gente recebeu um convite de Gilson Sergipano, um amigo de lá, para fazer um peneirão. Eram uns meninos de 16, 17 anos na maioria, e o Veron, com 13, no meio dessa molecada se destacando. Quando terminou a avaliação, fui falar com a mãe dele e perguntei se ela deixava ele ir para Natal para treinar no Santa Cruz, pra gente lapidar o talento dele – conta João Nobre, o Quebra Osso, presidente e praticamente dono do Santa Cruz (RN).
Aliás, o apelido foi dado porque João costumava "quebrar algumas pernas" de adversários, segundo os filhos e amigos dos tempos em que ele era jogador no estado.
– Quebrei duas só numas divididas, o povo exagera muito – diz João, dando risadas.
Quebra Osso, então, levou Gabriel Veron para os alojamentos da churrascaria que ele tinha em Natal. O menino ficaria morando ali enquanto treinasse na base do Santa Cruz.
Imagem: Jordi BordalbaJoão Nobre, o Quebra Osso, presidente do Santa Cruz (RN) e quem descobriu Gabriel Veron
– Deixei ele umas 4h da tarde no apartamento. No dia seguinte, cheguei às 6h para levar para o treino e ele estava com as malas prontas. Disse que não queria ficar sozinho lá, queria voltar pra Assú.
O presidente do Santa Cruz achou um jeito de convencê-lo a ficar: levar para Natal também Rafael, primo de Gabriel Veron. Os dois ficariam treinando no Santa Cruz o tempo que fosse preciso. Depois de dois meses, Rafael desistiu e voltou para Assú. Gabriel Veron, já adaptado a nova vida, seguiu em frente.
O imóvel da churrascaria que foi lar de Veron foi vendido no ano passado. O Quebra Osso abriu nova unidade do seu restaurante em Nova Parnamirim, grande Natal. E pretende construir alojamentos para abrigar novas descobertas que fizer pelo interior do estado.
Quatro dias de testes e primeira convocação
Faltava a Gabriel Veron uma oportunidade em um grande clube. Quebra Osso diz que o Vitória se interessou pelo menino quando um olheiro do clube o viu jogando por um time de base do Santa Cruz (RN). Mas o dirigente achava que Veron tinha espaço em "um clube maior, um grande mesmo do Brasil". O estalo surgiu em agosto de 2016, quando a imprensa noticiou que o atacante Gabriel Jesus havia sido vendido pelo Palmeiras para o Manchester City (ING) por cerca de R$ 120 milhões (cotação do euro na época).
– Liguei para o João Paulo (Sampaio, coordenador geral das categorias de base do Palmeiras) e disse pra ele: "Vocês venderam o Gabriel Jesus, mas eu tenho outro Gabriel aqui no Santa Cruz para substituir, é o Gabriel Veron". Ele não acreditou muito não – conta Quebra Osso.
Alguns meses se passaram e o presidente do Santa Cruz voltou a ligar e insistir. No início de 2017, João Paulo, enfim, aceitou a oferta. Gabriel Veron, ainda com 15 anos, iria ficar no Centro de Formação de Atletas do Palmeiras, em Guarulhos, por dois ou três meses para ser observado.
– Depois de quatro dias, me ligaram: "Manda a documentação do Veron pra gente. Ele vai ficar" – diz Quebra Osso, orgulhoso e emocionado. – Veron precisou de quatro dias só!
Gabriel Veron decolou e não parou mais de subir. Pouco mais de 40 dias depois, ainda como atleta do Santa Cruz (RN) emprestado ao Palmeiras, foi convocado pela primeira vez para a Seleção Brasileira sub-15. Em novembro de 2018, assinou o primeiro contrato profissional com o Verdão – no prazo máximo de três anos de duração, como determina a legislação para menores.
As profecias do avô e do Quebra Osso
Quando a reportagem da Globo chegou à casa da família de Veron em Assú, foi recebida com lágrimas pela avó Graça. Durante as gravações, o calor de 38°C, o tempo seco, a presença do neto e da equipe da TV na casa a fizeram desmaiar em um dos cômodos da casa. Restabelecida, dona Graça falou sobre uma profecia do ex-marido e avô de Veron, Zeca.
– Ele ficava repetindo: "Um dia o Globo Esporte vem aqui em casa entrevistar o Gabriel". Por isso que a gente fica emocionada, de ver essas coisas acontecendo desse jeito – diz Graça.
Outra profecia foi feita por João Quebra Osso. Graciele não se esquece do dia da peneira em Ipanguaçu, quando Veron foi chamado pelo dirigente para morar em Natal e tentar a vida de jogador de futebol.
– É muito emocionante porque ele veio do interior, poderia ter trilhado muitos outros caminhos em Assú, mas seguiu o do futebol. E a gente sabe que não é fácil acontecer o que está acontecendo com ele. No dia que Quebra Osso perguntou se podia levar Veron para Natal, ele disse: "Com 15 anos ele vai estar na Seleção Brasileira". Foi dito e feito! – diz.
Com a Seleção sub-17, Gabriel Veron foi campeão do mundo e eleito craque da Copa disputada em 2019 no Brasil. A fama, que aumentou com esses feitos e com a transmissão em TV aberta para todo o país, fez com que fatos inusitados acontecessem. Veron chegou até a "ganhar" novos pais.
– Eu estava em Brasília quando mandaram um vídeo pra mim de um homem dizendo que era o pai dele. E uma mulher, com o nome de Roselita, falando que era a mãe. Quando é desconhecido ninguém quer assumir o menino, né? – diz, rindo, Graciele.
O pai Carlos Eduardo não cansa de rir da história.
– Quando eu vi o homem falando que era o pai, eu tomei um susto... Falei: "Oxi, o pai sou eu".
Simplicidade é uma das características mais marcantes de Veron e da família. Potiguares de couro duro do semiárido do Brasil.
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