Dez anos de uma conquista: Vanderlei chora ao recordar bronze histórico

28/08/2014 17h58


Fonte GloboEsporte.com

Imagem: Marcos GuerraClique para ampliarVanderlei se emociona com o bronze de 2004 e a medalha de Coubertin.(Imagem:Marcos Guerra)
Vanderlei se emociona com o bronze de 2004 e a medalha de Coubertin. 

“Desculpa, prometi que não iria mais chorar”. As lágrimas tomaram o rosto de Vanderlei Cordeiro de Lima e se misturaram ao sorriso largo. O maratonista não precisava se desculpar, pelo contrário, tinha carta branca para se emocionar na véspera do aniversário de 10 anos da sua medalha de bronze na histórica prova das Olimpíadas de Atenas. Nesta quinta-feira, em São Paulo, ele recebeu uma homenagem da BM&F Bovespa/São Caetano do Sul, clube que é padrinho, e ressaltou a conquista, que superou obstáculos como um acidente de moto meses antes dos Jogos Olímpicos e o ataque do ex-padre irlandês Cornelius Horan.

- Quando comecei eu não tinha nem um gato para puxar o rabo como diz o ditado, mas tinha um sonho. Muita gana, determinação e principalmente vontade de vencer. Fui mais longe do que imaginava, e por isso estou aqui hoje. Só tenha a agradecer. Passamos por muitas situações que quem está fora não acredita. 2004 foi um ano de provação para mim e para o Ricardo (D’Angelo, técnico) - disse Vanderlei, tendo de parar por diversas vezes para tomar fôlego e conter o pranto.

Imagem: Agência ReutersClique para ampliarVanderlei fez um aviãozinho na chegada da maratona de Atenas 2004.(Imagem:Agência Reuters)
Vanderlei fez um aviãozinho na chegada da maratona de Atenas 2004.

Depois de dez anos, o maratonista revelou um drama anterior ao incidente em que foi empurrado por um manifestante quando liderava a prova perto da marca de 36km dos 42,195km. No fim de janeiro de 2004, quando ainda não tinha vaga garantida nos Jogos, Vanderlei sofreu um acidente de moto e quebrou a clavícula do ombro esquerdo. Ele diz que estava pronto para jogar a toalha, mas ganhou forças com o voto de confiança do técnico Ricardo.
- Na hora do aviãozinho, na chegada do estádio Panathinaikos, eu sentia muitas dores no braço. O esquerdo estava mais baixo que o direito, mas a alegria de conquistar o bronze era muito maior do que a dor que sentia.
O ouro acabou nas mãos do italiano Stefano Baldini, e a prata ficou com o americano Mebrahtom Keflezighi. Por ter continuado a corrida depois do ataque do ex-padre irlandês, Vanderlei recebeu a medalha Pierre de Coubertin, uma rara honraria do Comitê Olímpico Internacional aos atletas que exemplificam o espírito esportivo - até hoje 17 atletas foram condecorados. Para Vanderlei, porém, o bronze tem um sentimento mais especial do que a homenagem do COI.

- Nunca imaginei ganhar a medalha de Coubertin, mas o sonho olímpico sempre tive. Acho que Deus colocou daquela forma para que eu pudesse ter o reconhecimento que tenho hoje, para que eu pudesse ser mais valorizado. Na cultura do brasileiro às vezes só importa o ouro. Sou o Vanderlei do padre, não o Vanderlei do bronze. Às vezes dão muito mais relevância ao empurrão do padre , ao lado negativo, do que ao mérito da conquista. Talvez o mérito de liderar a prova também seja do padre - disse Vanderlei.

 Imagem: Agência Reuters Vanderlei foi atacado por manifestante quando liderava perto de 36km.

 Desde 2004, Vanderlei já falou diversas vezes que perdoou Cornelius, não apenas por atrapalhar na prova, mas pelo susto causado. O brasileiro entrou em pânico quando viu o irlandês o atacar, temendo por sua vida. O maratonista evita dar visibilidade ao incidente e à atitude do ex-padre e prefere ressaltar a conquista do bronze. Cornelius, que depois virou celebridade na Inglaterra e participou de um reality show, afirmou ter mandado várias cartas pedindo desculpas formalmente, mas nada até hoje chegou às mãos de Vanderlei.
- Acho que os carteiros brasileiros já boicotaram o Cornelius. Nunca tive nenhum tipo de contato com ele. Raiva? É até engraçado fala, porque as pessoas não acreditam quando eu falo que não guardo mágoa. A grandeza da conquista do bronze foi muito maior do que a decepção pelo fato de ele ter me agarrado. Vivo de bem com a vida, não consigo ter raiva das pessoas.

Não há como prever se Vanderlei conseguiria manter a grande vantagem que tinha no momento de ataque para levar o ouro nas Olimpíadas. A dúvida permanecerá até mesmo para o maratonista.

- Eu poderia não ter ganhado o ouro, mas a disputa iria para o final da prova. Demoraram quase dez minutos para me ultrapassarem depois do incidente. Jamais vou dizer que seria campeão. Acho que o Stefano foi infeliz ao declarar logo depois na coletiva que seria campeão em qualquer situação. Essa dúvida vai fica, mas me foi tirada uma grande oportunidade de ganhar o ouro. Não é por isso que vou ficar lamentando.

Aposentado desde 31 de dezembro de 2008, Vanderlei Cordeiro de Lima vive dos frutos da conquista do bronze histórico. Ele é padrinho do clube de São Caetano do Sul e dirige um instituto com seu nome voltado à iniciação de crianças no atletismo.

Imagem: Marcos GuerraAlém das medalhas olímpicas (bronze e Coubertin), Vanderlei tem dois ouros pan-americanos.(Imagem:Marcos Guerra)Além das medalhas olímpicas (bronze e Coubertin), Vanderlei tem dois ouros pan-americanos.