Fogo, conflito e tensão: Inter sente na pele a crise no Chile em estreia na Libertadores
05/02/2020 11h22Fonte Globoesporte.com
Imagem: Arquivo pessoalVictor Cuesta na partida contra a La U enquanto torcedores ateavam fogo no estádio Nacional de Chile
Marcelo Lomba tenta manter os olhos no jogo, mas é impossível não desviar o olhar para o que ocorre às suas costas. Mesmo que sejam os minutos finais da estreia do Inter na Libertadores, a chuva de cadeiras arremessadas e o fogo ateado por torcedores nas arquibancadas roubam a cena.
Nesta terça-feira, o Inter teve um jogador a mais durante boa parte do segundo tempo, mas ficou no 0 a 0 com a Universidad de Chile no Estádio Nacional. Um duelo decisivo, a primeira prova de fogo de Eduardo Coudet, o restante do ano em jogo... Sobram elementos para dar peso à partida.
Mas o futebol quase não será assunto nas linhas a seguir. Ele dará espaço às cenas de confronto entre torcedores e a polícia chilena nas arquibancadas e no pátio do estádio. Todas narradas pelo GloboEsporte.com a seguir.
A apreensão com possíveis conflitos ditou o ambiente durante os dias que antecederam o confronto. A Conmebol antecipou o horário da partida em mais de uma hora e advertiu a La U sobre possíveis sanções em caso de confusões. O clube respondeu: reforçou o esquema de segurança e limitou a capacidade do estádio para garantir tranquilidade ao jogo.
O Inter chegou ao estádio, fez o aquecimento e iniciou a partida. Tudo isso, sem transtorno algum. Com a bola rolando, faixas pedindo a renúncia do presidente Sebastián Piñera surgiram no alambrado e foram acompanhadas de um cântico: "Piñera, assassino, igual a Pinochet", numa referência aos dias da ditadura de Augusto Pinochet. Era o prenúncio da violência que viria a seguir.
Conflito do lado de fora
Bastou o intervalo do jogo. As arquibancadas que abrigam a organizada "Los de Abajo" se esvaziaram. Do lado de fora, um grupo de cerca de 25 torcedores com máscaras escondendo o rosto arremessavam pedras e pedaços de madeira contra um blindado da polícia. O conflito encerrou com correria dos torcedores assim que o segundo tempo iniciou.
Fogo nas arquibancadas
A tensão e os conflitos se transferiam para as arquibancadas e desviaram todos os olhos do futebol nos minutos finais do segundo tempo, já após a expulsão de Montillo. Um grupo de torcedores começou a arremessar cadeiras e outros objetos em direção a alguns carabineros que estavam na pista atlética.
Os policiais apenas trataram de recuar para evitar que os ânimos não se acirrassem ainda mais. Um dos torcedores, então, resolveu desafiar as autoridades: invadiu a pista atlética e ali ficou, com punhos em riste.
Em meio à chuva de cadeiras, os torcedores atearam fogo a pedaços de papelão. As chamas logo subiram, e a fumaça tomou o campo de jogo. Próximo ao local, Lomba desviara o foco da partida, preocupado com o que poderia ocorrer. Além das labaredas, torcedores com máscaras no rosto ostentavam barras de metal e as erguiam em tom de provocação.
- Eu era o que tinha mais noção do que tava acontecendo. Foi difícil ter total atenção no que estava acontecendo. Se tivéssemos 11 contra 11, eu teria sido um pouco mais incisivo para parar o jogo. Fico preocupado porque de uma hora pra outra alguém pode invadir, arremessar pedra e ficar um pouco perigoso. Também não queria parar o jogo por uma situação que estava sob controle - diz Lomba.
Imagem: Arquivo pessoalTorcedores da La U depredam estádio Nacional de Chile durante partida contra o Inter
Fogo, objetos arremessados, tensão. O árbitro até paralisou brevemente o jogo, mas nem passou perto de cogitar encerrá-lo antes do tempo regulamentar. Uma decisão atípica em um futebol em que basta um mísero sinalizador para render punições e interrupções ao longo da partida.
Os bombeiros se aproximaram para apagar o fogo e foram recebidos com mais pedras e cadeiras. A polícia teve de protegê-los com escudos de acrílico. As chamas só foram contidas após o apito final, com os jogadores já nos vestiários.
Inter fará reclamação formal à Conmebol
O Inter agirá junto à Conmebol após os incidentes desta terça-feira. O clube fará uma reclamação formal à entidade e espera uma punição por conta da falta de segurança em solo chileno. A Conmebol, por sua vez, abrirá um processo disciplinar para apurar os episódios no Estádio Nacional.
Em meio a tudo isso, o Inter desembarca em Porto Alegre na madrugada desta quarta-feira e já treina à tarde. No próximo sábado, a equipe enfrenta o Novo Hamburgo pelo Gauchão. O jogo da volta com a La U está marcado para a terça-feira, às 19h15, no Beira-Rio.
Entenda os protestos no Chile
Os protestos voltaram a tomar Santiago após a morte do torcedor do Colo-Colo Jorge Mora, atropelado por um veículo da polícia após uma partida na última terça-feira. O incidente reacendeu a revolta dos movimentos sociais contra o governo de Sebastián Piñera e a violência dos "Carabineros", a polícia chilena, ao conter as manifestações.
O presidente tem apenas 6% de aprovação popular. Os protestos iniciaram em outubro, com o aumento no preço do transporte público como ponta do iceberg das reivindicações para combater a desigualdade social no país.
De outubro a 28 de janeiro, são 31 mortos em confrontos e mais de 400 pessoas com lesões graves no olho por disparos de armas não letais. A última semana foi a mais violenta desde novembro no Chile, com duas mortes em protestos.
O futebol – como não poderia ser diferente – reflete a indignação do povo. Desde a morte de Mora, as organizadas do país se mobilizam para paralisar as competições em solo chileno. O jogo entre Coquimbo e Audax Italiano, na última sexta-feira, foi paralisado devido a invasão de campo.
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