Homem salvou família antes de morrer em chacina em Fortaleza

29/01/2018 08h33


Fonte Estadão

Era noite de sexta-feira em Cajazeiras, na periferia de Fortaleza. Um adolescente de 12 anos ajudava o pai e a mãe a vender lanches em frente ao Forró do Gago quando foi surpreendido pelo próprio pai, que empurrou o filho e a mulher para trás da barraca. Homens armados haviam descido de três carros e disparavam a esmo. Começava ali a maior chacina da história do Ceará, que terminou com 14 mortos e 18 feridos.

O pai, Antonio José Dias de Oliveira, de 54 anos, morreu na hora, na frente da mulher e do filho. Ela saiu ilesa e o adolescente levou um tiro na perna direita. Foi socorrido em um hospital e teve alta na manhã de ontem, a tempo de acompanhar o enterro do pai.

Segundo outro filho de Oliveira, cujo nome não é divulgado para preservá-lo, em mensagens de áudio compartilhadas pelo WhatsApp, a chacina já vinha sendo prometida desde novembro passado. Nas ameaças, integrantes da facção Guardiões do Estado (GDE) diziam que “iam matar todo mundo” no bairro, visto como área de influência do grupo carioca Comando Vermelho (CV), facção rival ao GDE.

Segundo relatos de testemunhas, homens fortemente armados desceram em frente à casa de forró e, calmamente, passaram a atirar nas pessoas que estavam na porta da casa de show. Depois, os criminosos entraram no espaço e continuaram disparando. “Depois de atirar, eles ainda ficaram lá, andando em volta”, descreve uma testemunha. “É um forró normal, que vai todo mundo. Não era lugar que era festa de facção.”

Imagem: EstadãoHomem salvou família antes de morrer em chacina em Fortaleza.(Imagem:Estadão)

O vendedor de lanches tinha nove filhos de dois casamentos – o mais novo é um bebê que acaba de fazer um ano. Oliveira é um dos trabalhadores mortos na chacina. Outra comerciante, de outra barraca, também está entre as vítimas. No total, oito mulheres e seis homens morreram. Entre os homens está um motorista de aplicativo que deixava uma passageira no local.

Segurança pública

Na tarde de domingo, 28, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), disse que seu Estado não fabrica nem armas pesadas nem drogas e que cobrará ações do presidente Michel Temer para conter a onda de violência local. “Estou pedindo uma audiência com o presidente da República para cobrar ações mais efetivas do governo federal em relação ao combate ao crime organizado, ao tráfico de drogas, à proteção das fronteiras do nosso País por conta dessa questão do alto índice de criminalidade do Brasil”, disse.

Segundo Santana, a polícia cearense identificou cinco pessoas envolvidas com a chacina, sendo três mandantes, e que as prisões sairiam “nas próximas horas”. Um suspeito, portando um fuzil, foi preso anteontem. “Estamos pagando um preço muito caro hoje por falta de uma política nacional. Essas facções nasceram no Rio e em São Paulo e se espalharam pelo Brasil inteiro. Isso é uma briga de território.”

As acusações incomodaram o Planalto e o Ministério da Justiça. Em nota divulgada à noite, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, ofereceu apoio do governo federal, mas devolveu a responsabilidade na questão de segurança pública para o Estado. “O ministro Torquato Jardim reafirma que a União seguirá cumprindo o papel de oferecer apoio técnico e financeiro aos Estados, como vem fazendo regularmente, para que os órgãos de segurança pública trabalhem de forma integrada e harmoniosa, ainda que os governantes não solicitem apoio por razões eminentemente políticas”, disse o titular da Justiça.

O ministro informou ainda que “uma força-tarefa” de membros da Secretaria Nacional de Segurança Pública, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Departamento Penitenciário Nacional foi formada por determinação dele, “para subsidiar a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Ceará com investigação e informações de inteligência”.

A nota acrescenta ainda que “o reforço” com a força-tarefa montada “tem objetivo de propiciar aos órgãos de segurança do Estado que atuem para reprimir de forma exemplar a ação de grupos criminosos envolvidos na chacina do último sábado”.

Suspeitas de novas mortes


Durante a coletiva de imprensa, Santana também foi cobrado por repórteres sobre novas mortes que teriam ocorrido na região metropolitana de Fortaleza após a chacina. Funcionários de empresas funerárias que atendem a cidade relatam que já houve ao menos dez mortes, e que sete teriam ocorrido em dois ataques.

O governador se recusou a fornecer tais dados e se irritou ao ser cobrado. Ele disse que "o controle (da situação) é e sempre será do Estado", mas ao ser questionado sobre os números objetos, não os passou. "Não tenho a informação". Então, foi questionado sobre o suposto controle que teria. "Se não tivesse controle, você não estaria aqui, meu caro. Se não tivesse controle, você não estaria nem andando nas ruas de Fortaleza", disse, encerrando a coletiva.

Guardiões

Apontada como responsável pela chacina, a facção Guardiões do Estado foi criada há cerca de dois anos em Fortaleza e tem como marca o fato de cooptar adolescentes e praticar ataques mais violentos do que os dos grupos rivais. O GDE teria se aproximado do Primeiro Comando da Capital (PCC), na tentativa de enfraquecer o CV. A disputa pelo controle do território é considerada razão para o crescimento da violência na capital cearense.

O Estado bateu, no ano passado, o recorde de homicídios. O número de mortes violentas passou de 3.407 em 2016 para 5.134 em 2017 – uma alta de 50,7%. Em Fortaleza, o aumento foi ainda maior: 96,4% (de 1.007 para 1.978).

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Tópicos: fortaleza, estado, mortes