Qual o nosso capital cultural?, por Ana Regina Rêgo
05/03/2011 09h39Há quem não goste da expressão Capital Cultural, pois traz à memória o processo economicista de acumulação de bens que compõem o Capital Econômico. Pierre Bourdieu, sociólogo francês, afirma que este tipo de capital, refere-se ao modo de acumulação de poder a partir de bens simbólicos que podem, no contexto das sociedades contemporâneas, influir nas formações sociais, econômicas e políticas. De acordo com este autor existem três formas de capital cultural. A primeira relacionada ao estilo, à beleza e a forma de falar, compondo o que ele denomina de capital cultural incorporado.
A segunda seria composta pelos bens culturais tais como livros, quadros, edifícios e outros tantos e seria uma forma objetivada de capital cultural. A última se daria a partir das instituições sociais, seria, portanto, o capital institucionalizado.
Em outro prisma, Featherstone nos fala do Capital Cultural que se forma em determinado lugar e período histórico e que nasce a partir de efeitos intencionais de potencialização e visibilidade de formas particulares de processos e estruturas alçadas à condição de simbólicas perante um povo ou nação. Entretanto, essa a hierarquia simbólica que se forma, não pode ser considerada eterna e que a mesma refere-se a contextos históricos específicos, logo há em toda a história da humanidade a mudança permanente do lugar do capital cultural, tanto no que concerne aos ambientes físicos, como às classes sociais.
Ainda segundo este autor existe uma crescente variedade de critérios para classificar as cidades em termos de capital cultural. Para ele o que acontece hoje, é que existe uma posição mais relativa e pluralista no julgamento do gosto cultural que inclui a alteridade, antes excluída, em detrimento dos critérios “universalmente aceitos para julgar o gosto cultural”. Assim é que, Featherstone nos aponta os caminhos já traçados por muitas cidades em várias partes do mundo que ressaltam seus valores culturais, ou criam novas formas de atração do público a partir de um novo equipamento cultural, como por exemplo, Bilbao e Valencia na Espanha, ou, Niterói no Rio de Janeiro e Fortaleza no Ceará, dentre outras.
Em sua análise, o investimento em novas indústrias de serviços, informação e tecnologia, pode levar mais cidades a acumular outro tipo de capital cultural que levará, paralelamente, ao acúmulo de capital econômico. Featherstone nos recorda que as “condições mundiais de intensificação de competência e liberação do mercado em matéria de investimentos e fluxo de capitais fizeram com que as cidades tivessem um viés mais empresarial e uma maior consciência de sua imagem”, principalmente, passaram a perceber o quanto esta imagem pode influir nos processos econômicos e estes nos demais processos da vida em sociedade, desde a geração de empregos, a condições de educação e saúde.
Featherstone enfoca ainda, que a hierarquização das áreas urbanas internamente pode não só remodelar o tecido cultural de áreas antes degradadas em certos centros urbanos, mas também “ dar um perfil mais destacado a grupos da nova classe média que são, em muitos aspectos, os produtores, portadores e consumidores de estilos de vida que compreendem a culturalmente sensível “estilização da vida”. Este fato se verifica não somente nos centros urbanos que desejam ser alçados à condição de cidades com forte capital cultural, logo atrativas para o desenvolvimento econômico, principalmente, relacionado ao turismo e demais serviços, mas nas cidades já detentoras de grande força cultural como São Paulo, Nova York, Paris, Barcelona, Madrid, Roma, dentre outras, aonde a adoção de políticas de recuperação de espaços urbanos com inserção crescente de equipamentos culturais tem atraído novas formas de manifestações criando novos estilos de vida, a exemplo do ocorre em São Paulo, com estilos musicais, modo de falar, estilos de vestir que fomentam uma atividade cultural intensa e que atrai inúmeras formas de incentivo, já que possuem um público formado em diversas modalidades artísticas.
Nesse contexto, nos perguntamos: _ qual o nosso capital cultural no Piauí? Outro dia, em um jantar em casa de amigos, ouvimos de conterrâneos nossos que não há o que mostrar em Teresina como também no Estado, porque não existe infra-estrutura turística e atrações que possam interessar ao visitante. Não podemos negar que há um fundo de verdade nessa afirmação, já que nos falta não apenas infra-estrutura, mas organização, conhecimento cultural e educacional, dentre inúmeros outros fatores. Contudo, a nossa riqueza cultural extrapola o Parque Ambiental Encontro dos Rios, o novo mirante da ponte estaiada, o Parque Nacional da Serra da Capivara, o Delta do Parnaíba ou o Parque Nacional de Sete Cidades. A nossa riqueza cultural se encontra também em nosso modo de falar, em nosso modo de vestir que deveria ser adequado ao nosso clima que é quente sim, mas também nas danças como o Congo de Oeiras, ou em tradições como o Reisado, ou ainda, em manifestações peculiares como o Cordel, a música tocada pela Rabeca, passando pela culinária que é maravilhosa e invadindo as manifestações religiosas que possuem visibilidade em Oeiras, mas que acontecem em todo os municípios do Piauí com grande participação popular.
Por outro lado, o Piauí é repleto de parques ambientais e áreas de preservação ambiental em cujos territórios existe uma complexa formação cultural a partir da interação do homem com o meio e com o próprio homem. No Delta do Parnaíba, por exemplo, as condições da natureza fizeram com o que a população do lugar desenvolvesse determinados tipos de comida, roupas e moradias. Esse fato se repete em cada ecossistema do Estado, incluindo o cerrado, o sertão e o próprio litoral.
Desse modo, se é certo que temos em nosso território manifestações culturais valiosas, assim como, espaços ambientais únicos, o que nos falta para reconhecermos o nosso Capital Cultural e realmente começarmos a entender que este capital pode ser benéfico e transformador do ambiente social de miséria e exclusão em que vivem a maior parte dos piauienses?
Do meu ponto de vista, falta:
- Visão dos gestores públicos. Falta entendimento de que cultura é investimento e, portanto, se reverte em benefícios sociais e econômicos, pois a partir de iniciativas simples de promoção do ambiente cultural se promove o turismo, por exemplo.
- Visão da mídia, que necessita visibilizar o que temos.
- Visão da sociedade que necessita não somente conhecer e ter orgulho do que temos e do que somos, mas também necessita se unir e se organizar em prol de tudo o que é cultural no Piauí.
Enfim, como dito em artigo anterior nos falta superar uma miopia cultural generalizada e é este o convite que faço a todos, sobretudo, aos que pelo voto do povo foram alçados à condição de nossos representantes nos poderes executivo e legislativo; nas esferas federal, estadual e municipal. A esses, convido e convoco para que realizem investimentos na área cultural e retornem ao povo o que lhes foi dado e faço isso lembrando-lhes de que o poder que ora detém não lhes pertencem, mas sim ao povo.
Ana Regina Rêgo - é jornalista, consultora e professora da UFPI. Mestre em Comunicação e Cultura - ECO - UFRJ, Dra. em Comunicação Corporativa - UMESP UAB-Barcelona.