Artesanato com planta da caatinga garante sustento de quilombolas no PI

08/08/2015 08h47


Fonte G1 PI

Imagem: Gustavo Almeida/G1Clique para ampliarPolicarpo Vieira diz que todos na comunidade se envolvem no trabalho.(Imagem:Gustavo Almeida/G1)Policarpo Vieira diz que todos na comunidade se envolvem no trabalho.

A vida de aproximadamente 80 moradores de uma comunidade remanescente de quilombo na zona rural de Dom Inocêncio, a 615 km de Teresina, não seria a mesma se não fosse uma planta típica da caatinga. Considerada a comunidade mais pobre do município, o povoado Jatobazinho fica distante aproximadamente 50 Km da zona urbana e tem como principal fonte de renda a produção de redes de caroá.

O caroá é uma espécie de bromélia nativa da caatinga e bastante resistente à seca. E foi na planta sertaneja que os moradores de Jatobazinho encontraram uma maneira de driblar a pobreza extrema que no passado foi bem mais severa na comunidade. Atualmente, os programas sociais do governo ajudam a complementar a renda, mas o grande motor do vilarejo continua sendo a produção das redes.

De acordo com Policarpo Vieira de Sousa, líder da comunidade, a confecção das redes começou ainda com os primeiros moradores do lugar. A atividade exige esforço e trabalho braçal tanto dos homens quanto das mulheres e até as crianças costumam ajudar os pais na atividade produtiva. Ele conta que o processo de produção dura vários dias desde a extração do caroá na caatinga até a finalização das redes.

"Todo mundo está envolvido no trabalho, pois é o sustento fundamental da nossa comunidade. É um trabalho coletivo que precisa ter gente e até as mulheres vão para o mato tirar o caroá. Na confecção das redes as mulheres fazem muito mais que os homens", falou.

Policarpo explica que devido o caroá não ser uma espécie cultivável está cada vez mais difícil encontrar a planta próximo à comunidade. Ele conta que atualmente os moradores precisam se deslocar até 19 quilômetros para encontrar a espécie em outras partes do município, o que aumenta as despesas e diminui o lucro dos quilombolas.

Depois de extraído na caatinga, o caroá tem as cascas retiradas, é deixado cinco dias de molho na água, em seguida é batido, lavado e exposto para secar. Só depois de seco é que se inicia o processo de produção das cordas para a confecção das redes. Segundo Policarpo, em média uma rede dura de três a cinco anos, conforme a frequência de uso.

Atualmente, uma rede é vendida por no mínimo R$ 70. Os valores variam de acordo com o tamanho e nos meses mais rentáveis até 100 redes chegam a ser feitas. O líder comunitário revela que a comunidade teme não encontrar mais a planta e relembra que no passado o produto era vendido por um preço bem mais barato, chegando a ser trocado até mesmo por alimento.

"Durante muito tempo ele é extraído e o povo aqui sempre tem tirado o sustento através dele. Começou sendo vendido bem mais baratinho e sendo trocado por alimentos, como um caneco de feijão, por milho, farinha ou rapadura. Se um dia o caroá acabar vai realmente ter uma grande queda na comunidade", disse.

Um fato curioso relatado pelos moradores é que a planta só é apropriada para a produção das redes no período da seca, já que durante as épocas de chuva a água que acumulada no caroá inviabiliza a lida com a espécie e, segundo eles, representa risco à saúde humana.

A produção é independente e cada morador produz e vende as suas redes. Somente quando um pedido em maior quantidade é feito é que eles unem a produção, que não conta com nenhum apoio do poder público. A dona de casa Domingas da Conceição Vieira, 29 anos, tem três filhos e mora em um barraco de taipa na comunidade. Segundo ela, o dinheiro das redes representa a maior parcela da renda da família.

"Eu recebo R$ 300 do Bolsa Família que ajudam como complemento, mas as redes é que são o nosso principal meio de vida. Eu faço rede desde criança e também vou para o mato tirar o caroá", contou a dona de casa.

Domingas fala que na comunidade todos começam cedo a labutar com o caroá. Ela trabalha na confecção ao lado da própria casa. A tarefa antes só podia ser feita durante o dia, mas após a chegada da energia elétrica em Jatobazinho há alguns anos o trabalho agora pode entrar na noite.

As redes são vendidas principalmente nas cidades de São João do Piauí, São Raimundo Nonato e algumas em Teresina. As vendas no próprio município de Dom Inocêncio, que possui aproximadamente 10 mil habitantes, ocorrem em menor número, segundo os moradores da comunidade.

No início da década de 2000, casas populares foram construídas para melhorar as condições habitacionais da comunidade e a maior parte dos moradores deixou de morar em barracos de taipa. Jatobazinho foi reconhecida como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares em 2014, com a publicação da certificação do Diário Oficial da União.

A certificação é uma forma de reconhecer as origens e possibilitar a ampliação de direitos, passando a ter mais visibilidade em relação ao acesso às políticas públicas.


Tópicos: moradores, redes, caroá