Entenda por que a transmissão descontrolada tende a criar vÃrus mais perigosos
28/02/2021 08h41Fonte folha press
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Lugares nos quais a transmissão do causador da Covid-19 continua a ocorrer em grande escala, como o Brasil, tendem a se transformar em fábricas de novas formas do vírus, facilitando o surgimento de variedades mais transmissíveis. A única maneira de evitar que versões potencialmente mais perigosas do Sars-CoV-2 continuem aparecendo é reduzir a circulação do vírus na população, afirmam especialistas."Vírus são moldados para sofrer mutações [modificações aleatórias no material genético]", explica Flávio da Fonseca, pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia. "Toda vez que um deles infecta uma pessoa, são geradas dezenas, centenas de mutações, a maioria das quais é deletéria e acaba nem indo para a frente -deixa de existir ali mesmo."
Embora os invasores virais exerçam algum controle de qualidade sobre seu material genético, às vezes sequestrando mecanismos das células humanas para fazer isso, trata-se de um controle naturalmente "frouxo", que permite o aparecimento abundante de mutações quando eles se multiplicam.
A questão é que, embora quase todas essas modificações sejam inúteis ou neutras, algumas delas são capazes de melhorar a capacidade de espalhamento dos vírus. Podem, por exemplo, aumentar sua taxa de replicação (grosso modo, com que rapidez novas cópias virais são produzidas), ou fortalecer suas ligações com os receptores, as "portas" que usam para entrar nas células.
O que vai determinar quais dessas variantes prevalecerá na população viral no futuro é a seleção natural -ou seja, os vírus que se multiplicam com mais eficiência são os que deixarão mais descendentes que os demais. Acontece que, numa situação em que há muita gente sendo infectada -ou seja, muitas mutações virais novas aparecendo em milhares ou milhões de doentes-, há muito mais matéria-prima para a seleção natural "trabalhar". Dessa forma, a probabilidade de que apareçam mutações com maior capacidade de espalhar aumenta muito.
"É um processo quase matemático e bastante intuitivo", diz o virologista Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto. "A gente vê isso claramente com as linhagens virais da dengue e da febre amarela, dois vírus da mesma família que são muito próximos. A diversidade de vírus da dengue, com grande circulação na população, é muito maior que a dos de febre amarela, que circulam bem menos. O mesmo aconteceu com as linhagens do HIV, cuja diversidade explode no Caribe antes dos anos 1980 e depois nos EUA nos anos 1980, quando o vírus começa a circular em grande escala pela população."
Para Fonseca, o processo acontece de tal forma que é preciso inverter a lógica usada algumas vezes para explicar o recente colapso da saúde pública em Manaus, causado pela Covid-19. "Todo aquele drama foi atribuído ao surgimento da chamada variante P.1. Na verdade é o contrário: foi o descontrole, o descumprimento do distanciamento e das demais medidas que permitiu que a variante aparecesse", pondera.
O virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale (RS) e coordenador da Rede Corona-ômica, do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), diz que os dados atuais indicam que a variante P.1 já tinha chegado a outros estados brasileiros em dezembro. A outra variante comum é conhecida como P.2. "A evolução do vírus continua: as variantes P.2 iniciais não tinham todas as mesmas mutações que encontramos hoje, e também começamos a evidenciar mutações adicionais na P.1", afirma ele.
Quando as taxas de transmissão forem mais controladas, em especial graças à vacinação, o que deve acontecer?
"A situação usual é que o vírus, após um período longo, alcance um estágio de maior conservação do genoma, com menos variação, como vemos, por exemplo, quando se passam os anos após a introdução de novas cepas de influenza [vírus da gripe]", diz Spilki. A tendência, com isso, é que a taxa de transmissão se estabilize e que o vírus se torne endêmico (nem desaparece nem produz um grande aumento de casos da doença).
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