Família vê racismo em prisão de jovem por assalto no PI e mãe lembra soltura

27/01/2023 08h43


Fonte G1 PI

Imagem: Reprodução/TVFamília vê racismo em prisão de jovem após reconhecimento facial no PI e mãe relembra soltura: Família vê racismo em prisão de jovem após reconhecimento facial no PI e mãe relembra soltura: "como se tivesse pegado ele recém-nascido e colocado no colo".

“Eu acredito que não é crime um negro estar sentado numa praça, conversando no celular com a namorada, pros policiais chegar, abordar e dizer (sic) que é suspeito”,
declarou Maria José da Silva Alves, mãe de Wilian da Silva Alves, jovem de 19 anos preso suspeito de assaltar um comércio em Cocal e liberado provisoriamente na última terça-feira (24).

Wilian foi detido minutos após o roubo, enquanto aguardava um amigo em uma praça de Cocal. Ele teve a prisão em flagrante convertida em preventiva após suposto reconhecimento da vítima.

Advogados de defesa, no entanto, alegam que, no momento do crime, o jovem estava almoçando na casa da sogra. Eles utilizaram até mesmo fórmulas físicas para fortalecer a tese e conseguir o alvará de soltura.

Para Wilian e a família, o caso revela o racismo estrutural no Brasil. Um levantamento feito pelo Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), divulgado em 2021, aponta que 83% dos presos injustamente por reconhecimento no país são negros.

“Eu tava na praça, esperando meu colega vir me buscar pra ir pro Buriti [dos Lopes], porque minha moto tinha quebrado. Foi totalmente inesperado. Eu não tinha conhecimento de nada, não sabia [sobre o assalto]", disse.

"Sentei na praça, falando com minha namorada. Do nada, a Polícia Militar. Descem cinco homens do carro e vêm me abordar. Eu fiquei sem reação, [pensei] tá, vai ser um enquadro normal, deixei meu celular e virei de costas. Só que os policiais já foram me algemando, me levaram pra viatura e disseram que eu tava sendo suspeito de um roubo”.

Imagem: Reprodução/TV Clube Família vê racismo em prisão de jovem após reconhecimento facial no PI e mãe relembra soltura.(Imagem:Reprodução/TV Clube )Família vê racismo em prisão de jovem após reconhecimento facial no PI e mãe relembra soltura.

“Me levaram pro local do crime. Quando eu cheguei lá, a pessoa me acusou. Sendo que nunca vi a pessoa na vida. Ela pega, me reconhece, sendo que não tinha sido eu. Se eu tivesse outra cor, com certeza não teria me conhecido. Disse que era eu por causa da minha cor. Sei nem dizer o que tanto pensei. É só aflição. Meu Deus, por que tá acontecendo isso comigo? Eu nunca tinha entrado em uma delegacia e agora tô sendo sendo encaminhado, suspeito de um crime, uma coisa que não fiz”, recordou Wilian.

O rapaz permaneceu na Penitenciária Mista Fontes Ibiapina, em Parnaíba, por sete dias. Durante a prisão, amigos e familiares realizaram um protesto para defender a inocência dele.

Um vídeo divulgado pela defesa de Wilian mostra o reencontro emocionante de Maria José com o filho na manhã de terça-feira (24). Entre lágrimas, os dois se abraçaram na saída da prisão. Familiares e amigos também acompanharam a saída e comemoraram com aplausos.

“Eu ficava imaginando meu Deus, o que tá acontecendo com meu filho lá? O que tão fazendo com meu filho lá? Será que não tão maltratando meu filho? Como que meu filho tá? O que ele tá comendo? Meu Deus, onde é que meu filho tá dormindo?. Porque, a gente sabe, a partir do momento em que a pessoa vai pro presídio, ela vai tá lá com várias pessoas. Pessoas que cometeram vários delitos”,
relembrou a mãe.
Imagem: Reprodução/TV Clube Família vê racismo em prisão de jovem após reconhecimento facial no PI e mãe relembra soltura(Imagem:Reprodução/TV Clube )Família vê racismo em prisão de jovem após reconhecimento facial no PI e mãe relembra soltura

Para Maria José, a data jamais será esquecida. Segundo ela, a sensação foi de que o filho havia nascido de novo.

“Nesse dia, em que os advogados dele disseram vamos pegar o Wilian?, eu gritava nessa casa. Meu Deus, obrigada meu Senhor e corria pra um lado, corria pro outro. Quando cheguei lá, que abriram o portão e eu vi meu filho sentadinho no presídio, meu coração ficou tão acelerado. Me deu vontade de entrar, correr e abraçar, mas eu não tinha permissão, só o advogado podia pegar ele. Quando ele saiu, foi como se eu tivesse pegado ele recém-nascido e colocado no meu colo. Essa foi a sensação”, concluiu.

Agora, a família aguarda uma posição da Justiça. E a defesa, formada pelos advogados de defesa Batista Filho Júnior e Bruno Portela, busca reparação pelos constrangimentos que o jovem passou.

O caso ainda está sob investigação e Wilian não está absolvido, o que vai depender do inquérito na Polícia Civil, que vai determinar se ele será indiciado ou não. Em caso positivo, o Ministério Público poderá ou não formalizar denúncia à Justiça. Caso não seja indiciado, o rapaz não terá mais pendências criminais.

“Segundo a polícia, a pessoa que cometeu o delito estava com uma blusa florida e uma bermuda laranja, o que não é verdade. Eles inventaram essa história, com certeza. Por conta do vídeo, não procede. O que eles estavam procurando realmente era um rapaz que batesse com a cor [da pele], um rapaz preto que estivesse nas redondezas. Infelizmente foi isso que aconteceu”, comentou o advogado Bruno Portela.

“Cabe ao longo desse processo descobrir de quem foi o erro. Fica a incógnita. A partir disso vamos agir juridicamente. Mas a priori, a preocupação é com o estado psicológico do Wilian. Devolver ele pra família e fazer com que ele esqueça esse momento”,
completou o delegado Batista Filho Júnior.

Defesa utilizou fórmulas físicas

Os advogados de Willian da Silva Alves utilizaram leis da física para conseguir a liberdade provisória do jovem de 19 anos. Conforme a defesa, ele estava almoçando na casa da sogra, na Zona Rural de Cocal, no momento em que o roubo, no Centro do município, aconteceu.

Os advogados do jovem, Batista Filho Júnior e Bruno Portela, basearam a defesa no princípio da impenetrabilidade da matéria, que garante que um corpo não pode ocupar ao mesmo tempo dois lugares distintos no espaço.

A defesa enfatizou que Willian não seria capaz de percorrer uma distância de 1,1 km em apenas 19 segundos. Os argumentos foram acatados pelo juiz da Vara Única de Cocal, Manfredo Braga Filho, que revogou a prisão preventiva contra o rapaz.

Na decisão, o magistrado admitiu o risco de erro ou ilegalidade do reconhecimento da vítima. Além de ter ressaltado que Willian não tem antecedentes criminais, tem residência fixa e profissão definida.

Questão de segundos

“Nos vídeos juntados aos autos é possível observar que o fato criminoso se findou às 12h19min39seg e que o autor do crime estaria vestindo uma bermuda azul, blusão rosa e mochila rosa. Poucos segundos depois, mais precisamente às 12h19min58seg, o requerente é visto chegando à praça com uma roupa totalmente diferente da utilizada pelo criminoso”,
diz trecho da decisão que libertou Willian.

“A distância entre os dois pontos é de mais de 1km e a possibilidade de se fazer presentes nos dois lugares, tendo por base a diferença de tempo, é praticamente impossível. Assim, não existindo tempo hábil suficiente para praticar o crime, trocar de roupa e se dirigir até a praça, tudo em menos de um minuto, forçoso reconhecer ao menos a dúvida de que o requerente seria o autor do fato delituoso”, completa.

Ao considerar que a velocidade média é a razão entre o deslocamento e o intervalo de tempo em que acontece algum movimento, os advogados concluíram que o jovem precisaria pilotar sua motocicleta a pelo menos 208 km/h.

“Se considerarmos as curvas, o trânsito, a mudança de roupa e potência do motor da moto, torna tal feito impossível”,
aponta vídeo produzido pelos magistrados.


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Tópicos: crime, defesa, advogados