Mãe teria feito a mistura que criança morta tomou após ritual, diz Conselho
29/04/2016 07h20Fonte G1 PI
O Conselho Tutelar de Teresina, afirmou ao G1 nesta quinta-feira (28) que a mãe da criança de 10 anos, que morreu após 15 dias internada no Hospital de Urgência de Teresina (HUT), deu pelo menos três versões aos conselheiros sobre como conseguiu o líquido ingerido pela garota após ritual. Uma delas, foi a de que ela mesma teria produzido a mistura à base de ervas e açúcar."Inicialmente a mãe informou que havia comprado o líquido em uma cidade vizinha à Teresina, mas também não relatou que cidade seria essa. Logo depois, em uma nova conversa, ela deu uma segunda versão: disse que tinha conseguido o líquido com uma vizinha. Já em outro depoimento, relatou que ela mesma havia feito a mistura", contou a conselheira Socorro Arrais.
Imagem: G1 PILiquido que a criança pode ter ingerido depois de ter participado de ritual no Piauí.
Em depoimento na segunda-feira (25), a mãe confessou ter dado a bebida com ervas e açúcar para a filha. A criança deu entrada no HUT com um quadro de intoxicação, além de apresentar cicatrizes em forma de cruz pelo corpo e cabelo raspado. A suspeita do hospital e da Polícia é de que a garota teria passado por um possível ritual. Os pais afirmaram ao Conselho Tutelar que frequentavam um salão de umbanda em Timon, no Maranhão.
Após 15 dias internada, a garota morreu nesta quinta-feira (28) depois de ter piorado do quadro de insuficiência renal e posterior falência múltipla dos órgãos. Uma parada cardíaca culminou na morte da menina. O corpo dela foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML).
O Conselho Tutelar reclamou da lentidão dos resultados do laudo dos exames toxicológicos. Nos próximos dias, a entidade deve requisitar um exame cadavérico no corpo da menina. Na terça-feira (27), a direção do HUT solicitou uma nova perícia para investigar a suspeita de abuso sexual na menina. Isso porque, segundo o diretor da unidade, Gilberto Albuquerque, a paciente apresentou papilomas (verrugas) nas cordas vocais, que podem ser transmitidas sexualmente através do vírus HPV.
"Queremos constatar se houve ou não o estupro de vulnerável, e para destacar o tipo de substância que ela teria ingerido. Esses laudos estão demorando. Por isso pedimos agilidade no resultado desses exames", disse a conselheira.
Investigação
A promotora Vera Lúcia, da 1ª Vara da Infância e Juventude de Teresina, contou ao G1 ter solicitado instauração de inquérito para apurar os maus-tratos e outros tipos de violência na menina.
"A mãe será responsabilizada pela indução da criança até a morte ao tomar esta bebida, sem nenhum tipo de recomendação médica. Por isso, ela deve responder por tentativa de homicídio qualificado, por motivo fútil, que tem pena de 12 a 30 anos de reclusão. Além disso, temos a denúncia de maus-tratos com pena de dois meses a um ano", comentou Vera Lúcia.
O delegado geral Riedel Batista reiterou que o caso da menina de 10 anos é acompanhado pela DPCA e os demais registros de tortura que tenham sido praticados no salão de umbanda em Timon serão investigados pela Polícia Civil do Maranhão.
Mais denúncias
A mãe de uma criança de Teresina submetida ao ritual de purificação em um salão de umbanda que fica a 20 km da cidade de Timon, no Maranhão, revelou ter sido convencida de que o filho precisava passar por um tratamento espiritual para não “virar criminoso”. O Juizado da 1° Vara da Infância e Juventude de Teresina recebeu do Conselho Tutelar a denúncia de que mais de 20 crianças teriam sido submetidas a torturas nesses rituais.
“Eu sabia que lá funcionava um terreiro, mas não sabia o que realmente acontecia por lá. A mulher de lá conversou com a avó dele dizendo que ele precisava fazer um serviço. Ela (dona do salão) disse que ele no futuro iria virar um marginal, um criminoso, e qual é a mãe que não tem medo né?”, disse a mãe do garoto, que terá a identidade preservada.
O menino, que tem 10 anos, também descreveu o ritual ao qual foi submetido. “Passamos sete dias. Era seis além de mim. Quando chegamos lá ele (pessoa do salão) passou alguma coisa na gente, mandou a gente banhar e se vestir de roupa branca. A gente comia inhame, arroz, feijão e carne e tomamos muito chá também. A mulher falava que era para a gente fazer as coisas tudo direitinho, porque se não a gente ficava mal”, falou.
Vara da Infâcia
A juíza da 1° Vara da Infância e Juventude de Teresina, Maria Luiza de Moura Melo, disse que autorizou o Conselho Tutelar a recolher qualquer criança desacompanhada que apareça com as mesmas características dessa vítima (cabelo raspado e cicatrizes em forma de cruz).
"Elas serão levadas para um abrigo, podendo os pais ter a suspensão da guarda ou até mesmo a destituição do poder familiar. O Conselho tem 24 horas para informar esses casos”, falou a juíza.
Na avaliação da juíza Maria Luiza, nesse caso, as crianças estão em situação de risco, sendo obrigadas a tomarem chás ou bebidas tóxicas, e cortadas com lâminas ou objetos pontiagudos. “Não acredito que isso seja religião, mas sim crime de tortura", declarou a juíza.
Maria Luiza de Moura Melo disse também que irá comunicar o juiz da comarca de Timon para punir os responsáveis pelo salão de umbanda. Segundo ela, essas pessoas podem ser punidas por lesão corporal e crime de tortura. "Cabe ao Ministério Público tipificar a responsabilidade criminal e pedir o fechamento do local onde os rituais são feitos", falou.
Filhas de dona de salão negam tortura
Em entrevista ao G1 na semana passada, duas filhas da proprietária do salão de umbanda, onde os pais levavam a menina, negaram que as pessoas que frequentam o local sejam torturadas. Sem quererem se identificar, as mulheres afirmaram que os cortes nos praticantes de umbanda são superficiais e feitos com o consentimento dos responsáveis.
“São pequenos cortes feitos no corpo, como se fossem uma raladura qualquer. A retirada de sangue do corpo da pessoa simboliza a vida. Do mesmo modo, as pessoas têm a cabeça raspada para simbolizar o renascimento, já que todos os seres nascem sem cabelos. Não praticamos tortura com ninguém, até mesmo porque quem deita santo [termo usado para quem passa pelo ritual] sabe o que está sendo feito, no caso da criança os responsáveis aceitam tudo”, relatou uma das mulheres.
Uma das filhas da proprietária do salão de umbanda afirmou que ela e seus filhos passaram pelos procedimentos várias vezes e nunca sentiram nada e negou o uso de bebidas nos rituais. De acordo com a mulher, o ritual acontece da seguinte forma: a pessoa doente fica recolhida no quarto durante sete dias, recebendo apenas orações.
“Nós temos algumas cicatrizes pelo corpo, mas quase imperceptíveis e nunca sentimos efeitos colaterais. Sempre passamos por isso quando sentimos algum problema de saúde ou de qualquer outra coisa. Além disso, não existe o uso de garrafada [mistura de ervas] para os praticantes de umbanda”, afirmou a mulher.
Sem deixar fazer o registro de foto ou vídeo, as mulheres mostraram algumas marcas pelo corpo e apresentaram os filhos com a cabeça raspada, informando que eles passaram pelos mesmos rituais. “Eu tenho marcas nos braços e no pescoço e meus filhos também. Eles também tiveram as cabeças raspadas. Isso para nós é normal, como qualquer outra religião”, disse uma das filhas.
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