Niède Guidon diz que seu maior legado é trabalhar com o que gosta

02/08/2022 08h39


Fonte G1 PI

Imagem: Reprodução/TV ClubeA arqueóloga Niède Guidon concedeu entrevista à TV Clube em sua casa em São Raimundo Nonato.(Imagem:Reprodução/TV Clube)A arqueóloga Niède Guidon concedeu entrevista à TV Clube em sua casa em São Raimundo Nonato.

Com 50 anos de trabalho, a arqueóloga Niède Guidon, foi a grande homenageada no retorno da Ópera na Serra. Mesmo com a saúde debilitada, ela compareceu no primeiro dia do evento e recebeu a equipe da TV Clube para uma entrevista, em que disse que seu maior legado é: trabalhar com o que gosta.

“Eu acho que trabalhar naquilo que você gosta e se dedicar a isso é realmente que lhe garante uma vida feliz, tranquilo e tudo né?”,
afirmou.

Niède Guidon tem 89 anos e está reclusa desde o início da pandemia por causa de problemas de saúde. Foi sua primeira entrevista presencial, depois que deixou as atividades no Parque Serra da Capivara.

A arqueóloga disse que muitas coisas mudaram com a pandemia, os recursos para o parque reduziram bastante, o número de funcionários e houve a terceirização da administração do local, que antes era gerida pela Fundação Museu do Homem Americano.

Confira a entrevista na íntegra:

Renan Nunes (RN): Como foram os últimos 2 anos para a senhora?

Niède Guidon (NG): Muito difícil! Com a pandemia, muitas coisas mudaram, os recursos diminuíram muito. Nós não pudemos manter o mesmo número de funcionários no parque e agora eles terceirizaram a administração do parque. Agora as coisas estão completamente diferentes.

RN: Desde que a senhora deixou a presidência da Fundação Museu do Homem Americano a senhora vive em casa, como a senhora está hoje?

Niède: Por ordens da minha médica estou isolada. Ela disse que eu não devo estar participando de muitas reuniões nem nada, então estou aqui fechada em casa.

RN: Cuidando da saúde logicamente?

Niède: É. Cuidando.

RN: Doutora, mais da metade da sua vida, a senhora dedicou ao seu trabalho aqui no Parque Nacional da Serra da Capivara. Ano que vem a senhora faz 90 anos, que balanço a senhora faz dessa trajetória tão admirada?

Niède: Os sítios que existiam aqui na Serra da Capivara são uma coisa única, tanto que a Unesco declarou Patrimônio da Humanidade. Quando eu vim aqui a primeira a vez e vi tudo isto, eu compreendi a importância de proteger tudo. Então eu consegui criar a fundação e lutar para manter então o parque nacional.

RN: Doutora, por conta das suas condições de saúde, a senhora se afastou do trabalho do que a senhora sente mais saudade? O que mais tá vivo na sua memória?

Niède: Eu gostava muito de ir ao parque! Eu ia todo dia ao parque, andava muito lá e via todos os animais, a paisagem do parque que é uma maravilha, os sítios arqueológicos e tudo. E agora fico aqui trancada, mas com a idade a gente tem que se acostumar com as mudanças!

RN: Bom e sobre a ópera, a senhora é a grande homenageada este ano. Afinal como a doutora Niède Guidon gostaria de ser retratada?

Niède: (risada) simplesmente como uma arqueóloga que gostava do trabalho, que sempre fez esse trabalho.
Imagem: Reprodução/ TV Clube  Arqueóloga Niède Guidon aos 89 anos.(Imagem: Reprodução/ TV Clube ) Arqueóloga Niède Guidon aos 89 anos.

RN: E como a senhora recebe essa homenagem? Como foi a reação da senhora ao saber da homenagem?

Niède: Acho que na realidade eu fiz aquilo que eu tinha que fazer como arqueóloga, encarregada aqui. Eu consegui que a França criasse a missão franco-brasileira e vinha todos os anos da França para cá com os meus alunos e fazia as pesquisas e tudo. Simplesmente eu fiz aquilo que fazia parte do meu trabalho.

RN: Como a senhora gostaria de ser lembrada pelas futuras gerações, já que a senhora inspira muitas delas?

Niède: Eu acho que trabalhar naquilo que você gosta e se dedicar a isso é realmente que lhe garante uma vida feliz, tranquilo e tudo né?

RN: E para o futuro, o que a senhora espera?

Niède: Eu não sei, daqui a pouco eu vou embora né? (risos) Procurando viver tranquila até o dia de partir.

RN: O que diria para as futuras gerações?

Niède: Eu acho que as futuras gerações já têm muitas pessoas trabalhando aqui, professores, pesquisadores, eles já sabem a importância disso aqui. Eu acho que o trabalho vai continuar da mesma maneira, temos os dois museus com tudo que for descoberto desses anos de pesquisas, quer dizer: graças ao parque e a tudo que aqui tem nós podemos mudar essa região completamente!

Repórter: Do que a senhora tem mais saudade, a memória que eu tenho de Niède Guidon é daquela pesquisadora de campo, dirigindo no meio da estrada...

Niède: É eu gostava muito de ir ao parque, de trabalhar, de escavar, as descobertas que a gente fazia... mas com a idade, não posso mais fazer. Então hoje tenho que me divertir com outras coisas.

A 4ª edição da Ópera na Serra realizou um grande espetáculo em homenagem aos 50 anos de trabalho da arqueóloga e fundadora do Parque da Serra da Capivara, Niède Guidon e todo o Brasil conheceu através de uma reportagem no Fantástico deste domingo (31). A ópera retratou diversos momentos da vida da arqueóloga, desde a sua infância em Paris (França) até a fase adulta, quando chegou para ser a "guardiã" do parque. Niède, que estava na plateia, foi ovacionada pelos aplausos da multidão que assistia o espetáculo.

O parque, que fica localizado em São Raimundo Nonato, município com cerca de 35 mil habitantes e que fica a 521 km ao Sul de Teresina, possui 43 anos de existência, é considerado patrimônio histórico e cultural da humanidade pela Unesco e, desde 2017, serve de cenário para o espetáculo que movimenta o turismo e a economia da região.

A última edição da ópera aconteceu em 2019. Devido à pandemia da Covid-19, o espetáculo só voltou a ser realizado neste ano. Foram três meses de produção, que contou com a participação de cerca de 300 pessoas na organização.

O espetáculo iniciou na terça-feira (26) com eventos na Praça do Abrigo, em São Raimundo Nonato e terminou neste sábado (30), com shows na Pedra Furada, no Parque Nacional da Serra da Capivara. Entre as atrações estiveram Cátia de França, Ostiga Junior e Roberta Sá.
Imagem: Reprodução  Arqueóloga Niède Guidon esteve na estreia da Ópera na Serra na Pedra Furada do Parque Serra da Capivara.(Imagem:Reprodução ) Arqueóloga Niède Guidon esteve na estreia da Ópera na Serra na Pedra Furada do Parque Serra da Capivara.

A cantora potiguar, indicada ao Grammy, se apresentou na quinta-feira (28), no primeiro dia das apresentações dentro da Serra e falou da importância do evento.

"Uma festa muito linda (...), esse lugar histórico, numa homenagem para essa mulher que é a Niède que mudou o rumo da arqueologia no Brasil e que colocou o Brasil no mapa da arqueologia, é maravilhoso! Um lugar lindo, mágico... é lindo ver esse espetáculo sendo realizado aqui. É o Brasil que eu acredito! Essa mistura de culturas, a gente poder se conhecer, a gente poder ter essa troca, então trazer música pra cá, enche meu coração de alegria", comentou a artista.

Importância de Niède

Niède Guidon fez muito pela região e pelas pessoas que ali habitam. Uma das pessoas que teve a vida transformada pela arqueóloga é a guariteira Maria de Jesus Pereira. A primeira oportunidade de emprego de Maria de Jesus foi dada pela arqueóloga.

“É uma porta que foi aberta e graças a Deus está dando certo até hoje. No início eu não tinha nada, muitas vezes não tinha nem o que colocar na mesa pros meus filhos e depois veio a doutora Niede. Agradeço muito a ela por isso, por essa oportunidade que ela me deu, de me dar o emprego, de eu ter o meu próprio dinheiro pra criar meus filhos”
lembrou.

Após 20 anos de trabalho, Maria falou também sobre o empoderamento e a independência financeira que ela e outras servidoras do parque tiveram.

“Nós aprendemos a ser dona do nosso próprio nariz. É tanto empoderamento para nós mulheres como oportunidade, porque nós não tínhamos. Como todos sabem, o estudo hoje é uma peça fundamental, mas pra nós que trabalhamos no parque, a doutora não viu isso, ela não foi olhar o currículo de nenhuma de nós. Simplesmente ela queria, nós mulheres, para tomar de conta das guaritas”
finalizou.

Tópicos: parque, serra, capivara