Ressocializar é uma palavra fictícia dentro do CEM, diz educador

02/11/2015 12h45


Fonte G1 PI

O Centro Educacional Masculino (CEM), único no Piauí a aplicar medidas socioeducativas aos adolescentes apreendidos por atos infracionais, conta com estrutura física precária e falta de pessoal. A denúncia é do Sindicato dos Educadores do CEM, mas as condições insalubres na unidade já foram constatadas também pela Ordem dos Advogados, Seccional Piauí após vistoria realizada em julho passado.

Segundo Francisco Pires, presidente do sindicato, a capacidade do CEM é para 60 internos, mas abriga atualmente 93 adolescentes e não oferece condições para atividades de educação, lazer e cultura desses garotos. “Ressocializar é uma palavra fictícia dentro do CEM. Além desses meninos já virem da rua não querendo receber qualquer tipo de educação, aqui não tem estrutura para devolver um cidadão para a sociedade”, avalia.

Imagem: Ellyo Teixeira/G1OAB constatou condições insalubres no Centro Educacional Masculino.(Imagem:Ellyo Teixeira/G1)OAB constatou condições insalubres no Centro Educacional Masculino.

Conforme informações da própria Secretaria de Cidadania e Assistência Social (Sasc), o centro conta com apenas um pedagogo e 20 educadores cuidam da orientação socioeducativa dos meninos. No entanto, o sindicato alega que apenas quatro são concursados e os demais terceirizados ou prestadores de serviço e sem uma qualificação para tal função.

“Aqui eles não assistem aula, só se quiserem. Os educadores fazem é apanhar desses meninos. Eles (educadores) na verdade trabalham é como agentes penitenciários, resguardando as garantias previstas em lei. Podem até tentar, mas é difícil controlar esses menores”, afirmou Francisco Pires.

“Para ser educador só precisa ter ensino médio, mais nada. Raramente esse pessoal recebe um curso de qualificação”,
enfatizou o presidente do sindicato.

Mortes no CEM

Em julho deste ano três menores acusados de estuprar e jogar de um penhasco quatro meninas no município de Castelo do Piauí, espancaram até a morte Gleison Vieira da Silva, de 17 anos, dentro de uma cela do Centro Educacional Masculino, que também participou do estupro coletivo.

Nós últimos 10 anos, sete meninos foram mortos na unidade e 130 fugas foram registradas. Os dados são da Sasc. De acordo com o presidente do sindicato, a ociosidade dos garotos faz com que esse tipo de ação aconteça.

“Quando não querem participar de uma atividade esportiva ou assistir aula, ficam aqui ouvindo música e jogando conversa fora e com essa falta do que fazer acabam planejando essas mortes e as fugas”, contou o presidente do Sindicato dos Educadores do CEM.

Imagem: Divulgação/OAB-PIOAB divulgou imagens da parte interna do Centro Educacional Masculino.(Imagem:Divulgação/OAB-PI)OAB divulgou imagens da parte interna do Centro Educacional Masculino.

No centro, quatro psicólogos e três assistentes sociais fazem o acompanhamento dos menores. No local existe uma quadra poliesportiva, um campo de futebol e o anfiteatro para realização de atividades, mas na avaliação de Francisco Pires, são espaços osciosos.

“Eles de vez enquanto ficam aqui jogando bola, e alguns ainda participam dos cursos de panificação e refrigeração, mas o que gostam mesmo é de assistir filme de ação à noite, se colocar outro gênero eles começam a se rebelar”,
relevou Francisco Brito.

O Estatuto da Criança e do Adolescente diz que aplicação da medida sócioeducativa de internação é pautada por alguns princípios peculiares, são eles: princípio da brevidade; da excepcionalidade; e de respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Em média, o período de internação é de três anos, sendo que a cada seis meses essa internação deve ser reavaliada.

Para o capitão Anselmo Portela, diretor do CEM, o problema não está apenas na estrutura que o estado oferece, mas nas condições de educação e acompanhamento da própria família dos adolescentes.

“O problema é que a 90% desses meninos voltam para o mundo do crime, quando não voltam para o CEM, vão para as penitenciárias”,
falou o diretor que chegou a culpar os educadores pelo mau comportamento dos menores.

“Nós realizamos cursos para esses educadores pelo menos três vezes no semestre, mas a maioria não quer participar, porque não é no horário do seu plantão, o que reflete na forma como eles conduzem as atividades dos meninos. Vamos passar a determinar que a participação nos cursos seja obrigatória”,
disse.

Ao contrário do que o Sindicato dos Educadores colocou, o diretor afirmou que os garotos não ficam ociosos e que eles frequentam aulas, mas o rendimento não é dos melhores. “Os meninos são obrigados a ir para a aula, mas a maioria não quer nada mesmo. Não tem como se exigir muito de um menino desse. A família deles já tentou muito, não sou eu quem vou conseguir. É exigir muito do estado o que a família teve toda a vida para fazer e não fez. Não somos nós que em dois ou três meses vamos fazer eles mudarem”, falou ainda o capitão Anselmo Portela.

Com relação realização de concurso para educadores, o diretor afirmou que o estado no momento não tem condições de realizar o certame. “O Estado não tem dinheiro para realizar o concurso e muito menos para convocar os aprovados”, contou.

Reforma na Unidade

Em setembro deste ano o secretário de Assistente Social e Cidadania (Sasc), Henrique Rebelo, apresentou ao Ministério Público Estadual, o projeto para ampliação e reforma da unidade com criação de 41 novas vagas.

O modelo de ampliação do Centro contará com local para visitas íntimas, cozinha industrial, lavanderia, repouso para os educadores, alojamento para as famílias e ainda recuperação da parte hidráulica e elétrica.

De acordo com o diretor do CEM, a reforma ainda não foi iniciada e que somente reparos estão sendo feitos na estrutura. “Esse prédio é muito velho, estamos ajeitando as fossas e retirando algumas camas que eram de ferro. Essa outra reforma, anunciada pelo secretário, só com a liberação de verba por parte do Governo”, afirmou.

Além da ampliação do CEM, o governador Wellington Dias prometeu criar novas unidades no interior do estado com a finalidade de descentralizar as ações e que o assunto já estaria sendo discutido com o Ministério do Desenvolvimento Social.

A Secretaria da Assistência Social e Cidadania disse que todas as medidas necessárias exigidas pela justiça para melhorar o CEM estão sendo tomadas, como a aquisição e distribuição de colchões para todos adolescentes, a reativação das atividades de lazer e o início de cursos profissionalizantes.

Diagnóstico OAB


Relatório elaborado pela Comissão de Direito da Criança e do Adolescente, da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Piauí, mostrou que no Centro Educacional Masculino não há estrutura física e nem pessoas para trabalhar a ressocialização desses meninos.

“Não há nada daquilo que é garantido por lei no CEM. O Estatuto da Criança e do Adolescente é totalmente desrespeitado ali dentro. Os meninos deviam ter acesso à educação, lazer, esporte e cultura, mas nada disso acontece. Esses garotos não são motivados a se reeducarem, mas sim a voltarem para o mundo do crime”, disse a presidente da comissão, advogada Luzinete Lima.

O relatório da OAB afirma que diferente da média nacional, a maioria dos internos do Piauí está lá por atos infracionais contra a vida. “Enquanto que nacionalmente a maioria dos atos infracionais cometidos por adolescentes é de dano contra o patrimônio, no CEM é de crime cometido contra a vida (homicídio). E tem outro agravante: esses meninos em sua maioria são abandonados pela família, alguns estão há meses sem receber visitas”.

Ainda de acordo com a ordem, no centro há uma grande rivalidade entre os grupos de internos. “Há uma ala ocupada por adolescentes que ficam praticamente isolados dos demais em virtude de rivalidade existente extra centro. Todas as atividades feitas por estes adolescentes são em horários diferentes dos demais”, lembra Luzinete Lima.

Tópicos: sindicato, menores, cem