Derrotada e isolada, Dilma tenta agora armar resistência no Senado

18/04/2016 07h48


Fonte G1

Imagem: ÉpocaClique para ampliarDilma Roussef(Imagem:Época)Dilma Rousseff

Quinze horas antes de a oposição obter o 342º voto em favor do prosseguimento do processo de impeachment, a presidente Dilma Rousseff ensaiou uma rotina de normalidade: pedalou pelos arredores do Palácio da Alvorada por cerca de vinte minutos. Um trajeto curto como metáfora de um mandato prestes a ser abreviado. Dilma assistiu à votação na biblioteca do Palácio do Planalto, acompanhada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

À noite, a presidente ficou recolhida, abandonou, pela segunda vez em poucos dias, a ideia de dar uma declaração pública. Em sinal de abatimento no Planalto, delegou a missão ao ministro Jaques Wagner (Gabinete Pessoal), que divulgou uma nota, após 367 deputados aprovarem o processo de impeachment. Wagner considerou a decisão um retrocesso e disse que espera “justiça”. Em tom de lamento, o ministro afirmou que a decisão “ameaça interromper 30 anos de democracia no país” e insinuou que espera uma atenção maior do Senado, uma vez que a decisão em relação às pedaladas fiscais pode abrir brechas para ter efeito também sobre governadores. O petista disse ainda que os deputados federais “fecharam os olhos” às melhorias dos últimos doze anos, período em que o PT está à frente do Palácio do Planalto. "Confiamos nos senadores e esperamos que seja dada maior possibilidade para que a presidente apresente sua defesa e que lhe seja aplicada justiça. Acreditamos que o Senado, possa observar com mais nitidez as acusações contra a presidenta", disse, criticando a falta de argumentos e de sustentação jurídica no pedido aprovado.

Nos arredores de Dilma, o clima era de inércia. Não demonstravam nada muito além de decepção e tristeza. Para reaglutinar a tropa, a presidente convocou uma reunião emergencial com ministros e parlamentares da base aliada no Alvorada para definir a estratégia para os próximos dias. Diante da derrota, o governo quer evitar nova debandada e pretende unificar o discurso na base aliada de que “a batalha foi perdida, mas não a guerra.” Em entrevista coletiva, depois do resultado, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, afirmou que a presidente estava tranquila, mas que não iria desistir da luta. Segundo ele, Dilma tem uma trajetória de “causas” e que não aceitaria entrar na história como alguém que desiste da batalha.
Senadores da base foram os primeiros a reverberar o discurso do governo e cobrar o apoio da militância. "Vamos mirar o Senado. Não vamos sair da rua. Dia e noite. Se Temer assumir, o governo dele não vai durar três meses. As pessoas agora estão percebendo a linha de sucessão e não vão permitir", disse o senador Lindberg Faria (PT-RJ). “A gente vê esse canalha, chefe de quadrilha, o Eduardo Cunha, tentando afastar uma presidente honrada e honesta como a presidente Dilma, que não responde a um inquérito. Nós perdemos uma batalha, mas não perdemos a guerra,” insistia o petista, cobrando a mobilização dos trabalhadores. “É um dia triste, mas não podemos desanimar.” A senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) também pediu o apoio dos militantes nas ruas. “Vamos ficar firmes para derrubar o golpe.”

A solidão de Dilma

Poucas residências são tão belas e solitárias quanto o Palácio da Alvorada. A combinação de vidro e concreto, à beira do Lago Paranoá, fica distante de todo o resto de Brasília, uma forma de resguardar e diferenciar sua moradora dos outros habitantes da cidade. Dilma está acostumada. Mora no distante Alvorada desde 2011. Contudo, o avançar do impeachment alterou seus hábitos, parece ter encurralado a presidente até mesmo dentro de sua residência. Nas últimas semanas, no tempo que permanece por lá, Dilma tem se restringido à área privativa, uma espécie de grande apartamento, no 3o andar. Pouco sai de lá, pouco desce à ala pública do palácio. Parou de fazer caminhadas pelo bonito jardim, um hábito cultivado até há pouco. Dilma nunca esteve tão só, tão reclusa, neste casulo do poder.

A Presidência da República é, por natureza, uma posição institucional na qual o ser investido está sempre cercado de muita gente, mas solitário em sua essência. Com o poder esvaindo-se, Dilma, no entanto, tem estado sozinha até nessa vida prática. A presidente sempre foi de poucos amigos em Brasília. Costumava telefonar nos finais de semana aos assessores que considerava mais próximos, simplesmente para bater papo. No entanto, mesmo os poucos amigos que a visitavam sumiram este ano. As visitas da família, essencialmente a filha, o genro e o neto, que vivem em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, diminuíram bastante desde que a crise ficou mais pesada. O estado de saúde de sua mãe, Dilma Jane, de 92 anos, inspira cuidados, o que acarreta uma preocupação e um motivo a mais para o recolhimento pessoal da presidente. Desde 2014, quando uma de suas tias que morava no Alvorada voltou a Belo Horizonte, é Dilma quem cuida da mãe.

Nestes tempos de ânimos acirrados em torno do impeachment, até no resguardado Alvorada as regras foram alteradas. O palácio foi provisoriamente fechado ao público para visitas, que costumavam ocorrer às quartas-feiras na área comum. A segurança foi reforçada há cerca de duas semanas, desde que um homem tentou botar fogo na bandeira nacional quando estava sendo recolhida, ao final do dia. Até as tradicionais pedaladas matinais da presidente foram alteradas. Há mais seguranças, e eles andam mais perto de Dilma para evitar a aproximação de alguém.

Dilma conta com uma equipe do gabinete pessoal, dividida em funcionários de cerimonial, ajudância de ordens e agenda. Desde o início do ano, e da abertura do processo de impeachment, o gabinete mais próximo foi afetado pela debandada do governo, com duas exonerações e cinco dispensas. A mudança de maior impacto foi a saída de Anderson Dorneles, o secretário particular que acompanhava Dilma havia mais de 20 anos. Anderson deixou o governo em janeiro, para se casar e viver em Porto Alegre. Saiu de forma repentina e sem muitas explicações. Outros servidores ligados a Dilma acionam suas redes e começam a procurar emprego em governos estaduais controlados pelo PT. Um movimento assim é natural em final de governo, quando a perspectiva de poder futuro se esgota; assim, esse movimento silencioso dos servidores demonstra muito do funcionamento de Brasília e do estágio no qual se encontra o governo Dilma. A presidente nunca foi muito querida entre os servidores, pelos mesmos motivos que não é querida pelos políticos: seus arroubos de impaciência, o hábito de gritar e a rispidez no trato. Mesmo assim, diante da melancólica fase, até os maltratados demonstram certa comiseração por Dilma.

Em seu instinto de sobrevivência, os funcionários de Dilma enxergam claramente o isolamento político que pode levar à derrocada da presidente. Estão ao lado de Dilma apenas seus ministros e colaboradores mais próximos, os de sempre. Na semana passada, os parlamentares do PT se dirigiram menos a Dilma e mais ao hotel Golden Tulip, onde o ex-presidente Lula montou um escritório para receber políticos e tentar convencê-los a votar contra o impeachment . Senadores, inclusive do PMDB, que eram próximos a Dilma até o ano passado, hoje estão longe. O líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, até há pouco um defensor de Dilma na Casa, tratou com a presidente pela última vez há três semanas, quando seu partido decidiu ficar favorável ao impeachment. Dilma procura compensar este isolamento político e pessoal com mudanças na postura pública, mais aguerrida até do que seu costumeiro tom veemente. Na semana passada, Dilma ligou duas vezes para o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Demonstrou confiança e ouviu dele que não podia demonstrar que achava a derrota provável. Dilma seguiu o conselho do político. “Dilma é um general. Não abandona uma guerra. Vai até o fim lutando. Quanto mais os adversários avançam, mais ela avança com coragem e vontade de vencer”, define um aliado da presidente, que elogia a “tranquilidade” em tempos difíceis.

Dilma adotou durante a semana o discurso do “pacto”. Passou a procurar, em sintonia com a tropa de choque do Palácio do Planalto, prefeitos de municípios em que ela foi bem votada numa tentativa de pressionar parlamentares, além de governadores petistas. Nas ligações, a presidente repetia o mantra que o país está sofrendo um golpe e que é preciso salvar a democracia. O otimismo e a tranquilidade de Dilma nas conversas chamaram a atenção dos aliados mais próximos, um tom contrário ao adotado nos incessantes discursos públicos feitos nas últimas semanas. Desde 4 de março, quando a presidente fez um pronunciamento sobre a delação do senador Delcídio do Amaral, o governo, sob a orientação do ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva, exibiu outra estratégia. Dilma se disse “otimista” e usou o nome de Lula 13 vezes, marcando o retorno oficial do criador.

Dali em diante, avessa a viagens e celebrações, Dilma passou a usar a máquina do Estado para se defender. O Palácio do Planalto passou a trabalhar quase exclusivamente para defender o mandato de Dilma, com a montagem de eventos que proporcionassem demonstrações de apoio à presidente por grupos favoráveis ao – ou beneficiados pelo – governo e advogados contrários ao impeachment. Como a clausura do Alvorada, a do Planalto serve para Dilma discursar pelo tempo que quiser, sem risco de ser confrontada em locais abertos. Em alguns momentos, o discurso elaborado pela presidente tinha pouca relação com o evento. As falas passaram a ser mais longas para o padrão Dilma Rousseff. Nas últimas semanas, Dilma falou por cerca de cinco horas nesses eventos.

O conteúdo também mudou. Em 30 de março, Dilma passou a falar abertamente sobre impeachment, uma palavra evitada até então. No lançamento da terceira fase do programa Minha Casa Minha Vida, Dilma repetiu a palavra sete vezes e usou seu discurso para lançar o bordão que repete freneticamente desde então: “Impeachment sem crime de responsabilidade é o quê? É golpe”. Falou para uma claque de movimentos sociais, poucos parlamentares e os governadores aliados Flávio Dino, do Maranhão, Camilo Santana, do Ceará, e Welington Dias, do Piauí. O Minha Casa Minha Vida foi a principal bandeira de Dilma Rousseff nas duas campanhas eleitorais. E, naquele dia, o programa de distribuição de moradias populares se transformou em recurso para uma espécie de terrorismo verbal, já adotado em campanhas eleitorais do PT: aquele que procura assustar a população com a ameaça que apenas um governo petista manteria o benefício. “Muitos querem retirar os subsídios do Minha Casa Minha Vida. Nós queremos continuar esse programa”, disse. “Aqueles que acham que um programa desse pode ser resolvido pura e simplesmente através de mecanismos de mercado esquecem que há uma diferença de renda fundamental no Brasil e que é nosso papel resolvê-la.”

No dia seguinte, em 31 de março, em um encontro com artistas e intelectuais, a palavra “impeachment” apareceu mais: 22. A palavra “golpe” foi usada 19 vezes no discurso de meia hora, em que traçou um paralelo com sua resistência durante a ditadura militar. Na semana passada, o tom ficou mais pesado. A analogia histórica deu lugar ao ataque reto e direto ao vice-presidente, Michel Temer, e ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha. “Eu chamei de chefe do golpe e vice-chefe do golpe. Um não age sem o outro”, disse Dilma. Desde março Dilma afirma que tentam derrubá-la sem justificativa e procura demolir o argumento das pedaladas fiscais. No afunilamento da semana passada, os argumentos técnicos ficaram para trás. Temer e Cunha viraram, desde então, os inimigos declarados. Ao contrário da presidente, no entanto, ambos permanecem cercados de aliados. Na última semana, os carros oficiais das autoridades passavam em frente ao Palácio do Planalto, mas viravam à direita e estacionavam no meio do trajeto de 6 quilômetros até o Alvorada, pois entravam no Jaburu, a residência oficial de Temer.

Na quarta-feira, Dilma recebeu o ministro das Cidades, Gilberto Kassab, presidente do PSD. Pela manhã, Kassab estivera na reunião da bancada de deputados de seu partido, na Câmara , e os deixara à vontade para decidir que rumo tomar no impeachment. Quando entrou no gabinete no Palácio do Planalto, Kassab avisou Dilma que seu partido havia decidido votar pelo impeachment. Há dois anos, sob conselho do ministro Aloizio Mercadante, o governo Dilma optara por fortalecer Kassab e o ex-governador Cid Gomes, para que formassem um novo partido, grande o suficiente para confrontar o PMDB e dar maior conforto a Dilma no Congresso.

Sem experiência e capacidade de diálogo políticos, Dilma acreditou. A visita de Kassab foi o último sinal de um dos mais crassos erros políticos de seu governo. Erros esses que, cometidos ao longo de cinco anos, levaram Dilma ao isolamento político e pessoal no qual se encontra em Brasília.

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