Efeito incerto sobre casos como o de Lula pode levar PEC da 2ª instância ao Supremo
01/12/2019 09h35Fonte Folha
Mesmo que o Congresso aprove uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que permita a prisão de condenados em segunda instância, a forma de aplicação da medida ainda precisará passar pelo crivo do Supremo Tribunal Federal, segundo especialistas e o próprio deputado autor do projeto.Os debates acerca da abrangência dessa futura norma se acirraram após o ex-presidente Lula ter a sua pena aumentada no processo do sítio de Atibaia (SP) pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na quarta (27).
Quando Lula foi preso em 2018, pelo caso do tríplex de Guarujá (SP), o Supremo considerava que, após o esgotamento de recursos em tribunais de segunda instância, como o TRF-4, já havia a possibilidade de um réu condenado ser preso —entendimento que foi revisto no mês passado, levando à soltura de Lula.
Imagem: Carl de Souza
Caso essa PEC seja aprovada, porém, ainda há dúvidas se seus efeitos podem retroagir e o ex-presidente voltar à prisão devido à decisão da corte regional pelo caso do sítio, sem que tenha sido julgado pelas instâncias superiores.
A proposta que tramita no Congresso, já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, acaba com os recursos extraordinários (STF) e especiais (STJ) e os substitui pelas ações revisionais extraordinárias e especiais. Ou seja, ainda seria possível recorrer às cortes superiores, mas o nome da ação em si deixa de ser recurso e passa a ser ação revisional.
Na prática, o trânsito em julgado (quando a ação é considerada encerrada) seria antecipado para tribunais de segunda instância, como TRFs e Tribunais de Justiça estaduais.
Lula agora tem duas condenações em segunda instância: no caso tríplex, no qual cumpriu 19 meses da pena, e também no caso do sítio, julgado no TRF-4 na semana passada.
Uma eventual mudança da regra, por meio de aprovação de uma proposta no Congresso ou por eventual nova mudança no entendimento do STF, pode afetá-lo, portanto.
O autor da proposta que tramita na Câmara, deputado Alex Manente (Cidadania-SP), entende que a lei não pode retroagir para prender imediatamente os réus, mas acha que os tribunais de segunda instância devem analisar, caso a caso, se as ações seguirão para os tribunais superiores.
"Essa mudança reconfigura o sistema judiciário brasileiro", diz Manente. "Nós entendemos que elas (as ações) precisam passar pelo crivo da segunda instância para avaliar se viram ação revisional ou não".
Sobre a prisão de pessoas já julgadas, crê que “esse é um entendimento que quem vai modular é o próprio Supremo”.
Membros do Ministério Público têm entendido que aprovação da proposta permitiria a execução das prisões, já que seria uma alteração de norma de processos penais em curso, e teria aplicação imediata.
Segundo a subprocuradora-geral Luiza Frischeisen, coordenadora da Câmara Criminal do Ministério Público Federal, só não afetariam os processos atuais mudanças legislativas que criam novos tipos penais ou mudem tempo de prescrição de um crime, por exemplo.
Ainda assim, ela prevê que a questão pode chegar ao STF.
Doutor em direito penal, o procurador de Justiça Edilson Mougenot também entende que a prisão se aplicaria imediatamente, "pela maioria da doutrina e jurisprudência vigente".
Ele aponta o artigo 2º do Código de Processo Penal, que afirma que "a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior".
Para Mougenot, um entendimento diferente disso partiria de uma interpretação de que essa norma é "heterotópica": ou seja, que apesar de estar no Código de Processo Penal, tem natureza jurídica diferente de uma lei processual.
O professor de direito processual penal Gustavo Badaró, da USP, entende que a proposta na Câmara pode suscitar um debate a esse respeito.
Para ele, haverá questionamento se a alteração do trânsito em julgado trata de um caso de direito material (o conjunto de normas da sociedade) ou apenas de direito processual (o conjunto específico de normas dos processos).
Ele afirma que, em se tratando de uma alteração de uma norma de processo, seus efeitos seriam imediatos, inclusive resultando na prisão de condenados em segunda instância que aguardavam em liberdade o fim dos recursos.
Se o entendimento for de que abrange o direito material, seria uma mudança prejudicial aos acusados que só poderia ser aplicada aos crimes cometidos a partir do início de sua vigência, sem retroagir.
Badaró vê eventual aprovação de uma PEC resultando em mais discussões no Supremo.
“Certamente vai haver duas correntes. Os punitivistas, que dizem que o Supremo errou [ao barrar a prisão em segunda instância], vão dizer que é uma norma processual de aplicação imediata. Quem é mais garantista vai dizer que [a alteração] restringe o momento de execução da pena e, portanto, só deve ser aplicada aos crimes cometidos a partir do início da emenda constitucional.”
Para o professor, as duas correntes são defensáveis, e o STF vai ter que se posicionar a respeito.
Para o professor de criminologia da USP Maurício Dieter, uma eventual aprovação da PEC trará como consequência inescapável a discussão no Supremo dos efeitos dessas alterações. Uma possibilidade, diz ele, é que ministros despachem de maneira divergente até uma decisão final.
“Uma mudança dessas vai produzir mais um episódio de sensível insegurança jurídica em um país que já é atravessado por sucessivas crises legais.”
Para Dieter, a eventual alteração não vale para o condenado em segunda instância que obteve o direito de aguardar em liberdade o esgotamento de seus recursos nas cortes superiores. Ele diz que isso constitui uma situação de ato jurídico perfeito, ou seja, realizado conforme as regras vigente à sua época, na qual, por causa do princípio da ampla defesa, o réu não pode ser prejudicado por uma alteração nas normas.
No julgamento em que foi fixado novo entendimento barrando a prisão de condenados em segunda instância, no último dia 7, o presidente do STF, Dias Toffoli, disse que o Legislativo tem autonomia para dizer qual o momento para a prisão de condenados, abrindo brecha para que o Congresso resgatasse a norma.
Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), fecharam na semana passada acordo para levar adiante em 2020 a proposta de Manente, que ainda precisará ser aprovada no plenário.
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